Por Roberta Marchesi

O financiamento do transporte sempre foi alvo de discussão entre governo e sociedade, e a forte crise imposta pela pandemia da covid-19, que levou à queda drástica no número de passageiros, expôs a fragilidade do sistema atual em suportar as operações. Agora, o assunto volta a ganhar destaque na busca por um novo modelo que possa tratar, de forma adequada, a questão.

Tema recorrente é a necessidade de recursos governamentais para subsidiar a operação do transporte público. Há aqueles que defendam abordá-lo como um negócio, entendendo que o seu custo deve ser coberto, exclusivamente, pela tarifa, sem qualquer subsídio por parte do governo.

Mas será que estamos mesmo falando de subsídio?

Quando se avalia o tratamento dado ao transporte individual, como comparação, os termos utilizados são sempre ‘investimentos’ e ‘incentivos’. Investimento para a manutenção e abertura de vias, em estacionamentos, incentivo para a produção da indústria, dentre outros.

Entretanto, o transporte individual gera uma série de externalidades negativas que passa despercebida por nossa sociedade, como o alto nível de emissões atmosféricas, as doenças respiratórias ou a utilização de áreas públicas para estacionamentos, muitas vezes irregulares.

Perda de quase R$ 138 bilhões por ano

Dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) mostram que 60% das internações hospitalares em UTIs são provenientes de acidentes de trânsito e que esses pacientes respondem por 50% das cirurgias de emergência realizadas pelo SUS, com reflexos diretos não só sobre o custo da própria saúde pública mas também onerando a previdência social.

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) levantou o prejuízo gerado pelo transporte individual, uma perda de R$ 137,8 bilhões ao ano, e quem paga por todos esses custos somos nós, cidadãos. Não estaríamos, então, todos subsidiando o transporte individual?

Por outro lado, a utilização do transporte público permite a redução drástica da poluição atmosférica e a otimização do espaço urbano. Com baixíssimo nível de acidentes e percentual próximo de zero, quando se consideram os impactos graves sobre a vida humana, o sistema contribui para aliviar a lotação dos hospitais e reduzir os impactos sobre a previdência. Então, se o transporte público gera tantos benefícios para toda a sociedade, ao incentivar a sua utilização não estaríamos nós fazendo um investimento?

Essa inversão de valores sobre o que é investimento e o que é subsídio tem contribuído para a vilanização do transporte público, em que governantes investem cada vez menos, levando à redução da qualidade e à deterioração do serviço. Enquanto isso, países desenvolvidos percorrem exatamente no sentido oposto. Investem cada vez mais no transporte público, tornando-o atrativo para toda a população e, assim, colhendo os benefícios gerados pelo aumento da sua utilização.

O transporte individual nunca deixará de existir e ele é parte importante da mobilidade urbana. Mas é fundamental distorcer a óptica atual e deixar claro que os prejuízos da escolha por sua utilização estão sendo subsidiados por toda a sociedade, inclusive por aqueles que utilizam o transporte público.

Equilibrar a balança entre as escolhas individuais e seus custos, fazendo com que o ônus de cada decisão recaia sobre seus próprios usuários e direcionar investimentos ao que é melhor para toda a sociedade, são pontos fundamentais para embasar as discussões sobre um novo modelo de financiamento da mobilidade urbana. E é preciso ter em mente que o transporte público é um investimento para todos, inclusive para aqueles que não o utilizam.

* Roberta Marchesi é Diretora Executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento, Gestão e Logística.

Artigo publicado na coluna Estadão Mobilidade, do Jornal O Estado de S.Paulo, no dia 11 de agosto de 2021.