A prefeitura do Rio de Janeiro anunciou, em julho, que pretende dar início a uma grande mudança no sistema de mobilidade da cidade. O prefeito da cidade, Eduardo Paes, apresentou um plano de expansão do sistema de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) a outras áreas além do Centro e da Região Portuária, onde há três linhas em operação atualmente. Uma das propostas é ligar os bairros da Gávea a Botafogo, na Zona Sul, em parceria com a iniciativa privada, em um trajeto que se sobrepõe a um projeto de linha metroviária, que nunca saiu do papel. A outra é substituir o sistema BRT (Bus Rapid Transit), que opera principalmente nas zonas Oeste e Norte do Rio e que enfrenta uma série de problemas. Se concretizados, o Rio poderá ter a maior malha de VLT das Américas, segundo a Prefeitura, com 251 quilômetros de extensão e 500 mil passageiros/dia.

Mesmo com uma lista de estudos a serem realizados, a prefeitura apresentou um cronograma que prevê o início da operação do primeiro trecho, que cortará a Zona Sul, em 2025. Já a substituição dos veículos nos corredores Transcarioca e Transoeste do BRT acontecerá ao longo de 15 anos. Especialistas em mobilidade, no entanto, afirmam que há muitas questões a serem equacionadas para que os projetos não naufraguem. Da falta de um estudo detalhado de demanda que aponte a viabilidade e a adequação dos projetos à inexistência de um plano efetivo de mobilidade, que evite a competição entre os diferentes modais, eles apontam que será preciso uma ampla discussão para que as iniciativas prosperem. Entre os desafios estão a criação de uma política tarifária que desonere o usuário, a definição de garantias claras para atrair parceiros da iniciativa privada e até mesmo soluções que mitiguem a falta de segurança pública nas áreas cortadas pelo BRT.

A prefeitura destaca que os projetos ainda estão em fase inicial, e que o cronograma prevê até o fim do primeiro semestre de 2023 a realização dos estudos necessários para o detalhamento dos projetos ao custo de cerca de R$ 8,5 milhões. A licitação e o início da implantação ficariam para o segundo semestre. Apesar disso, a prefeitura esclarece que ainda precisa definir detalhes como a escolha dos modelos dos trens. “Vamos analisar se em algumas áreas usaremos catenárias (sistema aéreo de fornecimento de energia por cabos), se valerá a pena em termos econômicos ou se ficará esteticamente agressivo”, afirmou o prefeito Eduardo Paes, quando anunciou os projetos. Mas, segundo a prefeitura, a ideia é fazer audiências públicas e debates para discutir todo o plano da chamada VLTzação.

Paes explicou que o plano tem duas premissas muito claras. A primeira é a de que não se trata de um projeto específico para a sua gestão, mas um plano de longo prazo. “Temos que aprender que investimentos de infraestrutura numa rede de mobilidade precisa perpassar governos. Eu acho até que a gente conseguiu fazer muita coisa no período anterior em que eu fui prefeito, por oito anos. E não foi por conta de Olimpíada, não. O Porto Maravilha e o próprio VLT do Centro não tinham nada a ver com a Olimpíada. Foram investimentos que aproveitamos. Outras cidades, como Cuiabá, tentaram e não conseguiram”.

A primeira iniciativa anunciada pela prefeitura prevê a VLTzação da Transcarioca, que liga a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, e da Transoeste, que vai da Barra à Santa Cruz e Campo Grande. A Transolímpica e a Transbrasil ficam de fora do projeto. A primeira liga o Recreio dos Bandeirantes a Deodoro, na Zona Norte da cidade; e a Transbrasil, projeto cujas obras ainda não foram concluídas e que acompanha o traçado da Avenida Brasil, uma das principais vias do município. “Entendemos que a Transbrasil tem um papel diferente. Paralelo a ela, há toda a rede de trens. É mais inteligente melhorar o sistema de trens do que criar uma concorrente”, afirmou o prefeito Eduardo Paes à época do anúncio dos projetos.

