Nível de congestionamento na maior cidade do Brasil piora em meio ao anúncio de medidas para baratear carros
Se tem uma certeza na vida do paulistano é o (longo) tempo gasto no trânsito para se locomover na cidade. E essa sensação vem piorando depois de uma breve pausa na pandemia. De acordo com dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP), houve acréscimo de 32% na lentidão média em dias úteis nas ruas de São Paulo, de janeiro a maio deste ano em relação ao mesmo período de 2022. Em maio, por exemplo, foram registrados 342 km de lentidão. No mesmo mês do ano passado, esse número foi de 275 km. O nível alcançado em 2023 só não é maior do que no período pré-pandêmico: em maio de 2019 chegou a 498 km.
A explicação óbvia para os altos índices de congestionamento em São Paulo é a quantidade de carros na rua. A maior cidade do Brasil também tem a maior frota do país, com 9,2 milhões de veículos, segundo informações da Secretaria Nacional de Trânsito, para uma população de 12,3 milhões de habitantes. E o combustível para o aumento desse número foi dado: em junho, o governo federal anunciou um programa para baratear o preço de carros populares. Por meio de uma Medida Provisória, foram reservados R$ 1,5 bilhão em subsídios para que sejam gerados descontos de até R$ 8 mil no preço final de carros. Caminhões e ônibus também entraram na lista.
A receita é velha: em seus dois primeiros mandatos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também reservou incentivos fiscais às montadoras, para alavancar a venda de carros. De 2003 a 2007, foram 6,6 milhões de novos carros vendidos no país – um recorde. Ainda não se sabe, porém, o impacto das novas medidas, uma vez que o carro popular ainda continuará com o preço salgado (o mais barato caiu a R$ 58 mil) para a maior parte da população.
O sócio-fundador da Urucuia: Inteligência em Mobilidade Urbana e coordenador do Insper, Sérgio Avelleda, acredita, no entanto, que com o incentivo, a população vai reagir comprando carro, o que poderá tornar as cidades ainda mais congestionadas. “Não tem milagre. Espero ver o governo federal anunciar um grande plano de investimentos na mobilidade ativa e no transporte público”, declara Avelleda, que complementa:
“As cidades, durante a pandemia, não se atentaram à oportunidade de investir em espaços para o transporte público. Como as pessoas não estavam circulando, ao redesenhar o uso do solo, isso poderia ser feito sem grande resistência. Poucas cidades no mundo fizeram a priorização do transporte público e da mobilidade ativa, mas as que fizeram estão colhendo frutos”.
Função social
Para especialistas, a grande questão está na mensagem passada com o programa. Privilegiar, por meio de política pública, o transporte individual num país em que há sérias deficiências e falta de investimentos em mobilidade é um fator que vai até mesmo contra o discurso de sustentabilidade que o governo brasileiro quer passar ao mundo. E o problema vai além: a sociedade brasileira como um todo não tem ainda a real percepção da importância de se investir no transporte coletivo de massa.
“Quem anda a pé fica mais convidado ao transporte público. No Brasil, a sociedade ainda tem a mentalidade de preferir usar o automóvel. O maior convite para trocá-lo pelo transporte público nunca vai ser o conforto e a privacidade. Isso o carro oferece como ninguém. O que o transporte coletivo pode oferecer é tempo. Tem que ser mais rápido que o carro”, ressalta Avelleda.
Na avaliação de Joubert Flores, presidente do Conselho da ANPTrilhos, é necessário priorizar a retirada de carros das ruas para o trânsito melhorar nas cidades. “É preciso ter uma decisão política de fazer os investimentos em linhas que realmente têm uma demanda estruturada, fazer uma integração em que diferentes sistemas conversem um com o outro. E, para estimular o uso, tem que desestimular o transporte individual, que é exatamente o contrário do que está se fazendo. Se a pessoa quer usar o carro, ela deveria ter que pagar mais por isso, para ajudar aqueles que não têm carro”, pontua.
Subsídio à tarifa
Se fossem aplicados na construção de metrô, os recursos que irão para o programa de barateamento de carros poderiam gerar cerca de 4 km de novas linhas (considerando que cada km de metrô tem um custo médio de R$ 350 milhões). Nem de longe isso resolveria o problema de mobilidade nas grandes e médias cidades do país, mas há diferentes usos de recursos públicos para melhorar o aproveitamento do transporte coletivo. Um deles é o subsídio a tarifas, o que ocorre em praticamente todos os países que priorizam investimentos em mobilidade urbana. O motivo passa pelo fato de que transporte público tem função social e é fator determinante para a qualidade de vida das pessoas nos centros urbanos.
“Ainda existem muitos lugares no Brasil onde o usuário paga 100% do custo do transporte e não tem uma integração tarifária. Se pegar um modal, paga 100%. Se for pagar o tributo, paga 100% também. O que é inviável até pelo tipo de renda do brasileiro. As pessoas que usam são as que mais têm necessidade e menos renda. Ou seja, é um desestímulo ao uso”, destaca Flores.
Outro ponto que merece atenção é a inflação imobiliária gerada pela expansão metroferroviária, na opinião de Sérgio Avelleda. A chegada de estações de metrô a bairros de São Paulo, por exemplo, acaba obrigando pessoas a se mudarem para longe, em função da valorização dos imóveis. Mas, segundo o especialista, isso pode ser uma oportunidade de captar recursos para tornar as tarifas e os serviços de transporte mais convidativos e acessíveis a toda população.
“Devemos ser mais criativos para que os projetos de mobilidade possam capturar, inclusive, a valorização imobiliária. O contribuinte paga a expansão do metrô, e os vizinhos das estações recebem a valorização imobiliária de presente. É preciso que a gente crie instrumentos legais, e o novo marco legal das ferrovias inova nesse sentido, para permitir que parte dessa valorização imobiliária possa custear as obras e também a operação desses serviços. E, claro, precisamos da união dos três entes federativos e da criação de projetos que sejam atrativos para o capital privado”, conclui Avelleda.
22/06/2023 – Revista Ferroviária