Terminal de transporte do modo aéreo, o aeroporto é também um equipamento urbano de alto poder de indução, constituindo-se tanto como objeto da organização do espaço geográfico como fator de reorganização. Sua localização e funcionalidade específica alteram todo seu entorno e as áreas contíguas a seus acessos.
E os acessos aos aeroportos são elementos determinantes do sucesso (ou não) desse equipamento urbano. Isso porque os fatores que influenciam a escolha do aeroporto podem ser subdivididos em duas categorias: a primeira associada à oferta de serviços, ou seja, tarifas aéreas, frequências e número de destinos atendidos; e a segunda, relativa à acessibilidade do aeroporto, ou seja, a qualidade do acesso.
Os modos de acesso podem ser privados (principalmente automóvel) ou públicos (sobre pneus ou sobre trilhos). A tipologia dos acessos sobre trilhos identifica duas formas para esses de serviços de transporte: (1) ferroviário suburbano diretamente do centro da cidade para o aeroporto, sem necessidade de trocar de trem, podendo ser paradores ou expressos; e (2) sistemas de transporte rápido ou ferroviário leve (metrô, VLT ou LRT), que, diferentemente dos trens expressos, costumam fazer inúmeras paradas no caminho.
Na Europa e na Ásia os acessos sobre trilhos para aeroportos são mais comuns (Tabela 1), fazendo com que o uso desses modos pelos clientes do transporte aéreo seja mais intenso. Em Narita, Amsterdam, Oslo, Zurich, Copenhagen, a participação percentual dos modos de acesso sobre trilhos é superior a 30%. Já em Londres Stansted, Munich, Viena e Frankfurt é próxima aos 30%. Já nos aeroportos norte-americanos dificilmente essa participação chega aos 10% (recentemente apenas Reagan National e Atlanta registraram essa marca). No Brasil, é mínimo o acesso por trilhos nos aeroportos de Porto Alegre e de Santos Dumont (RJ), e o caso de São Paulo – Guarulhos é muito recente para que se possa computar.
Tabela 1 – Aeroportos com acessos sobre trilhos
Trem | Metrô, VLT, LRT | |
África | 2 | 0 |
América do Norte | 7 | 18 |
América do Sul | 0 | 3 |
Ásia | 29 | 41 |
Europa | 48 | 31 |
Oceania | 2 | 0 |
Soma | 88 | 93 |
A tendência é o aumento desses números. Hoje há um impulso político para um sistema de transporte sustentável que vem impulsionando o uso do transporte público (e, consequentemente, dos serviços sobre trilhos) no acesso aos diversos equipamentos urbanos, como os aeroportos.
Por uma série de razões, os serviços sobre trilhos desempenham um papel fundamental no acesso sustentável aos aeroportos. Há um consenso de que esses modos (trem, metrô, VLT ou LRT) são uma parte importante e positiva da estratégia para enfrentar os desafios do transporte urbano e metropolitano. As alternativas sobre trilhos são os modos de transporte com a maior capacidade e maior velocidade possível. Operando em faixas segregadas e isoladas, contornam os frequentes congestionamentos encontrados nas regiões metropolitanas, são mais eficientes em termos de energia por passageiro, geram menos emissões e um nível de ruído mais baixo comparado com os modos sobre pneus.
E os serviços sobre trilhos para os aeroportos podem oferecer um alto nível de conforto ao viajante (ar-condicionado, tomadas de energia, telas de informações no trem) que pode ser superior até aos dos táxis. Pode-se argumentar que todos os pontos mencionados para o conforto também podem estar disponíveis em um ônibus, mas, quando se avaliam tempo e confiabilidade, os serviços sobre trilhos são preferidos – sua operação segregada permite que tempo, pontualidade e regularidade da viagem sejam mais convenientes para os clientes.
A produção acadêmica corrobora e justifica essa tendência, como mostra um recente trabalho que analisou a eficiência das 82 cidades que possuem os 100 aeroportos mais movimentados do mundo. O trabalho concluiu que os investimentos em ligações ferroviárias aeroportuárias com serviços mais rápidos poderiam atuar como um instrumento-chave para consolidar vantagens competitivas, promover uma recuperação urbana aviation-oriented e, em especial, alavancar o desenvolvimento econômico regional na região. Isso significa que o aeroporto e os serviços sobre trilhos, em uma abordagem de transit oriented development (TOD), promovem não só a melhoria das condições de mobilidade, mas também acentuam o potencial do aeroporto como elemento de referência ao desenvolvimento econômico da região onde se situa.
Uma pesquisa pelos sites especializados mostra a dimensão dessa tendência. Hoje existem 42 empreendimentos em acessos sobre trilhos para aeroportos em andamento, ampliando em praticamente 25% o número de aeroportos dotados de acessos sobre trilhos. Praticamente 40% desses novos empreendimentos (16) estão na América do Norte, com os demais assim distribuídos: 11 na Ásia, 10 na Europa, 3 na Oceania e 2 na África.
Há dois aspectos a ressaltar: (1) os Estados Unidos lideram o número de novas iniciativas, predominando soluções metroviárias; e (2) em diferentes lugares se nota que o conceito de airport city é trabalhado como um tipo especial de TOD, no qual o papel indutor e transformador do aeroporto é potencializado em seu entorno e acessos pela implantação coordenada de empreendimentos de logística, comércio, hotelaria e de habitação. Os serviços sobre trilhos, por sua capacidade, confiabilidade e sustentabilidade são as referências do modo terrestre. Honolulu (USA), Shenzhen Airworld (China) e Iman Khomeini International Airport (Iran) são exemplos dessas novas abordagens da mobilidade urbana.
O Brasil não aparece nesse contexto de inovação. Mas temos um potencial não desprezível a explorar e diversos estudos já elaborados. Se forem computados apenas os aeroportos de Viracopos, Belo Horizonte (Confins), Brasília e Recife, há um mercado superior a 100km de rede. O uso de técnicas de TOD tendo como referência de polo gerador o aeroporto com certeza permitirá não somente melhorar as condições de mobilidade, mas também tornar o aeroporto um indutor do desenvolvimento urbano e regional.
Referências
https://en.m.wikipedia.org/wiki/Airport_rail_link
Murakami, J., Matsui, Y., Hironori, K. 2016 Airport rail link and economic productivity: evidence from 82 cities with the world´s 100 busiest airports. Transport Policy 52, 89 – 99.
Nickel, J. 2011 Why some airport-rail links get built and others do not: the role of institutions, equity and financing. MSc Dissertation, Department of Political Science, MIT.
Suzuki, H 2013 Transforming cities with transit. 1st edition, The World Bank, Washington
Transportation Research Board 2008 Ground access to major airports by public transportation. ACRP Report 4, ISBN 978-0-309-09941-7.
Dario Rais é engenheiro de Aeronáutica, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA – 1979); Mestre em Engenharia pelo ITA e Doutor em Engenharia de Transportes pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Atualmente é professor licenciado da Universidade Mackenzie e está como secretário Nacional de Aviação Civil do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil e membro do Conselho de Administração da Concessionária Rio Galeão.
Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.
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