Artigo | Novos modelos de trabalho pós-pandemia e seus efeitos na demanda do metrô do Rio de Janeiro

Artigo vencedor da categoria 01 do 9º Prêmio Tecnologia & Desenvolvimento Metroferroviários ANPTrilhos-CBTU, apresentado na 28ª Semana de Tecnologia Metroferroviária da Aeamesp

Por Anna Clara de Oliveira e Diogo Salcides

INTRODUÇÃO

Com o início da pandemia de Covid-19, decretada em março de 2020 pela Organização Mundial de Saúde, medidas de distanciamento social foram adotadas de forma repentina em todo o país e mundo, surgindo a orientação de que apenas trabalhadores de serviços essenciais circulassem pelas ruas1. Com isso, grande parte das pessoas que tinham possibilidade, passaram a exercer suas atividades de forma remota. Por mais que muitas pessoas já tenham retomado suas atividades presencialmente ao longo dos mais de dois anos desde a promulgação da pandemia, o remoto segue sendo a realidade de uma parte da população.

A falta de circulação pelas cidades de pessoas que ainda estão realizando suas atividades remotamente causa grandes impactos para o comércio em geral e para o transporte público, como é o caso do metrô do Rio de Janeiro (MetrôRio).

Em abril de 2020, o MetrôRio registrou queda superior a 80% de sua demanda de passageiros, em comparação ao período pré-pandêmico. Atualmente, mesmo com o avanço da vacinação e um maior controle da pandemia, a demanda segue com uma queda superior a 30%.

Desde o início da pandemia, foi percebido que as estações que possuem perfil socioeconômico alto (classes A e B) foram as que tiveram as maiores perdas de demanda.

Figura 1 – Comparativo do perfil do entorno dos trechos da Linha 1

Figura 1 – Comparativo do perfil do entorno dos trechos da Linha 1

Além delas, as estações do Centro da cidade (Central, Presidente Vargas, Uruguaiana, Carioca e Cinelândia), que são as mais próximas de escritórios, também foram fortemente impactadas pela exigência do distanciamento social, visto que as empresas tiveram que adotar o home office.

Atualmente, a região do Centro é a que menos recuperou demanda. A estação Carioca, por exemplo, que chegou a ser a segunda maior em volume de passageiros de todo o sistema em 2019, hoje ocupa o quarto lugar, com uma queda de 55% em relação ao período pré-pandemia.

Esse estudo tem como objetivo identificar como a pandemia alterou a forma de trabalho dos clientes do MetrôRio e como isso afeta a movimentação deles pelo sistema metroviário.

DIAGNÓSTICO

Com o retorno gradual dos passageiros, após o período de fortes restrições de circulação, foi possível perceber uma mudança na utilização do transporte metroviário. A demanda das estações de Linha 2 do MetrôRio já chegou a 80% do nível pré-pandemia, enquanto as Linhas 1 e 4 alcançaram 60% de sua demanda.

Esse retorno mais lento dos passageiros das Linhas 1 e 4 está diretamente relacionado à permanência do home office e da adoção do trabalho híbrido. Em um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, foi constatado que há uma correlação entre teletrabalho e renda, ou seja, pessoas com maior renda, são mais suscetíveis a realizar seu trabalho de forma remota.

Figura 2 – Renda média por pessoa do entorno das estações

Enquanto as estações da Linha 2 possuem um entorno de perfil residencial e com mais de 55% da sua população nas Classes C, D e E, as estações das Linhas 1 e 4 encontram-se em regiões de maior poder aquisitivo, com 77% da sua população nas classes A e B, corroborando com o estudo citado.

As estações do Centro da cidade (que fazem parte da Linha 1) e São Conrado (pertencente à Linha 4) fogem desse padrão. Isso acontece porque o Centro, como visto anteriormente, possui alta concentração de empresas. Já São Conrado, apesar de possuir condomínios de alta classe em seu entorno, apresenta um perfil socioeconômico similar ao da Linha 2, por conta da proximidade da comunidade da Rocinha.

Figura 3 – Mapa de renda média por pessoa do entorno das estações5

Observando o retorno gradual da demanda nas linhas, fica evidente a correlação renda x recuperação, conforme figura 4.

