Por Roberta Marchesi

Muito se fala sobre transporte ativo, transporte sob demanda, aplicativos, inovações, mas nada disso contribui para a solução do problema da mobilidade em nossas metrópoles se não estiver inserido, nesse contexto, o transporte público e de alta capacidade.

Esse sistema é a essência da mobilidade. É nele que a grande maioria dos deslocamentos diários acontece e é com base nele que todas as demais aplicações se conectam, formando uma verdadeira rede a serviço do cidadão.

Atualmente, o transporte público vivencia a maior crise de sua história. A queda abrupta no número de passageiros desde o início da pandemia aliada à necessidade de manutenção da oferta do serviço e ao aumento de despesa com novos procedimentos de higienização e sanitização fez com que grande número de empresas não conseguisse manter a prestação do serviço.

Ao longo desses 15 meses, o setor soma um prejuízo de mais de R$ 25 bilhões, cifra impressionante que está sendo impossível de ser suportada pelas empresas. Vinte e cinco também é o número de empresas que fecharam as portas, seguidas por diversas outras que suspenderam suas atividades ou sofreram intervenção na operação.

O número de demissões no setor já se aproxima de 80 mil trabalhadores e os movimentos grevistas deram um salto em todo o País. Até abril, 223 ações protestaram pela falta do pagamento de salários e benefícios, causados pela quebra do caixa das empresas como consequência do desequilíbrio imposto pela forte queda na demanda de passageiros e o atual modelo de remuneração ao qual o setor está exposto.

Metade da demanda

Já parou para pensar no que acontecerá com nossas metrópoles no futuro, quando o fluxo de passageiros for naturalmente retornando?

Diariamente, a mídia destaca situações de aglomeração no transporte público e, hoje, o setor opera com apenas 50% da sua demanda. O que imagina que acontecerá quando estivermos com 70% da demanda de volta às ruas e metade do sistema de transporte desmobilizado em função da quebra das empresas?

O mundo todo enfrenta a mesma pandemia e o transporte público passa pelo mesmo problema. A diferença é que, desde o início, diversos países adotaram medidas específicas ao transporte público, destinando recursos emergenciais para garantir a manutenção das operações. No Brasil, estamos na contramão. Não só não adotamos qualquer medida de proteção ao transporte público como também rechaçamos as iniciativas nesse sentido, como foi o caso do veto presidencial ao Projeto de Lei do socorro emergencial ao setor. Várias ações foram realizadas, com as mais diversas esferas governamentais, mas nenhuma medida específica conseguiu ser implantada.

Crise que está por vir

Com a infraestrutura de transporte urbano aos frangalhos, o País pagará um alto preço para conseguir se reerguer. E, quando o mundo estiver voltando dessa crise, com a empregabilidade aumentando e as economias avançando, o Brasil, em vez de ir na mesma direção, terá de parar para enfrentar o problema que agora tem negligenciado.

Se não forem tomadas medidas imediatas, o forte descompasso entre o já previsível aumento na demanda de passageiros e a capacidade de reaquecimento da oferta fará com que o País encare um longo tempo de crise no transporte.

E, quando isso acontecer, não será apenas com a crise no transporte que teremos que lidar, mas com a crise social que virá junto com ela, porque os movimentos pelo direito ao transporte de qualidade que vimos em 2013 serão apenas boas lembranças perto da situação em que o transporte estará no futuro próximo.

* Roberta Marchesi é Diretora Executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento, Gestão e Logística.

Artigo publicado na coluna Estadão Mobilidade, do Jornal O Estado de S.Paulo, no dia 16 de junho de 2021.