Depois de atingir seu auge na década de 70, a indústria ferroviária brasileira amargou duas décadas de desmanche. Nos anos 80, se retraiu fortemente. E nos anos 90 já praticamente não existia. Foi a partir dos anos 2000 que começou a ensaiar uma retomada.
Em 2003, o lançamento do Plano de Revitalização das Ferrovias sinalizou o interesse do setor público em priorizar a expansão da malha e a recuperação da indústria ferroviária. Foi mais ou menos na mesma época que começaram as exportações em massa de minério de ferro, que garantiram a demanda de transporte.
A partir daí, a indústria voltou a investir na criação de novas fábricas e ampliação e modernização das antigas. Entre isso e treinamento de mão de obra, foi investido R$ 1,5 bilhão de 2003 a 2013. Assim, a produção de vagões de carga e locomotivas voltou a crescer. E novas tecnologias puderam ser desenvolvidas em território nacional.
Mas trens precisam de trilhos para rodar. O Brasil tem, atualmente, 30 mil km de ferrovias. 23 mil operacionais, mas apenas cerca de 10 mil com transporte realmente denso. Com todo o planejamento do Programa de Investimento em Logística (PIL), a expectativa é chegar a 34 mil km até 2025. Ainda é menos do que os 38 mil km que o país tinha na década de 70.
O assunto foi abordado no 64º Fórum de Debates Brasilianas.org pelo presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (ABIFER), Vicente Abate.
Ele falou sobre os desafios que as concessionárias e o poder público têm pela frente, apresentou as novas tecnologias desenvolvidas pela indústria nacional e comentou os planos de expansão tanto da malha de carga quanto de passageiros.
Como se organiza o segmento ferroviário no Brasil
“Nossa missão é fomentar o crescimento da indústria instalada no país. Ou seja, geração de emprego e renda para o brasileiro, incentivando a expansão do transporte ferroviário de carga e de passageiros. Nós somos 65 empresas, pequenas, médias e grandes, brasileiras e internacionais, que fazem a manufatura de produtos ferroviários e também a prestação de serviços de engenharia, de remanufatura, de modernização de equipamentos”.
O ressurgimento e o novo patamar do setor ferroviário nacional
“A concessão foi feita entre 96 e 98. No princípio, as concessionárias mais reformaram, tanto o material rodante quanto a via permanente. E começaram a comprar em massa a partir de 2003. Só para vocês terem uma ideia as concessionárias atuais investiram mais de R$ 44 bilhões de 96, 98 até agora, o que ensejou o crescimento da indústria ferroviária. Eu diria mais, o ressurgimento. Então, ampliamos e modernizamos instalações já existentes, fizemos novas fábricas, aplicamos novas tecnologias e treinamos nossa mão de obra. Com isso as nossas capacidades aumentaram. Hoje, nós podemos fazer anualmente 12 mil vagões de carga (na época eram três mil), mil carros de passageiros (na época eram 300) e 250 locomotivas (na época não se fabricava locomotivas potentes). E para o período atual, esse triênio 2014-2016, nós estaremos investindo ainda de R$ 400 a R$ 600 milhões”.
Inovações tecnológicas da indústria ferroviária brasileira
“Eu vou mostrar algumas inovações tecnológicas da nossa indústria, feita nos últimos tempos. Esse é um vagão gôndola de 150 toneladas, isso é peso bruto máximo, a tara dele é de 22, são 128 toneladas de carga útil. Em 1997, na época estatal, era 95 toneladas. Ou seja, nós temos um ganho no decorrer do tempo de 33 toneladas por vagão. Esse é um vagão para transporte de açúcar, da Rumo, é um vagão que os antigos carregavam 80 toneladas, esse carrega 100. Descarrega em apenas 1 minuto enquanto os antigos demoravam 45 minutos. E a nossa mais recente fabricação, projetada totalmente pela indústria nacional, é um vagão tri-articulado para transporte de granéis onde se inclui o próprio açúcar, grãos de soja, grãos de milho, farelo de soja. Esse vagão é na bitola métrica. Só para vocês saberem, a bitola é a distância entre eixos. Na bitola métrica, ela tem naturalmente menor capacidade do que a bitola larga. Aquele vagão da Rumo, na bitola larga carrega 100 toneladas. Esse na bitola métrica, pela concepção de tri-articulado, carrega 136 toneladas. Ou seja, nós estamos fazendo um avanço sensacional. E vamos fazer isso para a bitola larga, que vai carregar muito mais do que as 100, ou as próprias 136”.
