Carlos Costa, do BNDES: “A tendência da infraestrutura é continuar em queda”
Mesmo com o plano de privatizações do governo e o fim da recessão, os investimentos seguem em tendência de desaceleração no país nos próximos anos, segundo levantamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), obtido pelo Valor. O mapeamento mostra que os setores de infraestrutura e indústria preveem investimentos médios anuais de R$ 225,3 bilhões para o período de 2017 a 2020 (ver quadro abaixo), valor 7% inferior ao realizado em 2016 (R$ 243,3 bilhões).
Isoladamente, a infraestrutura deve atrair R$ 104,6 bilhões por ano, na média do período. Em 2017, serão R$ 114,9 bilhões, 8% a menos do que em 2016 (R$ 124,8 bilhões), em termos reais. O valor seguirá em declínio nos anos seguintes. Em 2019, recuará para R$ 97 bilhões. Em 2020, deve girar em torno de R$ 100 bilhões. Em todos os anos, deve ficar abaixo do pico histórico registrado em 2012 (R$ 162 bilhões). O banco lembra que os projetos podem ou não ser futuramente apoiados financeiramente pelo banco.
Recentemente concluído pelo Comitê de Análise Setorial (CAS) do BNDES, o levantamento considera investimentos dos setores público e privado. São computados projetos iniciados ou planejados, identificados em contatos com empresas e associações dos respectivos setores. O mapeamento abrange 100% do setor de infraestrutura e 80% dos setores da indústria brasileira. Na média dos últimos ano, a projeção apresentada pelo banco tem uma aderência de 95% em relação ao realizado.
“Como o banco tem contato com cada um dos setores e das empresas, a gente tem ideia bem próxima do que eles pretendem fazer nos próximos anos. Parte desses projetos já foram iniciados, parte ainda vai começar. Mas a tendência da infraestrutura, infelizmente, é continuar em queda”, disse o economista Carlos da Costa, que assumiu em agosto deste ano a diretoria das áreas de Crédito, Tecnologia da Informação e Planejamento e Pesquisa do BNDES.
Dos nove ramos da infraestrutura acompanhados, cinco preveem menos investimentos nos próximos anos: energia elétrica, telecomunicações, aeroportos, saneamento e mobilidade urbana. Energia elétrica é o que mais deve investir ao longo do período, numa média de R$ 39,5 bilhões ao ano até 2020. Esse montante previsto, porém, é 31% menor que aplicado em 2016 (R$ 56,9 bilhões). “Em energia elétrica, o ciclo que tivemos está arrefecendo”, disse Costa.
Na indústria, por sua vez, os investimentos deverão somar R$ 120,6 bilhões na média anual até 2020, praticamente estável na comparação com 2016 (R$ 118,8 bilhões). Especificamente em 2020, a projeção do BNDES aponta para R$ 126 bilhões no setor. Embora acima do patamar atual, essa evolução está concentrada em poucos ramos industriais e representa apenas a metade do realizado no pico histórico de 2013 (R$ 240,8 bilhões), mostra o mapeamento.
Dos 12 ramos da indústria acompanhados pelo BNDES, a atividade de petróleo e gás será a única com crescimento relevante dos investimentos nos próximos anos. Serão R$ 71,3 bilhões ao ano até 2020, 15% acima dos níveis verificados no ano passado (R$ 61,8 bilhões). Mesmo assim, o montante não supera a média verificada no quadriênio anterior (R$ 89,45 bilhões), que foi marcado pelo desenvolvimento da produção em campos do pré-sal e a construção de grandes refinarias pela Petrobras.
Também chama atenção na pesquisa o aumento dos investimentos médios nos próximos quatro anos, em relação a 2016, nos setores de química (23%) e eletroeletrônicos (24%). Por outro lado, tendem a ser substancialmente menores na indústria automotiva (-51%) e de papel e celulose (-43%), por exemplo. Em termos absolutos, o ramo de alimentos é o segundo que mais vai investir por ano até 2020 (R$ 9,4 bilhões) atrás da atividade petrolífera.
Segundo economistas, o baixo nível de investimento no país está diretamente relacionado à falta de confiança de parte do empresariado com o futuro da economia e também aos problemas fiscais dos governos. Apesar da melhora recente da produção, a indústria também segue ociosa, o que adia a necessidade de investimentos. O nível de utilização da capacidade instalada na indústria brasileira segue baixa, em 77,8% em agosto, conforme indicador divulgado recentemente pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“O consumidor está se animando, mas isso não vai ser suficiente para acabar com a capacidade ociosa da indústria no ano que vem. A indústria de porte médio começou a se desalavancar recentemente, continua com medo do futuro” avalia Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B Consultoria.
Para o diretor do BNDES, o quadro geral dos investimentos revela que, apesar da recuperação da economia, o setor empresarial está reticente com o futuro do país. Ele atribui isso a frustração com o desempenho da economia nos últimos anos. “Os empresários se endividaram há quatro anos porque acreditavam no país. Eles perderam dinheiro e agora estão parecendo cachorro mordido por cobra, que tem medo de linguiça”, diz Costa.
Para o diretor do BNDES, o quadro ainda pode mudar, desde que haja um planejamento estratégico amplo capaz de retomar a confiança dos empresários nos rumos do país. O diretor propõe que o banco seja “orquestrador” desse planejamento, oferecendo estudos, fórum de discussão e ambiente de articulação para que emerja essa nova visão sobre o futuro do país. “O BNDES precisa ter papel de protagonismo na articulação empresarial pública sobre que tipo de país queremos construir para o futuro”, afirma.
Ele acrescenta que o banco tem crédito disponível para atender à demanda das empresas nos próximos anos. Ressalta, contudo, a importância da negociação para devolução de recursos ao Tesouro, o que pode influenciar a disponibilidade futura de recursos. O Tesouro pede a devolução de R$ 130 bilhões emprestados ao banco nos últimos anos. O diretor diz que o BNDES segue em conversas com o governo sobre o tema, sem definição.