RIO – Um cartão-postal da cidade voltará, enfim, a fazer parte da paisagem. O bondinho de Santa Teresa começa a circular nesta segunda-feira sobre os Arcos da Lapa, quase quatro anos após interromper a operação devido ao acidente que deixou seis mortos e 57 feridos. Mas será um aperitivo: volta a entrar em uso apenas 1,7 dos 10,5 quilômetros de trilhos que deverão ser implantados no bairro. Além disso, o sistema só vai funcionar de segunda a sábado, das 11h às 16h, com capacidade máxima de 32 passageiros por veículo. Chegar ao Silvestre, última estação, ainda levará tempo. O governador Luiz Fernando Pezão avisou, na semana passada, que a obra só termina em 2017. A previsão inicial era que tudo estivesse pronto há um ano. Neste primeiro momento, dois bondes vão circular no trecho que vai do Largo da Carioca até o Largo do Curvelo.
Quem quiser matar a saudade de andar nos estribos também não vai conseguir. No novo modelo de bonde, eles são retráteis e só abrem nas paradas. Além disso, também não serão permitidas viagens em pé. Segundo o secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osorio, a operação de hoje é, na prática, uma reintrodução do bonde no cenário e no cotidiano do bairro. E esse retorno será feito de forma gradual.
— Terminamos testes no bonde e decidimos começar a pré-operação nesta segunda (hoje), cumprindo o prazo de voltar a operar um dos trechos até o fim de julho. No período de testes, em cada carro vamos ter, além do motorneiro, um agente, que ficará responsável por dar informações aos usuários na hora da partida, e durante a viagem vai indicar os pontos. Também teremos agentes ao longo dos trilhos, numa ação educativa. As pessoas precisam lembrar que não é permitido estacionar por lá — explicou Osorio.
Viagens serão gratuitas
Segundo o secretário, nesta primeira semana dois bondes vão operar com intervalos de 20 minutos, e não haverá cobrança de passagem. O embarque e o desembarque serão feitos exclusivamente nos pontos de parada. E, caso haja demanda, o tempo de intervalo entre os bondinhos poderá ser reduzido.
— Vamos avaliar isso e conversar com os moradores. Só começaremos com dois bondes, que vão sair simultaneamente do Largo do Curvelo e do Largo da Carioca a cada 20 minutos. Mas, como temos quatro bondes aptos a entrar em operação, poderemos fazer adaptações — disse Osorio.
Ao todo, 12 agentes da Secretaria de Transportes estarão nas estações do Largo do Curvelo e do Largo da Carioca para orientar os passageiros. Na última sexta-feira, o órgão instalou novas placas indicando os pontos de parada dos bondes ao longo da Rua Joaquim Murtinho e outras ruas. De acordo com Osorio, os locais de parada dos antigos carros foram respeitados. Ainda segundo o secretário, ficou combinado com os moradores que, se houver necessidade, os pontos de embarque e desembarque poderão ser modificados.
Os moradores do bairro comemoram o começo da volta do bondinho, mas acompanham o processo com precaução, já que o consórcio Elmo-Azvi, que executa as obras, não vinha respeitando cronogramas. O consórcio foi multado duas vezes por problemas nos serviços prestados. O montante chega a R$ 1,35 milhão. O grupo apresentou recursos, que estão sendo analisados.
— Para nós, o fato de o bonde voltar a operar num trecho é bastante positivo. Esperamos que, de agora em diante, os prazos sejam respeitados, que as obras no Largo dos Guimarães sejam logo concluídas e os trabalhos avancem em direção ao Largo das Neves e ao Silvestre — comentou Sergio Teixeira, um dos diretores da Associação de Moradores de Santa Teresa (Amast).
O comerciante Maurício Gilson reclama que as obras têm feito seu faturamento cair:
— Temos a loja de Santa Teresa há mais de quatro anos, quando o bonde ainda circulava. Sem ele, perdemos 80% das vendas. Esperamos que o bonde retorne e traga de volta o povo da área cultural.
Outro trecho será reativado em outubro
Osorio afirma que o trecho dos trilhos da Rua Almirante Alexandrino ao Largo dos Guimarães deve entrar em pré-operação a partir de outubro:
— A obra física até o Largo dos Guimarães será concluída até o fim de setembro. Em outubro, começam os testes nos trilhos e poderemos iniciar a pré-operação nesse trecho. Em seguida, a obra vai continuar em direção ao Silvestre.
