Uma a uma, grandes empreiteiras brasileiras se viram envolvidas na Operação Lava Jato a partir de 2014, produzindo um cenário de paralisia no setor. A crise econômica dos últimos anos derrubou o investimento público e comprometeu o financiamento a projetos de mobilidade urbana no país.
Além dessa conjuntura bastante negativa, é difícil avançar na infraestrutura de transporte por causa de problemas persistentes no Brasil, como falhas na estruturação dos projetos e a fragmentação político-administrativa das regiões metropolitanas.
A criação de autoridades metropolitanas de transporte possibilitaria otimizar investimentos e impulsionar projetos estruturais de mobilidade urbana, defenderam especialistas reunidos no 3º Seminário Mobilidade e Inovação, realizado pela Folha, na terça-feira (30), em São Paulo.
Joubert Flores, presidente do conselho administrativo da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos), lembrou que a mobilidade urbana é um direito constitucional e argumentou que, para efetivá-lo, é preciso planejamento adequado e integração física e tarifária em todas as cidades que formam uma região metropolitana.
Flores, que foi por 12 anos diretor-executivo do Metrô do Rio, considera que órgãos supramunicipais conseguiriam definir os modais mais adequados em cada eixo de transporte —metrô em corredores mais carregados, por exemplo— e permitiriam o deslocamento de passageiros com um bilhete único.
Luís Valença, presidente da CCR Mobilidade, também se mostrou favorável à proposta. Em sua avaliação, prefeituras resistem a aderir a órgãos desse tipo para não perderem poder de decisão nas políticas de transporte, desconsiderando os benefícios que seriam criados.
Hoje, cada prefeitura define as rotas das linhas de ônibus e a localização dos terminais –e, mais importante, escolhe uma ou mais empresas de ônibus para prestar os serviços no município.
A criação de uma instância metropolitana vai de encontro a essa lógica, já que tende a enfraquecer o poder político e econômico de empresários do setor de transporte, que seriam submetidos a uma autoridade unificada.
Valença citou a transferência da gestão dos transportes metropolitanos para os governos estaduais como uma solução possível. “O governo do estado tem mais poder, dinheiro e organização que os municípios individualmente.”
Apesar de os municípios serem os responsáveis pelo transporte coletivo, conforme definido pela Constituição de 1988, há mecanismos que permitem que cidades se associem para implementar políticas conjuntas, como os consórcios públicos.
Para Joubert Flores, consórcios podem ser o passo inicial rumo à integração dos transportes nas metrópoles. Ele se mostrou cético, porém, em relação a modelos de autoridades de transportes muito centralizadas, como a que existe em Londres.
O modelo espanhol é mais apropriado para o caso brasileiro, afirmou, já que se baseia na adesão de cada município por meio de incentivo no preço das passagens —moradores de cidades participantes podem usar vários modais e têm tarifas menores.
Projetos de baixa qualidade são outro entrave à ampliação de investimentos em mobilidade no Brasil. Muitas obras são licitadas sem estudos técnicos ou projetos detalhados, comprometendo a viabilidade econômica dos projetos, argumentou Luís Valença, que defendeu uma revisão no marco regulatório atual.
Para Valença, faltam instrumentos para obrigar governos a cumprir suas obrigações em contratos com a iniciativa privada e facilitar a devolução de concessões em caso de revés. “Os projetos precisam ter mecanismos para se atualizar gradativamente. Se der errado, tem que reconhecer que deu errado e encerrar o projeto.”
Além de direito, a mobilidade urbana é fator de produtividade econômica e qualidade de vida para a população, afirmou Joubert Flores. Linhas de metrô e corredores de ônibus exigem investimentos elevados, mas a ausência de sistemas de transporte de alta capacidade gera custos sociais e ambientais, como a dependência de combustíveis fósseis e os prejuízos com acidentes de trânsito.
“É importante levar em conta as deseconomias que a falta de infraestrutura de transporte causa e fugir do mito que o investimento é muito caro. Às vezes é caro no momento, mas se analisar todo o ciclo de vida, o custo por passageiro não é tão alto”, afirmou.
O evento contou com patrocínio da CCR Mobilidade.
04/10/2019 – Folha de S.Paulo