Para a VLTzação dos 86 quilômetros da Transcarioca, o investimento estimado será de R$ 6 bilhões. Segundo a prefeitura, o aproveitamento da estrutura do BRT possibilitará uma economia de mais cerca de R$ 4,5 bilhões, que seriam gastos com desapropriações e obras. Já a transformação dos 125 quilômetros de extensão da Transoeste em VLT custará um valor estimado de R$ 8,7 bilhões. A economia, nesse caso, seria de R$ 2,5 bilhões com a possibilidade de uso da estrutura já existente. Segundo a prefeitura, haverá uma busca por financiamento externo para conseguir transformar todo o projeto em realidade: “Quando você chega para um Banco Mundial ou um Bid (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e apresenta um planejamento a longo prazo, mais estruturante, há uma tendência de haver uma liberação mais rápida”, afirmou o prefeito Eduardo Paes.

Decadência do BRT

Inaugurado em 2012 com a promessa de ser uma das grandes revoluções de mobilidade na cidade do Rio de Janeiro, o BRT recebeu financiamento dos ministérios das Cidades, dos Transportes e do governo fluminense, além do capital da prefeitura e empréstimos do BNDES. As onze empresas de ônibus que, agrupadas em três consórcios – Intersul, Internorte e Transcarioca – administravam linhas de ônibus na cidade assumiram o serviço por meio de um contrato de concessão. Assim, o sistema começou a operar com a Transoeste e, em de junho de 2014, foi inaugurado o corredor Transcarioca, com trechos disponibilizados gradativamente. Em 2016, os ônibus da Transolímpica começaram a operar a tempo de atender a demanda gerada pelos Jogos Olímpicos daquele ano.

Os problemas, no entanto, não tardaram. O subdimensionamento da demanda ficou evidente logo no início. Já no primeiro mês de operação do corredor Transoeste, o volume diário e o carregamento máximo por hora superaram as previsões. Em 2011 e 2012, a estimativa era de apenas 135 mil passageiros/dia, com capacidade de carregamento máximo de 15 mil passageiros/hora. Os picos de demanda de passageiros verificados entre 2012 e 2015, porém, foram superiores a 250 mil passageiros/dia. Consequentemente, houve insuficiência da frota de veículos disponibilizada para atender ao volume de passageiros, escassez de posições de parada de ônibus nas plataformas e subdimensionamento da infraestrutura necessária para a demanda.

Problemas relacionados à segurança pública das áreas cortadas pelos corredores também se mostraram um desafio extra, e calotes, roubos aos passageiros e ocorrência de depredação de veículos e estações tornaram-se frequen tes. Em abril, por exemplo, dois ônibus foram destruídos pelo fogo e, segundo laudos da Polícia Civil, os incêndios foram criminosos. Em junho, a estação Mato Alto, em Guaratiba, foi parcialmente destruída por um incêndio que começou em um ônibus articulado.

Com tudo isso, o BRT mergulhou em uma grave crise, que se aprofundou com a pandemia do Covid-19. Entre 2017 e 2020, houve o fechamento de 56 estações e 316 articulados foram retirados de circulação. Além disso, a obra do Transbrasil ficou parada por quatro anos e houve a interrupção de serviço em trechos da Transoeste. Ainda assim, hoje, o BRT atende em média a mais de 200 mil passageiros diariamente.

Depois de um período de intervenção, a prefeitura publicou, em fevereiro deste ano, um decreto que promoveu a caducidade do contrato de concessão, transferindo a gestão e manutenção de frotas, estações e terminais para o município, criando a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (Mobi-Rio) para assumir a operação.

