* José Cláudio Sicco
As inovações com base tecnológica causam transformações na rotina das pessoas, influenciam seu comportamento e o modo como enxergam e avaliam as situações do dia a dia e podem, também, abrir o caminho que o Brasil há muito busca para convergir a crescente e irrefreável urbanização de seus grandes centros com as demandas dos cidadãos por mais qualidade de vida. Para percorrer este caminho e acelerar novas conquistas aos brasileiros, entra em cena como protagonista o transporte público coletivo com base central nos trilhos, organizado em sistemas que devem contemplar vários modais integrados física e tarifariamente, de modo a assegurar algo essencial para os cidadãos desfrutarem seus direitos mais básicos: mobilidade eficiente e eficaz.
O Brasil tem o desafio de planejar a expansão urbana dos grandes centros e de suas respectivas regiões metropolitanas e pensar adiante, ou seja, estabelecer antecipadamente como se dará o crescimento urbano das futuras regiões metropolitanas que se formam, onde irão viver, nos próximos anos, milhões e milhões de pessoas, com perspectiva de expectativa de vida cada vez maior. Fato inegável: sem mobilidade de qualidade, ou seja, ágil, frequente, baseada em alta capacidade de transporte, confortável, acessível economicamente, integrada em vários sistemas, inclusive intermunicipais, viver nos grandes centros e regiões metropolitanas torna-se um problema no presente e um caos anunciado para as futuras gerações.
Com isso em mente, é possível mesclar iniciativas de modo a evidenciar o desenvolvimento de projetos que utilizem massivamente recursos tecnológicos à disposição e em desenvolvimento (inteligência artificial, redes 5G, internet das coisas, sensoriamento, wi-fi, aplicativos móveis, entre outros), para criar facilidades diversas à vida do cidadão, como na prestação de serviços públicos, com medidas proativas em relação ao transporte coletivo. É a forma para agilizar a mobilidade e, ao mesmo tempo, minimizar severamente, e em pouco tempo, diversos problemas que afligem os grandes centros e suas imensas populações, quais sejam: congestionamentos e os longos períodos desperdiçados nos deslocamentos, poluição excessiva, acidentes rodoviários e seus reflexos na rede pública de saúde e segurança, entre os principais.
Tais problemas podem ser combatidos eficazmente com a implantação de sistemas estruturantes de transporte de alta capacidade, que tenham os meios sobre trilhos (metrô, trem, Veículo Leve sobre Trilhos – VLT) como responsáveis pela locomoção nos corredores por onde trafegam grandes contingentes de pessoas; os demais modos coletivos e individuais (ônibus, carros via aplicativo, bicicletas e outros de menor capacidade de passageiros) atuariam como agentes para dar capilaridade e conduzir as pessoas das linhas de baixa e média capacidade para tais sistemas de alta capacidade e vice-versa.
Apenas com os 1.105km de trilhos para transporte de pessoas atualmente implantados, o Brasil economiza algo em torno de R$ 30 bilhões ao evitar os custos gerados com os problemas anteriormente relatados, calcula a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos). Os sistemas sobre trilhos permitem, ainda, otimizar a ocupação do espaço público enquanto aumenta a capacidade de transporte: necessitam 20 vezes menos espaços físicos nas áreas urbanas do que outras alternativas de mobilidade, realizadas sobre pneus.
Portanto, a combinação de inovações tecnológicas, infraestrutura de telecomunicações e sistemas de alta capacidade de transporte se constituem em um embrião de projetos que podem ser desenvolvidos para transformar centros urbanos brasileiros em futuras cidades inteligentes, tradução para o termo em inglês smart cities.
Segundo a Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas, essas cidades se constituem em ambientes urbanos com diferentes missões (vocações diferentes), que, por meios institucionais e econômicos, promovem a cultura, a harmonia social, consciência ambiental e qualidade de vida, com apoio nas tecnologias e modernização de suas infraestruturas (por exemplo: urbanas e de telecomunicações), tornando a gestão pública eficiente, centrada no bem-estar do cidadão.
O Brasil paga o preço por não ter seguido os exemplos de grandes metrópoles da Europa, bem como os de outras próximas ao seu território, de não ter investido com maior ênfase no transporte de pessoas sobre trilhos. Agora, a perspectiva de desenvolver e de implantar cidades inteligentes se coloca como uma forma de resgatar esse atraso e proporcionar um salto de qualidade na vida das pessoas.
E o tempo urge: segundo o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), a América Latina é a região mais urbanizada do planeta e o Brasil é o país mais urbanizado da região. De acordo com o último censo da Fundação IBGE, datado de 2010, 84,4% da população brasileira estão nas áreas urbanas. A previsão é que, em 2030, este percentual se eleve para 91,1% da população brasileira. Já a América Latina será 86% urbana em 2050, prevê a ONU-Habitat.
Considerando estas projeções, embasadas em dados estatísticos confiáveis, o Brasil precisa avançar para mudar comportamentos e a forma de encarar a questão da expansão populacional e da maior urbanização frente à necessidade igualmente crescente de estruturar melhores condições para permitir a mobilidade digna às pessoas. Uma mudança nesse sentido poderia ser a de deixar de considerar a urbanização em expansão como adversária da mobilidade eficiente e eficaz, uma vez que as soluções, possíveis e viáveis, já estão postas, que são os sistemas de transporte coletivo estruturados de alta capacidade, devidamente integrados.
* José Cláudio Sicco é Vice-Presidente de Tecnologia da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos)
Este artigo faz parte da “Série Smart Cities” que a ANPTrilhos publicará mensalmente.