Outro problema também preocupa: o custo da obra, que está 49% mais alto que o valor inicial — era R$ 58,6 milhões, em junho de 2013, e passou para R$ 87,1 milhões. Até agora, o governo estadual pagou R$ 43,5 milhões, o equivalente à metade do atual orçamento. Parte da obra (60%) precisou ser refeita, porque houve um erro na instalação do rejunte dos trilhos com os paralelepípedos, que ficaram numa altura inadequada, impedindo o acionamento do freio magnético dos veículos. A lentidão das obras em Santa Teresa afetou a fabricação de 14 bondes encomendados pelo estado, por R$ 40 milhões, em 2012. Apenas cinco veículos foram entregues pela TTrans. O governo determinou a paralisação da produção para evitar o risco de a nova frota se deteriorar.
Comerciantes do bairro amargam prejuízos. Pela estimativa da Associação de Amigos e Empreendedores do bairro (Ame Santa, que reúne 25 empresários), as perdas no faturamento se mantêm perto dos 40%. Em maio, a queda de movimento chegou a 60%.
O acidente com o bonde aconteceu na Rua Joaquim Murtinho, em 27 de agosto de 2011. Na época, o então governador Sérgio Cabral admitiu que o sistema estava sucateado e mal gerido, e interrompeu o serviço. Em novembro de 2013, o estado anunciou o início de obras. Na ocasião, prometeu que, ao longo de 2014, os bondes estariam de volta.
Ateliês abrem as portas
Santa Teresa sempre foi um canteiro de obras de arte. E os 25 ateliês do bairro montaram exposições este fim de semana, durante a 25ª edição do Arte de Portas Abertas, que atraiu 40 mil visitantes. Na avaliação dos organizadores, os buracos, o barulho e a poeira que imperam pelas principais ruas da região não conseguiram ofuscar o sucesso da festa. Ontem à tarde, as vias do bairro ficaram cheias. Ao todo, 66 artistas participaram. Quatorze restaurantes abriram com programação especial.
Alguns participantes, porém, reclamaram da queda no movimento. A artesã Taiane Vilas Boas, do VB Atelier, já participou de cinco eventos e, desta vez, sentiu os efeitos das obras, inclusive nas vendas.
— É ruim, porque Santa Teresa já é um lugar complicado de se chegar. Além de o acesso ficar difícil, a poeira prejudica nossos trabalhos, pois acaba sujando tudo.
A fotógrafa Daniela Rocha participa pela terceira vez do evento e planejava expor as suas fotos poéticas na calçada do Cine Santa, no Largo dos Guimarães. Porém, como esta é justamente a parte do bairro em que mais se concentram as obras, ela precisou mudar de lugar e se instalou em uma passagem criada ao lado.
— Coloquei o meu trabalho bem próximo das obras para que ele seja visto como o oposto delas. Uma beleza em meio ao caos. Virou uma intervenção — disse ela.
Para a advogada Renata Pinheiro, que mora na Abolição e esteve no evento pela primeira vez, os taxistas, que já se recusavam a ir até o bairro, ficaram ainda mais arredios depois das obras. Para chegar aos ateliês anteontem, ela precisou subir a pé a Rua Almirante Alexandrino até o Largo dos Guimarães.
Apesar das reclamações e dos transtornos relatados, a artista plástica Regina Marconi, conselheira da Associação Chave Mestra, que organiza o evento, não demonstrou preocupação com os transtornos provocados pelas obras. Bem antes do evento, ela aconselhou os visitantes das exposições a não subirem ao bairro de carro, para evitar congestionamentos, além de acidentes.
— Quando o canteiro estava completamente aberto, com as pedras e dormentes expostos, nós estávamos preocupados. Mas ele foi todo cercado na última sexta-feira, e isso permitiu o caminho livre para os visitantes. Ficamos tranquilos porque o espaço na rua diminuiu, mas a parte que sobrou ficou segura e livre. Antes, obra e rua eram a mesma coisa. Agora, melhorou para os moradores e os visitantes. Mas esperamos que a obra acabe logo.
O Globo – Rio de Janeiro/RJ – ÚLTIMAS NOTÍCIAS – 27/07/2015 – 06:22:29
Simone Candida / Gilberto Porcidônio