A live transmitida na segunda-feira, 11 de maio de 2020, pelo Diário do Transporte em parceria com o Via Trolebus, que reuniu o secretário dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Alexandre Baldy e o diretor de mobilidade urbana do WRI, Sergio Avelleda, veio jogar luz sobre questões que seguramente dominam o debate sobre o transporte público e a mobilidade urbana desde já, e que persistirão até o término dessa fase mais aguda da pandemia.

Questões como que tipo de cidade e de hábitos teremos no futuro próximo foram seguramente as que dominaram o encontro virtual, que contou com as apresentações de Adamo Bazani, pelo Diário do Transporte, e Renato Lobo pelo Via Trolebus. Mas dentre elas o que preocupa é, antes de que tipo de transporte coletivo teremos, é se teremos transporte coletivo para garantir a locomoção das pessoas de menor renda nos próximos meses.

O sistema sobreviverá nas atuais condições?

O secretário Alexandre Baldy tocou na ferida: a forma como planejamos nossas cidades jogou os mais pobres para as regiões mais periféricas, ao mesmo tempo em que concentrou as oportunidades de emprego na região central. Isso provocou uma política de mobilidade que Sergio Avelleda denominou de “enxuga gelo”: qualquer solução que os governos locais e estaduais desenvolvem para aumentar a oferta de transporte, se não se altera ao mesmo tempo a oferta de oportunidades de emprego e o desenho urbano, esta é rapidamente engolida.

“A pandemia só veio agudizar uma situação que já era difícil, de perda constante de demanda do setor de transporte coletivo, especialmente de ônibus”
Sergio Avelleda

Com isso, lembrou Baldy, os custos urbanos ficam elevados, pois com maiores distâncias, os custos de mobilidade aumentam exponencialmente.

Baldy citou como exemplo a Linha 3-Vermelha do Metrô de SP, que toda manhã traz um Uruguai inteiro da Zona Leste para o centro de São Paulo, e o devolve no fim do dia para o mesmo destino. “Não é possível lidar com uma situação assim, não só pela questão do emprego, mas também pela própria questão dos horários de trabalho e troca de turnos. Todos precisam sair e estar na mesma região ao mesmo tempo”, afirmou o secretário, lembrando que este escalonamento de horários, apesar de difícil, terá de ser repensado com a sociedade e os poderes locais da Região Metropolitana.

Mas a grande questão levantada por Sérgio Avelleda foi sobre a situação atual do transporte, no que foi acompanhado por Baldy. “A pandemia só veio agudizar uma situação que já era difícil, de perda constante de demanda do setor de transporte coletivo, especialmente de ônibus”, disse Avelleda.

Com a Covid-19, e as medidas restritivas que se fizeram necessárias, houve uma perda de receita brutal. Ao mesmo tempo em que perderam receita, os meios de transporte precisaram continuar ativos, pois sem eles como os trabalhadores dos setores essenciais poderiam chegar ao trabalho, e realizar suas atividades neste momento crítico?

Além disso, a quantidade de ônibus, como lembrou Baldy, teve que ser dimensionada ainda, mesmo com a redução total da frota, para evitar aglomerações, o que aprofundou o desequilíbrio entre a receita recebida e os custos para manutenção do sistema.

“Não podemos permitir que este patrimônio publico seja destruído”
Alexandre Baldy

Avelleda citou que não é possível um sistema de transporte, que é um serviço essencial à sociedade, seja para sua economia, seja para a saúde das pessoas, sobreviver apenas com a receita da tarifa. Ou seja, ao invés da sociedade pagar por um serviço que a ela serve, apenas pagam por ele os que utilizam o serviço, o que é injusto socialmente. Afinal de contas, se o a cidade não sobrevive sem transporte, por que não contribuir para sua sobrevivência, em níveis de qualidade e confiabilidade que atendam à maiora?

“Essa conta não fecha nunca”, disse Avelleda, o que demonstra porque a pandemia veio desnudar o grave defeito do modelo de transporte que estabelecemos no país.

Baldy lembrou que é preciso, mais do que nunca, discutir formas de apoio ao transporte coletivo, sob o grave risco de, muito em breve, termos todo o sistema desarticulado por quebras e falências. “Não podemos permitir que este patrimônio publico seja destruído” afirmou, lembrando que ele serve essencialmente à sociedade.

Avelleda fez questão de lembrar que a sociedade desconhece o subsídio que é dado ao transporte individual. “Nós sabemos quanto é dado de subsídio em São Paulo ao transporte municipal gerenciado pela SPTrans, como o subsídio ao sistema metroferroviário dado pela CPTM e pelo Metrô. Mas não discutimos o quanto o poder público subsidia o transporte individual, seja em investimentos pesados de infraestrutura – ruas, avenidas, viadutos –, seja em toda a cadeia produtiva ligada à indústria automobilística, sem contar na oferta generosa de crédito para a compra de veículos”.

Baldy pontuou lembrando que esta é uma situação que vigora no país desde a Era Vargas…

Avelleda e Baldy defenderam que é preciso criar novas e duradouras fontes de financiamento para o transporte coletivo, principalmente em cidades que afastam os pobres do emprego e dos principais serviços. Mas antes, e desde já, é preciso garantir a sobrevivência do sistema, “não dando dinheiro a empresários, claro, mas comprando antecipadamente créditos de viagem que serão distribuídos às pessoas que mais precisam”, citou Avelleda, lembrando da proposta que ora tramita em Brasília, organizada por entidades vinculadas ao setor do transporte urbano e capitaneada pela Frente Nacional de Prefeitos.

Pela proposta, organizada pelo Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana, a ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos e a NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), e sob o nome de Transporte Social, a ideia é que o Governo Federal destine R$ 2,5 bilhões por mês para aquisição dos créditos eletrônicos de passagens, enquanto perdurar a crise do COVID-19.

A matéria é hoje objeto de duas propostas em Brasília: uma como emenda à MP 936, feita na Câmara Federal, e outra como Projeto de Lei, proposta pelo Senado Federal.

Garantir que haja transporte será vital para as cidades recuperarem sua economia, citaram ambos. Talvez não tenhamos a mesma demanda após a pandemia, o que é mais um motivo para reformatar o sistema; mas será fundamental impedir que essas pessoas acorram para os automóveis, tornando a cidade ainda pior do que era antes.

Avelleda lembrou propostas de Londres e Paris, que sabendo que a questão da mobilidade será diferente, estão investindo em formas resilientes de mobilidade, ampliando os espaços de calçadas, para garantir o distanciamento e permitir caminhadas de qualidade, e em ciclovias, reduzindo o espaço de ruas para o transporte individual motorizado.

Assista na íntegra:

12/05/2020 – Diário do Transporte