Após 3 anos, obras do PAC Mobilidade estão travadas

Em abril de 2012, a presidente Dilma Rousseff prometeu recursos a fundo perdido e financiamento subsidiado para espalhar linhas de metrô pelas maiores capitais do país, com um pacote de R$ 32 bilhões em projetos de mobilidade urbana. E atacou quem demonstrava complexo de viralata: “No passado, diziam o seguinte: o Brasil era um país que não tinha condições de investir em metrô, porque metrô era muito caro, nós tínhamos de utilizar outros métodos de transporte”, afirmou a presidente, sob aplausos, em uma concorrida solenidade no Palácio do Planalto.

No ano seguinte, em resposta às manifestações de junho, Dilma reuniu os 27 governadores para anunciar cinco pactos e prometeu mais R$ 50 bilhões em investimentos na área de mobilidade. “Essa decisão é reflexo do pleito pela melhoria do
transporte coletivo no país, onde as grandes cidades crescem e onde houve a incorreta opção de não se investir em metrôs”, afirmou.

Entre a promessa e a realidade, o retrato é frustrante. De tudo o que foi anunciado, quase 100 quilômetros de linhas de metrô ou de veículos leves sobre trilhos (VLTs) ficaram apenas no papel e hoje encontram-se em estado letárgico. Foram paralisados projetos em sete capitais: Porto Alegre, Curitiba, Brasília, Goiânia, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza. Eles totalizam R$ 20 bilhões.

A única obra da lista que deu sinais concretos de avanço foi a construção da linha leste do metrô de Fortaleza – mas por pouco tempo. Mais de 70% dos investimentos previstos têm origem no Orçamento Geral da União (OGU) e em financiamentos de longo prazo, com juros subsidiados, da Caixa Econômica Federal. O restante vem dos cofres estaduais.

Abertos no fim de 2013, os canteiros foram abandonados no fim do ano passado. “Está tudo paralisado. Só tem vigia tomando conta para evitar invasões”, diz Arquimedes Fortes, coordenador de fiscalização do Sintepav, o sindicato dos trabalhadores da construção no Ceará.

Segundo ele, as obras chegaram a empregar 800 operários e diminuíram subitamente de ritmo com o fim da campanha eleitoral, sem ter atingido nem mesmo 15% de execução. “Especula-se que houve falta de repasses, mas ninguém confirma”, afirma Fortes. A Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinfra) nega problemas orçamentários e atribui a
paralisia a mudanças societárias no consórcio vencedor da licitação, mas admite que não há data prevista para o reinício das obras.

As restrições fiscais, no entanto, são vistas com desconfiança por quem espera a liberação de verbas da União e se queixa de indefinição sobre o futuro dos projetos. “O que queremos é uma posição definitiva e transparente do governo federal”, afirma o secretário de Transportes do Rio de Janeiro, Carlos Roberto Osório.

A linha 3 do metrô, que ligará Niterói a São Gonçalo, nunca foi licitada. Para ser desengavetada, ela precisa de R$ 2,1 bilhões de financiamento da Caixa e de recursos a fundo perdido do Ministério das Cidades, que repassa o dinheiro do PAC Mobilidade Grandes Cidades. “Um ponto em comum de aflição entre os governos estaduais é se os recursos prometidos vão ser mesmo liberados”, diz Osório, que preside um conselho de secretários de Transportes.

A preocupação tem justificativa. Quase três anos após o lançamento do pacote, apenas R$ 824 milhões de tudo o que Dilma havia prometido tinham sido efetivamente pagos até o fim do primeiro trimestre de 2015, segundo dados obtidos pelo Valor por meio da Lei de Acesso à Informação. A maioria dos repasses foi para projetos de corredores exclusivos de ônibus e obras viárias.

O secretário de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, Dario Reis Lopes, relativiza o impacto do ajuste fiscal e prefere chamar atenção para equívocos cometidos no passado. Ele lembra que, primeiro, houve dificuldade de muitos governadores e prefeitos em elaborar projetos de engenharia de boa qualidade – um pré-requisito para ter acesso às verbas federais. Depois, faltou fechar a equação financeira para garantir as operações de longo prazo das novas linhas, que normalmente são pouco rentáveis.

“Certo ou errado, foram feitos anúncios de empreendimentos complexos, mas com detalhamento insuficiente”, afirma Lopes. Por exemplo: o BNDES, ao analisar investimentos em transportes sobre trilhos, calcula que cada quilômetro de metrô subterrâneo custa, em média, R$ 500 milhões. A extensão em 7,5 quilômetros e cinco estações do metrô de Brasília, que alternaria trechos de superfície e debaixo da terra, foi orçada em R$ 700 milhões. Ou seja, a conta não fecha.

A dificuldade na elaboração dos projetos de engenharia também tem no Distrito Federal um de seus piores exemplos.

Mesmo com a promessa de receber a fundo perdido 99% dos recursos necessários para a expansão do metrô, o governo local demorou 34 meses para concluir o projeto básico e agora promete licitar um trecho das obras em setembro.

Em parte das novas linhas prometidas, o rombo no caixa dos Estados enterra a esperança de um salto para o futuro. É o caso do metrô de Porto Alegre. A obra, orçada em R$ 4,8 bilhões e com 13 estações previstas, era fruto de uma costura que envolvia os três níveis de governo: União, Estados e municípios. “No nosso caso, a crise veio ao quadrado”, diz o coordenador do projeto na Prefeitura de Porto Alegre, Luiz Gomes. Além do ajuste fiscal no plano federal, ele explica que o governo do Rio Grande do Sul já deixou claro não ter recursos suficientes para fazer o aporte que lhe correspondia. “O
dinheiro sumiu. Agora, só uma repactuação poderia desengavetar o metrô.”