Ao anunciar o plano de substituir o sistema por uma rede de VLTs, a prefeitura afirmou que precisará adaptar parte da estrutura existente para o projeto. A altura das estações, por exemplo, que é muito alta para o VLT, exigirá intervenções. Mas, segundo o plano, nada do que foi feito da infraestrutura dos BRTs se perderá. “Nada, absolutamente nada. Ao contrário, o que foi da infraestrutura dos BRTs facilita a nossa vida para que a gente possa dizer que esse plano é factível, viável, possível. Na prática, a infraestrutura já está pronta. É claro, existem detalhes que precisam ser feitos. Mas, olhando por um ponto de vista objetivo, serão aproveitados todos os corredores, as desapropriações feitas, estações, infraestrutura, pisos de concreto… Inclusive, a Transoeste já está recebendo o seu piso de concreto. O investimento é mantido, porque a gente vê isso como uma forma de investir na VLTzação do Rio de Janeiro”, afirmou Eduardo Paes.

PROJETO DE MOBILIDADE NO RIO DE JANEIRO

Outro ponto destacado é que nenhum plano já anunciado para os BRTs será paralisado. A prefeitura não deixará de comprar ônibus e de fazer as reformas previstas para a requalificação da Transoeste. A operação do sistema con tinuará com a Mobi-Rio até que ocorra uma nova concessão. Segundo a prefeitura, tudo o que foi anunciado para o BRT será entregue, por exemplo a nova frota de pouco mais de 550 ônibus articulados. A prefeitura ressaltou ainda que estes veículos têm uma vida útil que coincide com a implantação do projeto de VLT, de forma que os dois processos irão caminhar de forma paralela.

Por fim, a prefeitura afirmou ainda que que concluirá a Transbrasil e o Terminal Intermodal Gentileza, cujas obras já começaram e estão a cargo da concessionária VLT Carioca, que opera o sistema existente hoje no Centro e na Zona Portuária. O terminal vai integrar o BRT Transbrasil, 22 linhas de ônibus municipais e as linhas 1 e 2 do VLT. Para isso, este último será estendido por cerca de 700 metros, da Rua do Equador, em frente ao desembarque da Rodoviária, até a área do antigo gasômetro. Segundo a prefeitura, a previsão é de que as obras sejam concluídas no fim de 2023 e, no futuro, o VLT seja estendido em direção a São Cristóvão.

VLT na Zona Sul

Já o trecho que atravessa a Zona Sul e liga a Gávea e Botafogo terá 12 km de extensão e 13 paradas. Segundo o cronograma apresentado pela prefeitura, o edital será lançado no segundo semestre de 2022, o início das obras deve ocorrer no primeiro semestre de 2023, e a operação deve começar no primeiro semestre de 2025. O projeto prevê a criação de um boulevard com pista de serviço nas Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, e Jardim Botânico, algo semelhante com o que foi feito na Avenida Rio Branco, no Centro, com a urbanização de calçadas e implantação de ciclovias. E o investimento, em torno de R$ 1,3 bilhão, seria viabilizado por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP).

Este, no entanto, é um dos maiores desafios apontados pelos especialistas. Isso porque a iniciativa anterior, o projeto de construção e operação do VLT Carioca esteve no meio de uma disputa judicial entre a prefeitura e a concessionária. Além de não garantir o fundo imobiliário previsto no contrato, a gestão do então prefeito Marcelo Crivella (2017 a 2020) deixou de pagar as prestações pecuniárias referentes ao investimento feito pela concessionária, que chegou a pedir na Justiça o cancelamento do contrato. A dívida da prefeitura chegou a R$ 150 milhões. Procurado, o consórcio VLT Carioca optou por não comentar o caso nem falar sobre os novos projetos anunciados pela prefeitura.

Para o município, no entanto, o problema já foi superado. Gustavo Guerrante, presidente da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar), um dos órgãos da prefeitura que está à frente do projeto de VLTzação, conta que foi preciso fazer um grande reequilíbrio econômico- -financeiro do contrato com a CCR (principal acionista do VLT Carioca) em função da inadimplência da gestão passada. “A construção do Terminal Gentileza está a cargo da concessionária VLT Carioca. Foi feito um aditivo ao contrato da PPP já existente. A disposição em ampliar o VLT do Centro mostra como a concessionária confia no modal e na Prefeitura do Rio, que fez um reequilíbrio financeiro para equalizar as dívidas pelo não pagamento da gestão anterior”.

