Por Roberta Marchesi e Laurindo Junqueira
Embora a Economia-Política, desde o século XIX, mostre a forte correlação existente entre o aumento da circulação de bens, serviços e pessoas e a melhora dos índices econômicos e sociais de um País, esse preceito vem escapando à atenção de nossas lideranças. Há quase dois anos estamos passando por uma das maiores crises sanitárias da história, com graves reflexos sobre a economia e a sociedade, e nenhuma medida foi adotada para salvaguardar e fomentar o transporte público. É preciso pensar à frente da crise instalada e as eleições são uma oportunidade para que surjam novas medidas que desenvolvam o país.
Pesquisa da revista Scientific American, realizada em uma centena de países, constatou que quanto maior é o grau de desenvolvimento de cada um deles, maior tende a ser a circulação que nele se pratica. E, vice-versa. Pode-se dizer que a circulação – ou seja, a mobilidade e a acessibilidade no território estão associadas ao menos a cinco fatores. Ela é: i) essencial para o mais pleno exercício do direito de ir e vir; ii) forte indutora de desenvolvimento social e econômico; iii) integradora de tudo e de todos no território; iv) insumo indispensável à produção econômica; e v) intermediadora de todas as demais atividades e serviços da sociedade. Não seria de se perguntar, então, se não bastariam esses atributos para qualificar a mobilidade e a acessibilidade territorial como sendo fatores fundamentais para se obter desenvolvimento social e econômico de uma nação?
Recente estudo baseado em dados do Google e Apple, feito pelo Nobel de Economia M. Spence e pela Luohan Academy, think thank da chinesa Alibaba, que pesquisaram 131 países, incluindo o Brasil, trouxe resultados importantes para a elaboração de políticas de governo, mostrando que a queda do PIB nesses países, durante a pandemia, teve como motivo – em 70% do total – a queda da circulação de pessoas, bens, cargas e serviços. O estudo revela a relação estreita que existe entre a mobilidade e o PIB dos países, reforçando uma verdade que só não tem sido evidente para nossos formuladores de políticas.
Como poderia, então, o transporte de passageiros sobre trilhos, aquele prestado por veículos sobre trilhos, e toda a indústria a eles associada, contribuir para superar a crise atual e prevenir outras que virão?
Quando o Nobel Spence associa o decréscimo da produção de riquezas no mundo atual ao rebaixamento das atividades circulatórias da sociedade, esse fato deveria ser motivo da maior atenção por parte daqueles que hoje se dedicam a elaborar programas de governo para os candidatos às eleições. Se a queda do PIB brasileiro no biênio 2020/21 e a sua estagnação prevista para 2022 são muito preocupantes, para podermos mitigar mais rapidamente as quedas havidas e sair da crise, cabe-nos identificar as razões de fundo que as causaram. E 70% delas foram atribuídas à queda da circulação. Para se proteger contra a Covid-19, as pessoas diminuíram seus movimentos e deixaram de acessar os lugares das cidades.
Todos os países do mundo que conseguiram alçar posições mais condizentes com o exercício pleno dos fundamentais direitos humanos, sociais e ambientais dos cidadãos, o fizeram investindo pesadamente em infraestrutura, incluindo mobilidade e acessibilidade urbana. Desde o início da pandemia, diversos países adotaram medidas específicas ao transporte público, visando salvaguardar e fomentar esse setor, o que não foi o caso do governo brasileiro. Dessa forma, não parece haver dúvida que os programas de governo visando as eleições de 2022 deverão contar com proposições claras e factíveis sobre a mobilidade urbana, tema de forte impacto econômico e social, mas que tem sido historicamente negligenciado nas campanhas eleitorais.
É importante enfatizar que a retomada do desenvolvimento passa pelo incremento da acessibilidade ao território e à mobilidade dos cidadãos. Políticas voltadas para transporte público sobre trilhos atendem não só ao desenvolvimento econômico e social, como estão fortemente alinhadas com a preservação do ambiente, com a inovação tecnológica e com o progresso social e econômico das cidades brasileiras. A sua utilização permite a redução drástica da poluição atmosférica e a otimização da ocupação e do uso do espaço urbano. Apresentando baixíssimo nível de acidentes e reduzidos impactos sobre a vida, os trilhos contribuem para reduzir os impactos sobre a previdência e a saúde pública, aliviando a crítica lotação dos hospitais.
A ANPTrilhos, representante do setor de transporte de passageiros sobre trilhos no Brasil, ao mesmo tempo em que se oferece para ajudar a compor as forças nacionais em prol da melhoria da qualidade da circulação no Brasil, convida os pré-candidatos e os formuladores de seus programas de governo para que considerem em suas propostas a importância dos trilhos para o desenvolvimento econômico e social.
De forma alguma devemos nos esquecer de que o transporte público e coletivo beneficia a todos e não somente aos que dele se utilizam. Toda a sociedade dele usufrui e dele depende. E muito!
* Roberta Marchesi é Diretora Executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Conselheira de Administração de empresas de transporte, Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento, Gestão e Logística.
* Laurindo Junqueira é Consultor em Logística de Transporte Urbano e foi Secretário Municipal de Transporte de Campinas (SP); Presidente da EMDEC de Campinas, da CSTC e da CET de Santos; Diretor da CMTC-SP e é Pós-Graduado em Física Nuclear pela Universidade de São Paulo (USP).
Artigo publicado no jornal O Tempo (MG) nos dias 02 e 03 de outubro de 2022.