Artigo: É preciso ouvir os cidadãos

por Patrícia Ellen da Silva

Mais da metade da população mundial vive hoje em cidades – número que só tende a crescer, dada a busca por melhores oportunidades de trabalho e acesso a serviços públicos. Para se ter uma ideia, estudo do McKinsey Global Institute (MGI) estima que até 2025 a população das áreas urbanas cresça a um ritmo de 65 milhões de pessoas por ano. O quadro coloca os gestores municipais diante de uma questão: como sanar as necessidades provocadas por esta concentração urbana e crescente demanda por maior qualidade de vida nas cidades?

O aumento de preços e de demanda tem provocado crescimento dos gastos de governos com a manutenção de serviços públicos básicos, como educação, saúde e transporte. Com orçamentos cada vez mais apertados, o déficit do setor público global é de cerca de US$ 4 trilhões por ano, mas a satisfação dos cidadãos com os serviços governamentais é geralmente baixa. Melhorar a produtividade para poupar US$ 3,5 trilhões por ano para os governos até 2021 – e aumentar a qualidade dos serviços sem custos extras são questões estratégicas fundamentais de gestão em cidades. O primeiro passo para lidar com estes desafios é identificar o tamanho da lacuna entre os gastos do governo e a qualidade do que é entregue, tratando os cidadãos como clientes dos serviços públicos. E a solução para o quadro passa, necessariamente, pela tecnologia.

Levantamento da McKinsey mostra que as cidades inteligentes vão movimentar em todo o mundo algo em torno de US$ 2 trilhões até a próxima década, justamente em decorrência da aplicação de novas tecnologias para a resolução de grandes desafios da vida urbana como mobilidade, segurança e uso eficiente de recursos naturais. Sensores que analisam o tráfego de veículos podem ajustar automaticamente o tempo de abertura e fechamento dos semáforos para melhorar o fluxo. Da mesma maneira, sistemas inteligentes avisam quais lâmpadas estão prestes a queimar, permitindo a troca antes que os moradores de uma rua fiquem no escuro.

Há inúmeros outros exemplos de como IoT (Internet das Coisas) pode reduzir custos de manutenção e qualidade de vida na cidade. A boa notícia é que essas soluções já existem e estão sendo testadas mundo afora. Em Pequim, sensores instalados nos sistemas de abastecimento de água monitoram vazamentos e alteração da pressão – o que já resultou em uma redução de até 40% do desperdício. Os exemplos de uso da tecnologia passam ainda por câmeras que monitoram crimes e alertam polícia automaticamente ou aparelhos que mostram a localização exata e tempo de espera estimado para a chegada dos ônibus. Nos Estados Unidos, o projeto What Works Cities, lançado há 3 anos, ajuda cidades de médio porte a melhorar o uso dos dados que capturam em prol dos serviços para os cidadãos. Apenas nas primeiras seis semanas, mais de 40% das cidades elegíveis se inscreveram no projeto.

A era digital dá poder e autonomia às pessoas para que escolham onde querem viver e trabalhar. E também aos gestores a possibilidade de atraí-las. Afinal, quanto mais inteligente e humana, maiores as chances de uma cidade atrair talentos e investimentos

Os avanços tecnológicos permitem que cada município crie soluções próprias para seus problemas. Mas, se quiserem atender seus cidadãos, os gestores precisam compreendê-los. A governança centrada nos cidadãos não é muito diferente da forma como corporações focam na experiência do usuário quando entregam seus serviços. Uma mãe de três filhos que trabalha fora e vive num bairro residencial terá necessidades diferentes de um viúvo de 72 anos que reside num bairro central. Ambos vão interagir de formas muito diferentes com os serviços disponíveis pela cidade.

Quanto mais detalhado for o entendimento dos cidadãos, melhores serão as políticas públicas de ordem prática.

A jornada das pessoas ao longo do dia pode ser desmembrada em pontos de contato com os serviços. Elas utilizam transporte público ou caminham? Quais o custo e o tempo gastos no trajeto? Quantas vezes um cidadão visita um centro de saúde ou hospital, e por qual motivo? Que tipo de trabalho as pessoas realizam? É formal ou informal? Esses dados preciosos podem resultar em serviços públicos especializados e eficazes.

Identificar os problemas é, claro, somente um ponto de partida: solucioná-los por meio de políticas bem trabalhadas e colocar esses conceitos em ação é onde o trabalho real está. A América Latina possui muitos exemplos de cidades que vem aplicando políticas altamente eficazes, mas ainda há muito a ser feito.

Em diversos aspectos, as grandes cidades latino-americanas – em especial as brasileiras – não estão atendendo a essas aspirações. O City Voices, ferramenta desenvolvida pela McKinsey, indica que as cidades latino-americanas estão com baixo desempenho em todos os indicadores examinados até o momento tanto em desempenho com em satisfação dos cidadãos com relação aos serviços públicos, particularmente em transporte e segurança.

A situação é ainda mais crítica quando se leva em conta que as grandes cidades são a força vital das economias latino- americanas. Para se ter uma ideia, os 198 maiores centros urbanos (municípios com população igual ou superior a 200 mil habitantes) devem gerar 65% de crescimento do PIB da região até 2025. Diante do quadro, as cidades terão de competir cada vez mais para atrair as pessoas de que precisam para prosperar. A migração das áreas rurais para as urbanas está diminuindo, mas a migração entre cidades continua.

A era digital dá poder e autonomia às pessoas para que escolham onde querem viver e trabalhar. E também aos gestores a possibilidade de atraí-las. Afinal, quanto mais inteligente e humana, maiores as chances de uma cidade atrair talentos e investimentos.

Patrícia Ellen da Silva é sócia da McKinsey

14/07/2017 – Valor Econômico