São 21h55 de uma terça-feira em São Paulo. A linha 1-azul –mais antiga e maior da rede metropolitana em número de estações– está perto de encerrar o expediente de transporte dos usuários, que chega a 1,4 milhão de pessoas diariamente.
Nesse mesmo horário, Aparecida Antonini, 55, uma das 72 operadoras de trens mulheres que atuam na linha azul, guarda seus pertences no vestiário, bate o ponto de entrada, retira seu rádio na sala de controle da estação Jabaquara e segue para a plataforma para iniciar seu dia de trabalho.
“Eu gosto de descer para a linha com uns cinco minutinhos de antecedência, porque sempre tem algum usuário que me para no caminho para tirar alguma dúvida ou pedir ajuda”, conta.
Sua primeira viagem vai do Jabaquara até o Tucuruvi e, então, de volta ao Jabaquara e leva cerca de 70 minutos, ida e volta.
É uma das últimas das 760 executadas na linha todos os dias. “Essa última viagem do dia costuma ser no horário de saída das universidades. Então as plataformas ficam cheias de estudantes. Algumas vezes eu até vejo meu filho, Luis Cesar, 21, mas só dá para acenar de longe porque logo o trem parte para a próxima estação. Aí eu fico na cabine e ele no vagão… Perto e longe ao mesmo tempo.”
Quando a última volta do trem termina, Antonini pede autorização para adentrar o pátio da linha, que também fica no bairro do Jabaquara e abriga as máquinas quando não estão realizando trajetos. É ali que acontece o trabalho mais pesado do dia, em plena madrugada.
Enquanto Antonini estaciona seu trem, outros seguem no sentido contrário para serem espalhados por pontos estratégicos da linha e conseguirem atender diversas localidades já às 4h40. Estes veículos são estacionados e aguardam até por volta das 3h45, quando seus condutores chegam de van para iniciarem o atendimento comercial.
Para os trens recém-chegados ao pátio, cada operador dedica 15 minutos checando quilometragem rodada, funcionamento das portas, possíveis falhas acusadas pelo sistema, chaves gerais e sistema de comunicação com o usuário.
Do estacionamento, o próximo passo é seguir para a sala de controle do pátio para incluir todas as informações no sistema e receber a próxima orientação.
São Paulo debaixo da terra: histórias de uma operadora de trem
As máquinas que partem para aguardar na linha já passaram pelas etapas de limpeza externa e interna, mas todas as outras que chegam ao pátio depois de um dia servindo ao público ainda têm que ser higienizadas.
Há cinco tipos de lavagem feitas de acordo com a necessidade de cada trem. A limpeza externa pode ser feita passando cada carro por um lava a jato (o que dura cerca de 20 minutos por vagão) ou manualmente por oito funcionários, o que dura cerca de três horas.
A limpeza do teto, que dura uma média também de três horas e envolve oito profissionais, é outra etapa realizada dentro da estrutura do lava a jato. Já a interna tem duração entre 30 minutos (conservação) ou duas horas (profunda).
Veículos que apresentaram falhas são levados pelos operadores para a garagem de manutenção. “Quando acontece alguma falha que não pôde ser solucionada durante o dia, o trem com problema é estacionado em alças ou conexões com outras linhas para que o carrossel [fluxo dos trens na linha] se mantenha até o encerramento do expediente comercial. Aí, só à noite o veículo segue para a manutenção”, explica Antonini. É ali que acontece o conserto de peças e sistemas.
A madrugada é o momento mais propício para que a manutenção ocorra, já que, com a linha fechada, não é necessário retirar nenhum trem de circulação, mas toda a atenção é fundamental para trabalhar em meio aos veículos mesmo na garagem e administrar os momentos em que estes permanecem energizados. São 750 volts de corrente contínua recebida pelas sapatas, que ficam próximas às rodas.
Veículos liberados pela equipe de manutenção retornam para o estacionamento do pátio e aguardam para partirem com seus condutores a partir das 4h15. Às 4h17, Antonini já está a postos dentro do L27 que irá operar a partir das 4h37.Como rotineiramente faz no início de seu trabalho, ela recheca portas, travas e sistemas. Depois de uma rota completa, encerra seu dia ao chegar à estação Jabaquara, por volta das 5h50.
“O turno da madrugada é bacana porque a gente acaba fazendo muito mais do que só operar o trem. Eu acabo realizando apenas duas voltas na linha quando atuo na madrugada”, conta.
Mas a operadora confessa que trabalhar durante a noite tem seus percalços. “Muitos Natais eu já passei aqui, Ano Novo, Carnaval. Nos dias festivos, não tem jeito. Você tem que vir e esquecer. Não ficar pensando que a sua família está lá e você está aqui. Tem que relaxar e assumir que você trabalha assim. Afinal, alguém tem que colocar o teatro para funcionar, né?”, brinca ela, poucos minutos antes de se despedir e seguir de metrô para sua casa, no Tucuruvi.