O Brasil de hoje é um país de população essencialmente urbana, em que 83% das pessoas vivem em cidades. Atualmente, cerca de 66% da população economicamente ativa do Brasil dependem de transportes públicos e 22% desses usuários passam mais de duas horas por dia no trânsito. Não é preciso avançar muito nos cálculos para perceber o óbvio: desafogar o tráfego nas grandes cidades é necessário para agregar melhoria na qualidade de vida das pessoas e também para aumentar a produtividade, pois essas duas horas literalmente perdidas do trabalhador refletem na economia do País.
A título de comparação: toda a rede de transporte urbano sobre trilhos para passageiros, no Brasil, equivale ao metrô disponível apenas na cidade de Nova York, a maior rede do mundo, com 24 linhas e mais de 460 estações. Em Paris, são 16 linhas, distribuídas em 214km. Pequim, na China, é servida por 17 linhas de metrô, em 465km. Os números evidenciam o descompasso do Brasil em relação a outros países, inclusive um de economia emergente, como é o caso da China.
Se é possível enxergar perspectivas para o desenvolvimento do Brasil pelo transporte urbano, também se tornam claras as possibilidades de incremento à infraestrutura brasileira se se voltar o olhar para o transporte de cargas. Nas últimas cinco décadas, o País tem focado seus investimentos prioritariamente no transporte rodoviário. Aqui, cerca de 25% dos produtos são transportados sobre trilhos. Nos Estados Unidos, esse percentual chega a 43%, no Canadá, a 46%, e, na Rússia, a 81%.
É certo que, nas duas últimas décadas, o Brasil aumentou a participação das ferrovias no deslocamento de suas mercadorias. Em 2017, foram 538 milhões de toneladas transportadas sobre trilhos, número quase 7% superior ao de 2016 e quase o dobro do que se praticava no final da década de 1990. E exatamente nesse ponto é importante chamar a atenção para a conexão entre os dois temas, já que o transporte de cargas, por caminhões, impacta no transporte urbano. Quem circula pelas grandes cidades sabe que um significativo contingente desses veículos acaba por ocupar estradas, vias expressas, avenidas e ruas, ampliando o cenário de trânsito que dificulta a circulação urbana.
Se esse contexto já se mostra altamente desafiador no presente, a tendência é o agravamento da situação. O relatório “Perspectivas da Urbanização Mundial”, produzido em 2014 pela Organização das Nações Unidas, projeta que 2,5 bilhões de pessoas estarão vivendo em cidades em 2050, o equivalente a 66% da população mundial. Ou seja, caso não sejam adotadas medidas estruturantes para o transporte urbano no presente, o caos urbano tende a piorar nas próximas três décadas.
É mandatório, portanto, que o transporte de pessoas seja planejado, concebido e executado como parte de uma infraestrutura de mobilidade ampla, inclusive porque o transporte sobre trilhos traz outro benefício embutido, de caráter ambiental. Um sistema metroferroviário ocupa vinte vezes menos espaço físico do que outras opções de mobilidade, além de favorecer a redução de emissão de gases poluentes, principalmente se o Brasil considerar a possibilidade de eletrificar sua malha ferroviária voltada para o transporte de mercadorias.
Um estudo realizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), em 2016, mostra que a implementação da malha ferroviária eletrificada no Brasil oferece a possibilidade de redução de emissões de CO2 na atmosfera, além de favorecer um sistema nacional de logística mais competitivo e eficiente. E quando se fala em eletrificar ferrovias, o benefício vai além. Muito além, na verdade, pois no mesmo trilho eletrificado em que se deslocam as composições de carga também podem trafegar cabos de fibra ótica, internet e a própria energia elétrica, abastecendo regiões remotas e inserindo-se no sistema interligado nacional.
Tornar real um transporte urbano sobre trilhos de alta qualidade é uma tarefa não só necessária como totalmente factível. Ao lado de obras de infraestrutura, necessárias para viabilizar novos projetos, um elemento tem assumido importância capital nesse processo: a incorporação de fundamentos tecnológicos que ampliam a eficiência dos trens e do metrô, aumentando a disponibilidade e a agilidade dos transportes, além de aperfeiçoar a experiência dos passageiros. Conceitos como Internet das Coisas e Big Data já estão contribuindo para tornar o dia a dia do usuário brasileiro de transportes públicos mais produtivo.
Um exemplo é dado pela Linha 4-Amarela, do Metrô de São Paulo, fruto de uma Parceria Público-Privada e a primeira do Brasil a utilizar o sistema driverless (sem condutor), operando de forma totalmente automática. Quem já teve a oportunidade de viajar por ela sabe do que estou falando, especialmente se o passageiro tem a oportunidade de fazer o deslocamento em uma das extremidades do trem. Ali, por meio de amplos visores de vidro, é possível observar o movimento por entre os túneis, a chegada às estações e os momentos em que a composição passa por outros trens, no sentido contrário, tudo controlado automaticamente.
Essa experiência cotidiana para muitos passageiros só se torna possível pela enorme quantidade de tecnologia embarcada no sistema driverless, desenvolvido pela Siemens, que possibilita supervisão permanente de velocidade, automatização de paradas e partidas, regulando os intervalos entre os trens, aumentando a previsibilidade do sistema e, em última análise, melhorando a qualidade de vida de quem se utiliza do transporte coletivo.
A evolução dos transportes urbanos, no entanto, trafega por uma estrada que se ramifica em vários caminhos. Afinal, não basta à autoridade pública e à iniciativa privada conceberem um sistema eficiente de forma isolada, pois a maioria das pessoas que se deslocam pelas cidades depende de uma combinação de modais para chegar aos seus destinos. A digitalização, portanto, precisa ser incorporada não apenas em cada sistema, isoladamente, mas de forma ampla, considerando a rede de transportes que engloba trens, metrô, veículos leves sobre trilhos, ônibus, carros etc.
Iniciativas com esse objetivo já são reais. Aplicativos desenvolvidos nos últimos anos tornam o deslocamento mais ágil, mais rápido, mais barato ou uma combinação dessas variáveis, bastando para isso informar os pontos de partida e chegada. Procurando e comparando as opções de modais disponíveis, algoritmos mesclam trens, ônibus, carros e outras opções, com oferta de conveniência e previsibilidade ao passageiro. Outras ferramentas desse tipo avançam ainda mais na prestação de serviço, o que indica não apenas os meios de transporte, mas também os horários em que o passageiro deve embarcar, a fim de garantir pontualidade e praticidade em seus deslocamentos.
Os movimentos estratégicos das empresas atuantes nesse segmento reafirmam a importância do transporte sobre trilhos para os negócios e para a sociedade, hoje e no futuro. Ao enxergar com antecedência as necessidades da população e ajustar seu foco sobre soluções que atendem a essa demanda, a iniciativa privada contribui para que o cenário desafiador enfrentado hoje seja, aos poucos, uma lembrança do passado.
André Clark iniciou sua carreira na indústria de Papel & Celulose em 1995. Possui 17 anos de experiência nas áreas de Energia, Petróleo & Gás, Manufatura, Logística e Infraestrutura. Foi CEO da Acciona para o Brasil, Bolívia, Uruguai e Paraguai. Atualmente, é presidente e CEO da Siemens no Brasil, desde 1º de novembro. É bacharel em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo (USP) e possui MBA em Finanças e Gestão de Operações pela New York University Stern School of Business.
Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.
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