Luís Valença, consultor em mobilidade que ocupou até dois meses atrás a presidência da CCR Mobilidade, confirma que o problema foi equacionado e lembra que o projeto ficou em cheque não por conta do modelo de PPP, mas pela dificuldade da prefeitura de compor as garantias oferecidas no contrato. O documento previa a estruturação de uma garantia para assegurar o pagamento das obrigações (as contraprestações pecuniárias e a realização do aporte público) do poder concedente, ou seja, da prefeitura. Essa garantia foi estruturada por meio de cessão fiduciária de cotas de participação em Fundo de Investimento Imobiliário de propriedade da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp).

O patrimônio líquido mínimo do fundo, ao longo de todo o contrato, foi definido em R$ 40 milhões e deveria ser recomposto por meio da integralização de imóveis localizados no município. Segundo as regras, sempre que o patrimônio líquido mínimo do fundo alcançasse um valor inferior ao que foi estipulado, caberia à Cdurp depositar o valor complementar. No caso de inadimplência do órgão, a prefeitura deveria fazer o depósito. Isso, no entanto, não aconteceu. Na época, ao suspender os pagamentos, o então prefeito Marcelo Crivella alegou dificuldades financeiras do município e discordância dos termos contratuais.

Para Valença, esse é um dos principais nós a serem desatados para viabilizar a expansão do sistema em parceria com a iniciativa privada. “No caso do VLT Carioca o problema não estava no contrato, mas na garantia. O contrato previa um fundo imobiliário que deixou de ser abastecido e que, quando a prefeitura deixou de pagar suas obrigações, não foi suficiente para honrar os pagamentos. Sem um sistema de garantias bem definido, duvido que os grandes investidores embarquem no projeto,” afirma.

Gustavo Guerrante, por sua vez, argumenta que há outros pontos que, na visão dele, podem atrair a iniciativa privada para o plano. Um deles é que num cenário pré-pandêmico, o VLT chegou a transportar 130 mil passageiros por dia (hoje a média é de 70 mil passageiros/ dia), um número expressivo, segundo ele, para um sistema de veículo leve se comparado a níveis mundiais. “Agora, com a retomada da economia, e principalmente, todas as iniciativas que o município do Rio vem dando para empreendimentos residenciais, isso tudo, sem dúvida vai trazer mais movimentação para o modal”.

O sistema, no entanto, nunca conseguiu atingir a demanda – nem mesmo antes da pandemia – prevista inicialmente com as três linhas, que era de 260 mil passageiros/ dia. Os estudos foram feitos pela Fundação Getulio Vargas no período pré-Copa, pré-Olimpíadas e também pré-crise que se abateu sobre o estado do Rio. Em fevereiro de 2020, ou seja, um mês antes do início da crise sanitária, o VLT Carioca transportava em média 110 mil pessoas diariamente, de acordo com dados da própria concessionária.

Olhar no futuro

O presidente da CCPar afirma que investir no VLT é mais do que viabilizar um projeto de mobilidade e transporte de qualidade, é olhar para o futuro da cidade. Ele ressalta que o modal é um case de sucesso no Rio e no mundo e é a transição para uma cidade mais sustentável, seguro e confortável. E que o VLT é o transporte melhor avaliado pela população no Centro e no Porto. “A última pesquisa Datafolha encomendada pela concessionária apontou 88% de aprovação. Portanto, esse projeto inaugura uma lógica no planejamento dos transportes que vai além da atual gestão, ela é pensada a longo prazo, junto de um modal que é mais regular, menos poluente e que tem também uma durabilidade maior e mais confortável”, diz.

Guerrante afirmou ainda que, nos próximos meses, estudos irão definir detalhes do sistema, como o meio de pagamento. “A princípio, nada indica que não poderá ser utilizado o mesmo sistema implementado no VLT do Centro nos corredores de VLT Transcarioca e Transoeste, além do novo VLT da Zona Sul da cidade. O sistema de autovalidação (sem catraca) após a entrada no trem, presente no VLT Carioca, funciona e tem uma evasão menor que as encontradas em cidades da Europa. A taxa gira em torno de 9%, um número muito baixo. Então nada impede a implementação desse tipo de verificação nos futuros corredores”.

