Estações de metrô investem em espaços culturais para levar arte e cultura para usuários
“A arte existe porque a vida não basta”, dizia o poeta maranhense Ferreira Gullar, citando a importância que a arte tem em nos trazer um algo a mais para os nossos olhares além das coisas cotidianas da vida. Em tempos de um mundo tão agitado, no qual pessoas se deslocam de casa para o trabalho sobre o asfalto quente, passando entre carros, ônibus, motos, buzinas, caminhões e tudo o que compõe a luta diária por espaço em grandes cidades, ter um tempo para olhar uma obra de arte pode trazer um frescor em meio ao barulho que nos acompanha sobre o olhar frio do concreto que nos rodeia.
Justamente para dar esse refresco diário na caminhada do trabalhador para o seu local de trabalho, diversas estações de metrô apostam na exposição de obras de arte em seus espaços. De mosaicos do pintor e escultor Athos Bulcão, no Metrô de Brasília, a esculturas de Alfredo Ceschiatti, no Metrô de São Paulo, passando pelo painel Epopéia Rio-grandense, Missioneira e Farroupilha, do artista Danúbio Gonçalves, no Metrô de Porto Alegre, ou pela música de Gilberto de Gil retratada em um painel no Rio de Janeiro, as estações espalhadas pelo Brasil têm permitido transformar viagens em visitas a galerias de arte.
O Metrô de São Paulo (SP) foi pioneiro nessa iniciativa com a colocação da obra “Garatuja”, do artista Marcelo Nitsche, na inauguração da Estação Sé, em 1978. A partir desse momento, foi posta em prática a ideia de transformar as estações em galerias de arte subterrâneas como forma de aproximar o cidadão das mais diversas manifestações culturais. Esculturas de Alfredo Ceschiatti e murais de Renina Katz, Cláudio Tozzi e Mário Gruber estão entre os primeiros trabalhos expostos. Em 1986, foi criado o programa Linha da Cultura. O metrô passou a disponibilizar gratuitamente espaços para artes visuais, performances, exposições fotográficas, apresentações musicais e teatrais. Desde então, as estações do metrô paulistano se transformaram em uma verdadeira galeria de arte contemporânea, composta de murais, instalações, pinturas e esculturas de renomados artistas plásticos do cenário brasileiro e internacional, como Aldemir Martins, Tomie Ohtake, Antonio Peticov, Denise Milan, Gontran Guanaes, Geraldo de Barros, Amélia Toledo, entre outros.
A coordenadora de ação cultural do Metrô de São Paulo, Ana Mazzone, destaca que, desde o início, o projeto se destacou. “Sempre fomos conscientes de que os olhos dos passageiros do metrô passariam pelas obras com a mesma velocidade dos trens, mas guardariam fragmentos nas suas memórias, entre cores, formas e significância de cada uma delas. Aproveitar os frios espaços de concreto cinza para oferecer arte, exposições e outros eventos foi algo tão bem aceito que cresceu e encantou a população que transita pelas estações.”
Para manter uma diversificada oferta cultural, atualmente, o Metrô de São Paulo possui parceria com quatro museus da cidade. Em suas dependências, estão instaladas as salas do Museu Lasar Segall, na Estação Santa Cruz; Arte Sacra, na Estação Tiradentes; Vitrine do Theatro São Pedro, na Estação Marechal Deodoro; e Vitrines do Masp, localizadas na estação Trianon-Masp. O acervo conta com 91 obras de arte distribuídas por 37 estações frequentadas por mais de 3 milhões de pessoas diariamente.
Em Brasília, as obras de arte também estão presentes e encantam os passageiros. “Passo aqui quase todos os dias, e as obras tornam o ambiente mais agradável”, conta o chefe de cozinha, Dimitri Prospe, ao passar em frente à obra do artista plástico Marcos Decat França, na estação 102 Sul, localizada na capital federal. A obra de 7 metros por 1,8 metro, doada ao metrô, traz uma homenagem ao arquiteto Oscar Niemeyer e à cidade. “Também existe o sentido de cultivar a arte dentro das pessoas, pois a pintura acaba trazendo algo de melhor para dentro da gente.”
No Metrô do Rio de Janeiro (RJ), foi instalado, na estação Cinelândia, em 2017, o painel “Aquele Abraço”. A obra leva o nome da canção composta por Gilberto Gil que exalta a beleza da capital fluminense. O painel é de autoria dos artistas Ozi e Coletivo Nata Família e foi feito com técnicas de pintura em spray, pôster arte e estêncil. Na estação Nossa Senhora da Paz, é possível ver a história de Ipanema e dos seus personagens retratada em um painel de 32 metros de comprimento com 3.000 azulejos. A jornalista Patricia Reis Oliveira, de 47 anos, passa pelo local todos os dias e afirma que o painel é um alívio para o olhar. “Eu acredito que mesmo quem está com pressa percebe. Para mim, a arte é uma válvula de escape, ainda mais no Rio de Janeiro.”
No sul do país, a história começou na estação Mercado, no Metrô de Porto Alegre. Desde 1986, um mural do artista Clébio Sória narra a história e o folclore do Rio Grande do Sul. Os imponentes 450 metros quadrados são divididos em 17 painéis, pintados como parte das comemorações do primeiro ano de operação da linha da Trensurb. Já na praça que dá acesso à estação Mercado, está exposto o painel Epopéia Rio-grandense, Missioneira e Farroupilha, do artista Danúbio Gonçalves. A obra é composta por 555 lajotas e porcelanatos pintados manualmente.
Das estações para os vagões. No Ceará, a aposta foi no grafite feito nos próprios trens. Criado há 15 anos, o projeto Wholetrain foi uma iniciativa dos artistas OSGEMEOS e ISE, com o apoio do setor privado. Hoje, já são 15 trens pintados em Fortaleza, Sobral e Juazeiro do Norte, um deles em homenagem ao cantor Belchior.