Antônio Carlos Sanches
Deixar de transportar 450 mil passageiros por dia com queda de 75% da receita por um período de tempo sem prazo para acabar é um desafio ou uma condenação?
Este é o cenário que a concessionária dos trens do Rio de Janeiro e provavelmente outras protagonistas do setor estão vivendo nesses tempos de Covid-19. Temos o fôlego que a maioria das empresas tem para superar crises de curto prazo. Mas o crescimento das curvas nas estatísticas do pior vírus da história pode levar ao colapso não só os trens mas também a maioria das empresas de mobilidade urbana do país que passaram à iniciativa privada nas últimas décadas.
Enquanto as empresas estatais do setor parecem não ter essa preocupação com o fluxo de caixa, pois nem ao menos tem participado dos esforços junto a bancos e órgãos estaduais e federais em busca de respiradores financeiros, as concessionárias (lembremos que no Rio a operação do transporte de massa é totalmente privatizada) experimentam tensões inéditas nas relações com seus investidores e com agentes financiadores, estes igualmente estressados e pressionados pelo volume de pedidos de socorro surgidos de todos os setores nas últimas semanas.
Estamos descobrindo que quase tudo é essencial na vida das cidades. Na hierarquia para escolher o essencialíssimo no funcionamento do básico para a sobrevivência urbana, a saúde e a vida, claro, estão e estarão sempre no topo. E, diante de um isolamento social com liberdade de ir e ver apenas para atividades essenciais, a garantia da mobilidade urbana vem logo atrás.
Numa crise de proporções assustadoras, esse status impõe doses superlativas de responsabilidade e exige mudanças operacionais inéditas. Desde a primeira hora estamos higienizando trens, estações, ajustando horários, antecipando atividades de rotina, tudo para atender recomendações das autoridades da saúde. Mas ainda não está resolvido o problema da lotação. São comuns as reclamações sobre trens cheios. Viajar em pé é da natureza do transporte de alta capacidade. Quando nos exigem lotação de 50% nos comparam aos ônibus, onde metade viaja sentada. Trens e metrôs são configurados para transportar até 20% sentados. Resolver a aglomeração é dever também dos patrões e ainda dos próprios cidadãos. Aos patrões cabe escalonar horários de entrada e saída no trabalho. Aos cidadãos, cabe respeitar recomendações da área de saúde.
Oitenta e cinco por cento da nossa força de trabalho não consegue trabalhar de casa. Maquinistas, bilheteiras, controladores, pessoal de segurança e limpeza, equipes de manutenção, que em tempos normais lidam com 600 mil passageiros/dia, estão obrigados ao trabalho presencial. Ou seja, não podem fazer uso do maior remédio contra o vírus, que é ficar em casa, pois os trens continuam operando como a espinha dorsal do transporte intermunicipal, sendo praticamente a única ligação entre o município do Rio de Janeiro e mais 11 municípios da Baixada Fluminense.
Só com o socorro de respiradores conseguiremos mitigar o impacto da Covid-19. E sem o trem o Rio não conseguirá respirar, durante ou depois da pandemia.
Antônio Carlos Sanches é presidente da SuperVia
07/04/2020 – O Globo