Em pesquisa realizada pela RH Adecco em junho de 2021 e divulgada pela InfoMoney, 71% dos entrevistados que tiveram contato com o trabalho remoto, afirmam que querem trabalhar mais nesse modelo do que trabalhavam antes da pandemia.

Figura 4 – Comparativo renda x recuperação

Dados do Índice de Confiança Robert Half (ICRH)8, mostram que o modelo híbrido de trabalho é o preferido pelas empresas. Essa nova preferência tem trazido efeitos para o siste ma metroviário, visto que, mais de 70% das viagens têm como motivo principal o trabalho. É importante entender quais são esses efeitos, como eles impactam o atual momento e como se comportarão no futuro.
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ANÁLISE DOS RESULTADOS

Em pesquisa realizada internamente com os clientes do MetrôRio em junho de 2022, foi identificado que 52% dos entrevistados deixaram de utilizar o metrô regularmente com o início da pandemia porque começaram a trabalhar de forma remota.

Dentre os entrevistados que responderam que passaram a trabalhar de forma remota durante a pandemia, 42% retornaram às atividades 100% presenciais, 45% retornaram de forma híbrida e 13% permanecem trabalhando de forma remota.

Figura 5 – Resultado da pergunta “Por qual motivo você deixou de utilizar o metrô?”

O retorno dos trabalhadores de forma híbrida tem alterado o comportamento de utilização do sistema ao longo dos dias de semana. Historicamente, a segunda-feira é o dia da semana de menor movimento do Rio de Janeiro. Isso porque nesse dia alguns comércios não funcionam, como, salões de beleza e pizzarias.

Com o passar da pandemia, tem-se observado que esse efeito de menor circulação nas segundas- -feiras se consolidou. Em 2019, a utilização do metrô nesse dia costumava ser 2,3% menor do que a média dos dias úteis (MDU) da semana. Em 2022 esse percentual mudou para 2,8%. O mesmo foi observado nas sextas-feiras, mas de forma mais intensificada: em 2019 a quantidade de passageiros deste dia da semana era 0,3% abaixo da MDU da semana e atualmente percebe-se uma movimentação 1,1% inferior.

Esse comportamento pode estar associado à possibilidade de realização de home office. Com base na pesquisa interna do MetrôRio, 60% dos entrevistados que estão trabalhando de forma híbrida não vão ao escritório às segundas, e 67% às sextas.

Outra mudança no comportamento de utilização do sistema metroviário que tem sido observada é a perda de demanda em dias que se iniciam chuvosos. Historicamente, dias que começam com chuva tendem a apresentar uma demanda de passageiros mais baixa, visto que viagens não essenciais podem ser adiadas. Em 2019, esses dias apresentavam uma variação de -1% da MDU. Já em 2021, essa queda se intensificou, passando para -3%. A mesma tendência tem sido notada em 2022.

Dias ensolarados, por outro lado, costumam aumentar a movimentação de lazer pela cidade, o que impulsiona a demanda do MetrôRio. Nos finais de semana, tem-se notado uma retomada mais acelerada no número de passageiros, principalmente em dias de sol e de eventos. Em troca de informações entre membros do grupo COMET, diversos metrôs reportam também que os finais de semana apresentam menor variação em relação ao ano de 2019.

Ao identificar as alterações de comportamento dos usuários do MetrôRio em relação aos dias de semana de maior utilização, à intensificação da influência do clima e ao impacto de eventos, é possível aperfeiçoar os modelos de previsão de demanda de curto prazo, garantindo um planejamento mais adequado da operação em dias úteis, finais de semana, dias atípicos e em grandes eventos: ajustes de grade horária, dimensionamento de equipe de estação e seguranças e preparação das estações para receber o público esperado.

Figura 6 – Recuperação de demanda em dias úteis e finais de semana dos metrôs do grupo COMET

Perda permanente de demanda

Em estudo realizado pelo MetrôRio em meados de 2020, logo após o início da pandemia, estimava-se que 12% das viagens com motivo trabalho seriam perdidas no longo prazo, considerando que a cultura do home office seria mantida por uma parcela da sociedade.

