Reajuste da tarifa é superior à variação inflacionária do período porque o subsídio de R$ 0,30 foi extinto, escreve Joubert Flores. Articulista afirma que a falta de uma gestão compartilhada da mobilidade urbana entre Estado e município talvez seja o maior dos desafios de organização do transporte público no Rio de Janeiro; na imagem, catraca do metrô do Rio
por Joubert Flores
O reajuste da tarifa do metrô da capital carioca de R$ 6,90 para R$ 7,50 entrou em vigor na 6ª feira (12.abr.2024) e é mais um episódio na complicada trajetória das políticas públicas voltadas para o transporte de passageiros no Estado do Rio de Janeiro. Na cidade, a tarifa do metrô é praticamente toda custeada pelo próprio usuário, na contramão do que se faz no resto do mundo.
Mas a tarifa dos ônibus municipais, por exemplo, tem sido mantida em R$ 4,30 por causa dos subsídios crescentes, o que evidencia a falta de políticas públicas integradas e eficazes, que priorizem os sistemas de transporte de massa e otimizem o uso da malha já construída e dos escassos recursos públicos.
O reajuste da tarifa do metrô segue o índice acordado em seu contrato de concessão, sem espaços para arbitrariedades, para fazer frente ao reajuste dos custos de operação e manutenção para garantir a segurança jurídica. Por outro lado, o descompasso com a nova política de remuneração dos ônibus municipais, em vigor desde 2022, mostra a necessidade de reformulação na estrutura de subsídios dos modos de transportes estaduais.
É preciso ter clareza entre a diferença de tarifas contratuais, definidas para custear adequadamente os sistemas conforme os padrões de qualidade definidos em contrato, e a tarifa cobrada dos passageiros, decorrente de decisões de políticas públicas. No caso dos operadores de ônibus, por exemplo, a tarifa recebida tem sido reajustada, mas a tarifa cobrada dos passageiros tem se mantido estável, em função do aumento do subsídio.
Em praticamente todos os sistemas de metrô do mundo, a tarifa cobrada pelo operador não cobre nem perto da totalidade dos custos: o Poder Público entra com uma parte relevante da conta, com recursos oriundos de pedágio urbano, estacionamentos, impostos sobre veículos particulares e combustíveis.
Na Europa, em cidades como Londres, Paris e Madri, a participação dos governos na receita dos sistemas metroviários é da ordem de 60%, com o faturamento das bilheterias respondendo pelos outros 40%. Nova York está em vias de implementar uma taxa de congestionamento urbano para priorizar e financiar o transporte público. Assim, o cidadão arcaria só com uma parte da tarifa e o governo se encarregaria do restante.
No Brasil, a realidade não é diferente. Todos os sistemas metroferroviários contam com elevados níveis de subsídio. Em São Paulo, 44% do valor da tarifa é custeado pelo Poder Público; em Salvador, 66%; em Brasília, 54%; em Porto Alegre, 61%; e, em Recife, João Pessoa, Maceió e Natal os governos locais são responsáveis por 93% do preço do bilhete.
No Rio de Janeiro, até 2022, não havia nenhum subsídio, quando o governo decidiu implementar redução de R$ 0,30 no valor da tarifa, válida para todos os passageiros. Só em 2023 foi criada a tarifa social, que, apesar de não estar disponível para toda a população, foi um passo muito importante por facilitar o acesso justamente à faixa de menor renda. No geral, no ano passado, os subsídios corresponderam a 12% da receita do sistema fluminense.
Porém, em 12 de abril de 2024, o subsídio de R$ 0,30 foi extinto. Em razão disso, o reajuste da tarifa cobrada dos usuários foi superior à variação inflacionária do período.
Os dados acima, portanto, nos permitem concluir que, caso fossem adotadas no Rio de Janeiro políticas similares às praticadas nas outras grandes cidades do Brasil e do mundo, a tarifa cobrada dos usuários seria substancialmente inferior à atual, o que, por certo, implicaria em impacto positivo no comércio, no emprego e na produtividade da região metropolitana.
A falta de uma gestão compartilhada da mobilidade urbana entre Estado e município talvez seja o maior dos nossos desafios de organização do transporte público no Rio de Janeiro. O sistema não tem integração entre os modais e não prioriza os sistemas estruturantes de transporte sobre trilhos, mais eficientes e sustentáveis.
Não havendo uma solução de administração e financiamento que viabilize a operação dos modais em sinergia, o cidadão acaba escolhendo o mais barato, mesmo que não tenha o mesmo nível de serviço e segurança ou que leve mais tempo para se deslocar.
O transporte público de qualidade é um direito fundamental da população e não pode ser encarado de forma isolada, com cada modo tendo seu planejamento realizado por esferas distintas que não se complementam. É preciso realizar uma mudança radical de paradigma. Uma tarifa única, integrada e subsidiada de forma eficiente pelo Poder Público é imprescindível para assegurar o acesso universal a um serviço de qualidade, com maior otimização do uso da rede.
Priorizar o transporte público implica não só em ampliar a cobertura das linhas de metrô e de trens, mas também viabilizar um acesso amplo com tarifas justas e completa integração entre os diferentes modais.
O Rio de Janeiro necessita urgentemente de uma política de transporte público condizente com o século 21, que atenda as demandas da população e promova uma cidade mais inclusiva e sustentável.
É hora de agir com resolução e comprometimento para garantir o direito à mobilidade digna para todos os cariocas e fluminenses, implementando subsídios aos transportes estaduais e criando uma efetiva autoridade metropolitana de transportes.
Joubert Flores, 68 anos, é presidente do conselho de administração da ANPTrilhos e atuou por 45 anos no MetrôRio, em cargos de gerente de manutenção e diretor de engenharia. Tem graduação em engenharia elétrica pela URFJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pós-graduação em ciência política pela Fundação Dom Cabral e MBA em gestão de energia pela FGV (Fundação Getulio Vargas).
Artigo publicado no portal Poder360, no dia 17 de abril de 2024.