Por Roberta Marchesi
O Mundo hoje é Urbano! 85% da população mundial vive em grandes cidades e no Brasil já somos mais de 210 milhões de habitantes. Cerca de metade da população brasileira se concentra em 28 regiões metropolitanas, com mais de 1 milhão de habitantes cada. São regiões densas e totalmente conurbadas, já não se vê mais a distância física entre elas, com alta demanda por serviços sociais, como educação, saúde, segurança, saneamento e também mobilidade urbana.
Com essa alta concentração de pessoas vivendo nas cidades, é impossível pensar em mobilidade urbana sem pensar em transporte público. Não existe transporte por demanda ou aplicativo que consiga organizar e dar vazão aos milhares de deslocamentos diários. Nesse sentido, o transporte público sempre será o grande estruturador da mobilidade em uma cidade, devendo ser integrado e alimentado, na primeira e última milhas, pelos demais modos de transporte, sejam eles ativos, individuais, tecnológicos ou mesmo coletivos, para que, juntos, possam formar uma verdadeira rede de transporte à serviço do cidadão.
O transporte é tão importante que é um direito social previsto na Constituição Federal. Ele é o elo do cidadão com todos os demais serviços que a cidade oferece. É através do transporte que as pessoas chegam, por exemplo, ao trabalho, à universidade, ao hospital ou podem mesmo usufruir do seu tempo de lazer, passeando em um parque, ou chegando à academia.
É neste cenário que o transporte sobre trilhos, aquele prestado por trens, metrôs, Veículos Leves sobre Trilhos (VLT) e monotrilhos, é imprescindível para médias e grandes cidades. Por ser o único capaz de transportar mais de 60 mil passageiros por hora/sentido, ele organiza os grandes fluxos e dá maior rapidez, segurança e regularidade aos deslocamentos diários. Mas isso é apenas parte da importância que os trilhos têm no ecossistema de uma cidade.
Para que possamos evoluir em direção ao conceito de Smart Cities e chegar ao modelo de cidade que queremos é importante que o transporte também evolua, incorporando, continuamente, novas tecnologias que melhorem a experiência de viagem do passageiro e a sua conexão com o ambiente em que está inserido. E nesse quesito, o transporte sobre trilhos também se destaca!
Os diversos sistemas de transporte sobre trilhos são altamente tecnológicos e se mantém atualizados com as novas tendências do mercado, não só em função do seu tipo de operação, que envolve a atualização tecnológica constante para a sua operação e segurança, quanto para melhorar a interface de atendimento aos passageiros, seja com relação à bilheteria ou aos demais serviços prestados nas estações.
Para se ter uma ideia, os sistemas sobre trilhos contam com Centros de Controle Operacionais altamente equipados e com atuação integrada com a segurança pública e serviços de socorro, possibilitando atuação rápida em qualquer tipo de acidente ou incidente. E tudo isso articulado e integrado, em tempo real, com tecnologias que permitem o transporte automatizado e a disponibilização de informações simultâneas aos passageiros, tanto em relação aos tempos de embarque e desembarque, quanto ao tempo de chegada dos trens à plataforma, proporcionando maior comodidade ao passageiro. Os sistemas contam, também, com inovação nos meios de pagamento, utilizando tecnologias como os bilhetes com QR Code, o pagamento por aproximação de cartões (NFC) e, quem sabe daqui há alguns anos, teremos a cobrança por reconhecimento facial, à exemplo do que já está sendo testado no Metrô de Moscou.
Essa constante atualização permite que o setor se adapte de forma rápida as novas tecnologias e esteja aberto a se integrar com novas aplicações. Ter um sistema de transporte altamente tecnológico e aberto à inovação pode parecer uma contribuição pequena, mas ela é fundamental para o avanço do serviço a favor da segurança da operação, do conforto do passageiro e para permitir a sua integração com demais serviços de transporte ou com os controles governamentais. Sem essa integração é impossível pensar em uma rede de transporte que atenda de forma adequada aos cidadãos, no verdadeiro conceito de Smart Cities.
Tecnologia é importante, mas não é o suficiente. Para se vivenciar a essência de uma cidade inteligente é fundamental refletir sobre todo o seu ecossistema, considerando os impactos e benefícios gerados pelo transporte como externalidades do serviço prestado. Também nesse sentido, o transporte sobre trilhos tem uma grande contribuição, sendo as mais importantes delas a redução do tempo de deslocamento e do número de acidentes. Ao decidir usar o sistema sobre trilhos o passageiro economiza cerca de 50 minutos no trajeto casa-trabalho todos os dias. Isso significa que esses sistemas adicionam três dias livres ao mês à vida do cidadão, somando 36 dias ao ano, só em tempo evitado de transporte, devolvendo às pessoas o uso do desse tempo para lazer, estudo, família e estar com os amigos, aumentando a satisfação e a sua qualidade de vida. Já com relação à redução do número de acidentes, o setor contribui com uma economia de quase R$ 283 milhões ao ano, só considerando os custos evitados com saúde pública, hospitalizações e previdência social, que é responsável pelas pensões por afastamento e morte.
As contribuições também são grandes na esfera ambiental. Por ser um transporte limpo e movido a energia elétrica, na sua maioria, a emissão atmosférica nas cidades é zero, fazendo com que a utilização dos atuais sistemas de trilhos contribua para que sejam evitadas as emissões de mais de 1,6 milhão toneladas de CO2 todos os anos, além de reduzir a utilização de combustíveis fósseis em mais de 800 mil litros por ano. São essas e diversas outras pequenas inovações, como estações abastecidas por energia solar e sistemas de reuso de água para lavagem dos trens, que aumentam os benefícios para o meio ambiente e para toda a sociedade.
Considerando todos esses fatores, o transporte de passageiros sobre trilhos atualmente existente no país contabiliza um retorno para a sociedade de mais de R$ 22 bilhões ao ano. Imagina o que poderia ser gerado se tivéssemos no Brasil um sistema de trens, metrôs e VLTs bem mais desenvolvido, onde todas as médias e grandes cidades pudessem ter, à disposição de seus deslocamentos, eixos estruturadores em trilhos. O retorno seria muito maior. E é por isso que as grandes cidades no mundo, não só em tamanho, mas, especialmente, em desenvolvimento, possuem um sistema metroferroviário altamente desenvolvido, o que permite gerar benefícios que vão muito além do transporte em si.
Por essa razão, é preciso coragem para quebrar velhos paradigmas e investir em um sistema de transporte que garanta a eficiência da mobilidade do cidadão e a melhoria da qualidade ambiental das cidades. É fundamental que os tomadores de decisão e formadores de opinião se unam para que possamos, juntos, levar as nossas cidades a vivenciar o conceito das cidades inteligentes, a cidade que desejamos para a nossa vida e para o nosso futuro.
* Roberta Marchesi é Diretora Executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Conselheira de Administração de empresas de transporte, Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento, Gestão e Logística.
Artigo publicado na Revista SHE – Smart & Happy Environments, edição 5, de Agosto/2022