Essa perda permanente de passageiros é esperada também por outros metrôs do mundo. Entre os membros do grupo COMET, alguns operadores informaram que consideram que haverá uma perda entre 5% e 20% de demanda.

Na pesquisa realizada com os clientes do MetrôRio em junho de 2022, foi abordada a frequência de uso dos clientes antes da pandemia e atualmente, conforme figura abaixo.

Figura 7 – Frequência de utilização do MetrôRio antes da pandemia e atualmente

Considerando que, em média, um cliente realiza duas viagens no metrô (ida e retorno) e aplicando nos resultados da pesquisa, estima-se que, com a adoção do trabalho híbrido, há uma queda de 12% em utilizações, em relação ao período pré-pandemia, visto que parte dos passageiros que utilizavam quatro ou mais vezes passaram a utilizar de uma a três vezes na semana. Além dos passageiros que mudaram sua frequência de uso do metrô, ainda há uma parcela de pessoas que se deslocavam regularmente antes da pandemia para ir trabalhar e que estão realizando 100% de home office, sem previsão de retorno ao escritório.

Para que a demanda alcance o patamar pré-pandêmico, será preciso estimular esse cliente a utilizar o metrô em outras situações, como em finais de semana e ida a eventos. A captação de novos clientes também será fundamental, porém é uma ação que está fortemente relacionada ao reaquecimento da economia, visto que há uma expectativa de geração de novos empregos, além da possibilidade de reabertura de pontos comerciais próximos às estações. Estratégias de marketing também podem ser adotadas, demonstrando para possíveis clientes que o metrô é uma forma rápida e segura de se deslocar, também oferecendo vantagens relacionadas com a compra de passagens.

CONCLUSÕES

Conforme apresentado na análise dos resultados, estações com o perfil socioeconômico predominantemente C, D e E tendem a ter uma recuperação mais rápida e uma perda permanente menor do que as estações de perfil A e B, por conta da possibilidade de trabalho remoto. Logo, conhecer o perfil dos clientes das regiões de entorno das estações é de extrema importância para previsão e as análises de demanda.

Com uma maior expansão do trabalho híbrido, os dias de semana de maior e menor demanda se acentuaram. Verificou-se uma maior dependência nas terças, quartas e quintas e uma menor utilização do sistema nas segundas e sextas.

O clima também é um fator que sempre influenciou positivamente ou negativamente na demanda, porém o efeito em dias chuvosos se intensificou com o aumento do trabalho remoto, principalmente em dias que se iniciam com chuva.

A perda permanente de demanda tende a ser uma realidade para diversos sistemas de transporte público, faz-se necessário o conhecimento do perfil dos clientes e a forma como eles se deslocam para que sejam adotadas medidas eficazes de planejamento da mobilidade urbana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONFIRA as medidas do decreto do governo do RJ para conter o coronavírus. G1, 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/17/confira-as-medidas-do–decreto-do-governo-do-rj-para-conter-o-coronavirus.ghtml.
Acesso em 07 de julho de 2022.

O trabalho remoto potencial e efetivo no Brasil: possíveis razões de um hiato elevado entre estes?. IPEA, 2022. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&
view=article&id=38993&Itemid=466. Acesso em 07 de julho de 2022.

TRABALHO híbrido: um ano e meio após o início da pandemia, modelo remoto é desejo de 71% das pessoas, mostra estudo. InfoMoney, 2021. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/carreira/trabalho-hibrido-um-ano-e-meio-apos-o-inicio-da-pandemia-modelo-remoto-e-desejo-de-71-das-pessoas-mostra-estudo/. Acesso em 07 de julho de 2022.

ICRH – Índice de Confiança Robert Half®. 19° edição, 2022. Disponível em: https://www.roberthalf.com.br/indice-confianca Acesso em 07 de julho de 2022.

Prefeitura do Rio libera presença de 100% de público em teatros, cinemas, centros comerciais e eventos. BandNews, 2021. Disponível em: http://www.bandnewsfmrio.com.br/editorias-detalhes/prefeitura-do-rio-libera-presenca-de-100-de-p. Acesso em 11 de julho de 2022.

30/01/2023 – Revista Ferroviária – Notícias da Edição Novembro/Dezembro – 2022