Ele acrescenta que a reestruturação do sistema tarifário é outra questão prioritária: “Recentemente foi lançada a licitação do sistema de bilhetagem, que é parte essencial para o funcionamento da integração. O Terminal Gentileza, por exemplo, foi pensado já com a função de integrar diversos modais.” Além disso, Guerrante confirma que está em estudo pela prefeitura a aquisição de trens da CAF, que seriam destinados ao famigerado VLT de Cuiabá. A capital de Mato Grosso está em plena execução de um projeto contrário ao do Rio. Por lá, o inacabado projeto de VLT será substituído em breve por corredores de ônibus BRT.

Outros problemas

Há, no entanto, outras perguntas a serem respondidas. Sérgio Avelleda, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq. Futuro de Cidades, do Insper, diz que um dos pontos que precisam ser esclarecidos é de onde virão os recursos para construir e operar o VLT, uma vez que a sua operação é mais cara que a do BRT. “O setor privado sempre tem interesse em bons projetos. Mas para serem atrativos, precisam mostrar que têm rentabilidade financeira e garantias. Se não tiver rentabilidade, o investidor leva os recursos para outro lugar. E se houver risco de inadimplência, ele simplesmente não vem. Por tudo isso, é preciso entender como, em um sistema que já sofre com uma crise financeira, a operação será equacionada,” afirma.

Avelleda chama a atenção ainda para a adequação dos projetos com relação à demanda e diz que ainda faltam uma série de estudos que possa afirmar se o VLT é mesmo a melhor opção para estas regiões: “O Metrô é um sistema de alta capacidade, que pode chegar a transportar 50 mil passageiros/hora/sentido. Já o VLT é um sistema de média para baixa capacidade, que pode transportar até 20 mil passageiros/hora/sentido, com bastante exigência operacional para chegar a este número. O BRT, por sua vez, dependendo da configuração, pode chegar a 30 mil pessoas/hora/sentido. Esse tipo de modelo com faixas de ultrapassagem terá mais capacidade do que um VLT. É preciso atualizar o estudo de demanda desses corredores para verificar se o VLT é uma boa opção. Caso contrário, ele pode nascer saturado e não resolver o problema”, afirma. A grande vantagem do VLT, segundo ele, é que o modal se encaixa muito melhor no tecido urbano e, desse modo, ajuda a requalificar as áreas por onde passa. Ele cita como exemplo o papel do VLT Carioca para a revitalização urbanística do Centro e da Zona Portuária.

A opinião é compartilhada pelo engenheiro Peter Arouche, defensor aguerrido da priorização dos metrôs e veículos leves sobre trilhos nas cidades. “O VLT não é só para levar passageiros. Ele serve para revolucionar e renovar a cidade. Por onde passa o VLT há uma renovação urbana intensa. Um dos melhores exemplos do que esse tipo de projeto pode proporcionar a uma cidade é o VLT de Baltimore, nos Estados Unidos. Baltimore era uma cidade cujo Centro estava muito degradado e mudou completamente com a implantação do projeto. Um VLT é um orgulho para uma cidade. O do Centro do Rio, por exemplo, é um exemplo para o mundo”, afirma. Peter ressalta ainda a questão da sustentabilidade. “Você pode até argumentar que hoje há a possibilidade de usar ônibus elétricos, mas sempre haverá a questão dos pneus”.

O consultor Rodrigo Vieira, que ocupou o cargo de secretário estadual de Transportes do Rio de Janeiro entre 2016 e 2018, é outro que afirma que uma discussão aprofundada sobre o tema deverá preceder qualquer planejamento. “O projeto está em um nível muito embrionário de desenvolvimento técnico. De acordo com o que foi anunciado pela prefeitura, podemos dizer que ele se aproxima mais de um objetivo traçado, demonstrando uma vontade de enfrentar os desafios, o que é louvável. O prefeito deu uma sinalização clara de que a mobilidade nesses trechos não está resolvida e deu início a uma discussão saudável em direção à mudança. Mas o tamanho dos desafios que se apresentam para esta empreitada exige estudos mais profundos que ainda não existem”, afirma Vieira.