Às vezes, nem um contrato assinado é garantia de que as coisas vão avançar. O VLT de Goiânia, um projeto de parceria público-privada (PPP) tocado pelo governo estadual, foi licitado em dezembro de 2013. Um consórcio liderado pela Odebrecht Transport arrematou o direito de construir e explorar o empreendimento por 35 anos. Até agora, nem 25% das desapropriações necessárias – uma atribuição do poder público – foram feitas. Os recursos federais pleiteados para a obra também não foram liberados e as intervenções não têm data para começar.

Fundo pode garantir PPPs na construção de metrôs

O governo trabalha em uma ideia, ainda em caráter embrionário, para destravar a implantação das novas linhas de metrô prometidas nas principais cidades do país: a criação de um fundo garantidor de parcerias público-privadas (PPPs) compartilhado com Estados e municípios.

Boa parte dos projetos tem investimentos federais, estaduais e municipais. O plano desenhado por governadores e prefeitos para desengavetar essas obras é fazer PPPs que permitam a atração de investidores. Além da gestão privada, esse modelo permite que sócios privados também façam um aporte para fechar a conta.

Essa equação, pensada para tirar da gaveta projetos como os metrôs de Porto Alegre e de Curitiba, além do VLT de Goiânia, esbarra em um problema: a incapacidade financeira de Estados e municípios para capitalizar seus fundos garantidores. Sem isso, um contrato de PPP dificilmente teria boa aceitação no mercado.

A ideia em gestação no Ministério das Cidades é um fundo comum. Capitaneado por ativos federais, esse fundo receberia pequenos aportes de Estados e municípios, mas apenas na proporção de suas contraprestações para destravar os projetos.

Isso contorna a falta de ativos de governos estaduais e municipais com liquidez suficiente para constituir seus próprios fundos. Foi o obstáculo enfrentado, por exemplo, para o metrô de Porto Alegre.

Se houver falta de pagamento aos sócios privados, nas futuras PPPs, o investidor poderia ter acesso imediato ao fundo.

Caso isso ocorresse, a União bloquearia a transferência de verbas discricionárias aos entes federados, com o intuito de recompor o desfalque financeiro. Os técnicos da União sabem que não é nada simples fazer essa ideia avançar, mas consideram necessário melhorar a viabilidade dos projetos. “Todos os empreendimentos sobre trilhos precisam de uma engenharia financeira complexa”, diz o secretário de mobilidade urbana do Ministério das Cidades, Dario Reis Lopes.

Sem repasses do governo de SP, Linha 6 vai atrasar

Um impasse em torno da desapropriação de cerca de 370 imóveis impede o avanço das obras da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo e já torna o cronograma previsto, que envolvia a entrega de 15 estações até 2020, praticamente impossível de ser cumprido. Trata-se da primeira parceria pública-privada (PPP) integral do metrô paulista, ou seja, a concessionária vencedora da licitação é responsável pela construção e pela operação do projeto.

O problema tem sido tratado com reserva pela Secretaria de Transportes Metropolitanos e pelo consórcio Move São Paulo, liderado pela Odebrecht Transport e pela Queiroz Galvão, com participação minoritária da UTC.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, no entanto, o governo estadual deixou de fazer o repasse de pelo menos 30% dos recursos necessários para o pagamento das desapropriações. Com isso, só duas frentes de trabalho foram abertas até agora, com 700 empregados. Pelo cronograma imaginado, deveria haver 15 canteiros e 2,5 mil trabalhadores.

O contrato da PPP foi assinado em dezembro de 2013 e previa R$ 9 bilhões de investimentos – metade públicos e metade privados – na linha de 15,3 quilômetros de extensão (Brasilândia-São Joaquim), conhecida como linha das universidades, pela proximidade com a PUC e o Mackenzie.

Depois de um fracasso na primeira tentativa de licitação, o Estado decidiu bancar integralmente os custos de desapropriação dos imóveis, que foram estimados em R$ 673 milhões. Uma revisão definitiva, porém, foi feita em maio de 2014 e houve ajuste do valor para cerca de R$ 1 bilhão.

Os recursos deveriam ter entrado no caixa da concessionária 60 dias depois da revisão, no máximo, e o prazo contratual para a conclusão das desapropriações era o dia 19 de maio de 2015.

A realidade, porém, é muito diferente. Os repasses não foram completados e menos de 40% das desapropriações puderam ser concluídas. Resultado: muitas frentes de trabalho simplesmente não podem ser instaladas e o atraso acumulado nas obras já chega a quase 12 meses. O consórcio Move São Paulo terá 19 anos, a partir de 2020, para explorar a Linha 6-Laranja. Caso a entrega das obras não ocorra no prazo e fique comprovado que o problema foi motivado por demora nos pagamentos do governo estadual, o contrato poderá ter um reequilíbrio econômico.

Um “tatuzão” já avança nos futuros túneis, mas a escavação das estações é um dos trabalhos mais prejudicados pelo atual impasse.

A assessoria de comunicação da secretaria reconheceu que há apenas duas frentes montadas atualmente na construção da linha, mas sustenta que o cronograma “corre dentro do ritmo contratual”. “A expectativa é que no pico da obra sejam gerados mais de 9 mil empregos e que a linha venha a atender 633 mil passageiros por dia, quando concluída”, informou a secretaria. Questionada especificamente sobre o atraso nos repasses, a assessoria não fez comentários.

Dois empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já foram aprovadas para a construção da linha. Um foi destinado ao governo de São Paulo, no valor de R$ 4,47 bilhões, e outro é um empréstimo ponte, de R$ 1,65 bilhão, para o consórcio.

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28/07/2015 – Valor Econômico – Por Daniel Rittner