Investimentos públicos e privados na expansão da malha ferroviária de carga
“Mostrada a indústria para vocês, eu vou falar um pouquinho da expansão da malha ferroviária de carga. Investimentos privados que estão em execução: a ligação da nova província mineral de Carajás até a Estrada de Ferro. É um plano de expansão da Vale, que vai se configurar entre 2016 e 2018. São investimentos de US$ 16 bilhões que a Vale está fazendo. Até dois, três, quatro anos atrás, ela estava produzindo 300 milhões, 305 milhões de toneladas por ano de minério. O ano passado já fez 312. A previsão para este ano é de 340 milhões. E em 2018 nós vamos ter, com essa nova província mineral, a Vale produzindo e fornecendo, basicamente para o mercado externo, 450 milhões de toneladas por ano. Do governo, são obras do PAC: Palmas-Anápolis 855 km já concluídos, Anápolis-Estrela 680 km previstos para 2016. E a FIOL, que está mais atrasada, dos 500 km até Caetité tem 40% mais ou menos já prontos. De Caetité até Barreiras é mínimo, não chega a 5%, de forma que a previsão é 2018”.
As promessas de investimentos da segunda fase do PIL
“E aí vem o PIL, o chamado PIL 2, que foi lançado agora, dia 9 de junho. E, efetivamente, no PIL 1 nós não tivemos absolutamente nada. Era um programa majestoso, de 11 mil km de ferrovias, entre novas e a serem modernizadas, R$ 100 bilhões de investimento e absolutamente não saiu nada. Só tinha um trecho, de Lucas do Rio Verde até Campinorte, já aprovado pelo TCU, que acabou não saindo também. O programa [PIL 2] é de R$ 198 bilhões, R$ 86 bilhões das ferrovias. O mais imediato, no nosso ver, são esses R$ 16 bilhões de novos investimentos das concessionárias atuais. Agora, a condição sine qua non é que as concessionárias atuais negociem com o governo a antecipação da renovação dos contratos de concessão. Eles vencem entre 2026 e 2028, tem dez anos, 12 anos para fazer investimentos. Ninguém vai fazer investimentos com tão curto período de maturação ou de amortização”.
A expansão da malha ferroviária de passageiros
“Para terminar, a malha de passageiros. O governo de São Paulo está aportando R$ 7 bilhões no metrô, na CPTM e na EMTU. São nove linhas, sendo cinco novas e quatro expansões, mais quase 100 km de ferrovias, 77 novas estações. No Rio de Janeiro, para as Olimpíadas, modernização das linhas atuais do metrô do Rio. Linhas 1 e 2, a nova Linha 4, que está também sendo construída de Ipanema até a Barra. Renovação de quatro linhas da SuperVia e o Porto Maravilha, que são seis linhas de VLT. O governo de São Paulo tem quatro projetos, que são chamados de trens intercidades. São quatro eixos desde o centro de São Paulo, em Água Branca, indo para Americana, para o Vale do Paraíba, Baixada Santista e Sorocaba. O primeiro trecho até Americana já era para ter saído o edital. Nós esperamos que no começo do ano, agora, de 2016, ele possa sair. A malha atual urbana é de apenas 1000 km. Com a expansão atual de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador vão fazer, em 2020, 1200 km. Há mais ou menos dois anos nós tínhamos a previsão de dobrar essa malha até 2020. Só que os projetos ficaram para trás, então, a gente está prevendo um acréscimo de 20%”.