Ele afirma que considera o sistema de metrô a opção mais adequada do ponto de vista de capacidade e de longevidade, mas pondera que o gestor público tem que olhar isso do ponto de vista da capacidade financeira.

“Existem estudos internacionais que mostram que são muitas vezes maiores os custos para a implantação de um metrô subterrâneo. Isso tem que ser considerado para que o Rio de Janeiro tenha o modal mais adequado. E aí, a partir desse momento, identificar as fontes de financiamento e as parcerias que precisam ser estabelecidas,” afirma. Mas pondera que, sem os estudos, não dá para antecipar o que seria mais adequado. “O metrô resolveria, não há dúvida, mas estamos dispostos a investir o volume de dinheiro necessário para este tipo de mudança? Isso precisa ser discutido. Tem que entender o desejo dos usuários, os pontos de captação mais relevantes, qual a demanda nos horários de pico. Só então será possível tomar uma decisão”, diz Vieira.

Competição entre modais

Outro ponto de preocupação tem relação com questões mais abrangentes relacionadas à mobilidade urbana no Rio de Janeiro. O ex-presidente da CCR Mobilidade, Luís Valença aponta, por exemplo, que é preciso ainda desenvolver um plano efetivo de mobilidade que evite a competição entre os modais e preveja de forma clara a questão tarifária. “Infelizmente, o sistema hoje não privilegia o passageiro. Para o projeto, é muito importante que essa discussão avance”, diz o consultor.

É o que diz também o presidente da ANPTrilhos, Joubert Flores. Para ele, além dos estudos preliminares para determinar quais seriam as melhores opções para a mobilidade nessas duas regiões, ele afirma que é preciso organizar a casa. “Tome o projeto do VLT Carioca. Ele é um sucesso. Repaginou o Centro, qualificou aquele ambiente e conseguiu implementar um sistema de cobrança sem catracas, que ninguém achava que ia funcionar, mas que deu certo. Mas a organização das linhas existentes de ônibus que circulam na região nunca aconteceu. Os ônibus circulam vazios, pois um compete com o outro e nada se integra. E podemos dizer o mesmo do BRT. Você não constrói um sistema mais denso onde você já tem um sistema, para que um fique competindo com o outro. Tem que organizar isso”, ressalta Flores.

Ele defende ainda que a prefeitura e o governo do estado sentem à mesa para discutir as melhores opções tanto para o trecho da Zona Sul quanto para o projeto que prevê a substituição do BRT pelo VLT. “Eu não tenho dúvidas que investir na transformação da TransOeste e da Trans- Carioca em VLT pode fazer sentido, pois vai qualificar o transporte. Mas acho fundamental que, já que não existe uma autoridade metropolitana, o município e o estado deveriam discutir esse tema com mais proximidade”, afirma. Para ele, se houvesse, por exemplo, a menor possibilidade de estender o metrô do Jardim Oceânico até a Alvorada (terminal do BRT, na Barra da Tijuca) e, só a partir dali implementar a linha de VLT, talvez um esforço conjunto nesse sentido valesse a pena.

Para o trecho que ligará a Gávea e Botafogo, ele levanta questionamentos mais incisivos. “O projeto que está travado de expansão do metrô até a Gávea é real, e tem uma capacidade maior que a do VLT. “É preciso discutir isso com o estado, ou se associar a ele na tentativa de evoluir o projeto que está parado faz muito mais sentido. Sem contar no enorme desafio de desenvolver um projeto que integre o VLT em uma região densa como os bairros de Botafogo e Jardim Botânico. Acho que está faltando mais detalhes para ver se isso é viável,” avalia Flores.

Mapa: Divulgação Revista Ferroviária

 

13/09/2022 – Revista Ferroviária Edição Julho/Agosto – 2022