Artigo: A importância do transporte público na América Latina

Eleonora Pazos, chefe da Divisão Latino Américana da UITP
Eleonora Pazos, chefe da Divisão Latino Americana da UITP

Um rápido passeio pelo centro de qualquer grande cidade latino-americana será suficiente para afirmar quem domina o espaço urbano. Enquanto cerca de 100 milhões de carros (um para cada cinco pessoas) são usados diariamente, o transporte público vem perdendo espaço a cada ano. Os usuários frequentemente se deparam com operações inadequadas de transporte público com sistemas muitas vezes superlotados, resultando em qualidade de serviço extremamente pobre. Entretanto, o transporte público continua a ser uma alternativa de mobilidade importante para milhões de cidadãos.

A América Latina é composta por 36 países, com uma população de aproximadamente 517 milhões. Destes, 389 milhões vivem em áreas urbanas e 30% do total da população vivem em cidades com mais de 1 milhão de habitantes. As “Megacidades” concentram 14% da população (65 milhões), enquanto 222 milhões de pessoas vivem em cidades com menos de 500.000 habitantes.

De acordo com o UN-Habitat, a América Latina é a região mais urbanizada do mundo e espera-se que 90% da população do Cone Sul, até 2020, viverão nas cidades e a taxa de população urbana no continente, em 2050, atingirá 89%. O número de cidades na região aumentou seis vezes em 50 anos, mas o transporte público não seguiu este crescimento e agora há um grande déficit, o que incentiva o uso de automóveis e motocicletas.

América Latina e o Caribe têm uma estrutura de transporte público semelhante, com os sistemas sobre trilhos operados pelo poder publico e os sistemas de ônibus normalmente geridos pelo privado. Esta estrutura gera sistemas independentes com suas próprias características, por exemplo, sistemas sobre trilhos eficientes foram formados, mas com pequenas redes, devido ao baixo nível de investimento público. Entretanto, as redes de ônibus operadas pelo setor privado se espalharam e são agora o principal modo de transporte nas grandes cidades latino-americanas, porém a falta de estrutura institucional e a omissão por parte dos governos têm levado a sistemas ineficientes com baixa qualidade de serviço e informalidade excessiva.

O Brasil especificamente rompeu com este modelo adotando um processo de modernização das empresas operadoras de ônibus. Vinte anos atrás, as operadoras de ônibus sentiram a importância de formalizar o setor para sua própria sobrevivência, deixando de lado o modelo familiar de negócios para serem totalmente administradas por profissionais. Os reguladores buscavam melhorar a qualidade dos sistemas por meio da criação de regras claras de regulamentação e sistemas de concessão, ao mesmo tempo transferindo algumas responsabilidades de investimento à iniciativa privada. Simultaneamente, a expanção necessária das redes sobre trilhos exige muito investimento em curtos períodos, de modo que as autoridades brasileiras buscam modelos com grande participação do setor privado. Entre alguns exemplos no Brasil está São Paulo que alcançou excelentes resultados por meio de um modelo de PPP, que resultou na linha de metrô mais moderna da América Latina – um sistema totalmente sem condutor.

Na América Latina, as cidades cresceram rapidamente e sem planejamento o que gerou grandes implicações na infraestrutura, no saneamento, na habitação e no transporte público. Outro ponto preocupante é que as cidades estão se tornando menos compactas, o que gera uma pressão adicional para a expansão das redes de transporte público de alta qualidade.

Apesar do desenvolvimento do transporte público ser um desafio, existe agora uma grande oportunidade de planejar um sistema adequado de transporte público, ao planejar as futuras cidades e considerar que as redes de transporte público podem promover o crescimento sustentável.

Atualmente, o transporte público na América Latina exige mais do que investimento em infraestrutura; ele precisa do fortalecimento institucional, de mais formação de pessoal essencial para torná-lo tecnicamente conciente e preparado, para a definição de bons exemplos de projetos com os investimentos adequados para as necessidades globais dos cidadãos.

No geral, estima-se que 3% do PIB da região são investidos em infraestrutura, o transporte público é apenas uma pequena parte deste investimento. Mesmo com este desembolso relativamente baixo existem cidades que têm entendido que sem um transporte público eficiente perdem em competitividade.

BRT

Há mais de 50 cidades da região que investiram ou estão investindo em sistemas de BRT (Bus Rapid Transit) e corredores de ônibus – que transportam aproximadamente 16 milhões de passageiros todos os dias. A maioria destes avanços ocorreu ao longo dos últimos 10 anos – são exemplos as redes de enorme sucesso em Bogotá na Colômbia – inspirados pelo projeto de sucesso de 1980, na cidade de Curitiba, no Brasil. Estas inspirações resultaram na operação ou ampliação de muitos projetos de BRT mexicanos incluindo: Puebla, Pachuca, Monterrey, Guadalajara, Chihuahua, Durango, Ciudad Juárez, Ciudad del México e Leon. Atualmente, em estudos de viabilidade de projetos estão Mérida, Veracruz, Tuxtla Gutiérrez, Acapulco, Torreón e Tijuana. Também apresentaram um forte crescimento seguindo os bem sucedidos projetos brasileiros implantados para Copa do Mundo FIFA 2014 e os Jogos Olímpicos do Rio 2016, as cidades de Quito e Guayaquil, no Equador, Lima, Peru, além de muitas cidades na Colômbia e Guatemala.

Durante os próximos 10 anos, estima-se que mais de 4.500 km de rede BRT serão implantados em 200 cidades em todos os continentes, com 23% das novas redes na América Latina.

Outros modos

Algumas grandes cidades optaram por uma mistura de diferentes modos de transporte, enquanto muitas médias e pequenas cidades ainda não investiram em quaisquer políticas inovadoras.

Neste contexto, os sistemas de metrô também têm um papel fundamental de ser um suporte para a alimentação proveniente dos sistemas de BRT nas grandes cidades.

A maioria das linhas de metrô construídas na década de 1970 e 1980, com algumas exceções (Buenos Aires, Argentina), permanecem relativamente pequenas. No entanto, existem alguns grandes investimentos ocorrendo em novas linhas – São Paulo, no Brasil para mencionar apenas um – e para menores investimentos na ampliação da extensão, nas redes do México, Santiago e algumas outras cidades, além de novas linhas na América Central: Panamá, República Dominicana e Porto Rico.

Existem 18 cidades na região com sistemas de metrô que transportaram mais de 5 bilhões passageiros em 2014. Além disso, alguns novos sistemas elétricos foram recentemente criados em Santos, Brasil e Medellin, Colômbia.

Tecnologia inovadora

Outro ponto importante a observar no mercado Latino Americano é o investimento em tecnologias de transporte público necessário ao longo dos próximos anos, incluindo sistemas de pagamento avançados, cobrança de tarifas, inovações na emissão de bilhetes e informações aos passageiros.

Os sistemas de bilhetagem nas cidades brasileiras já são sofisticados, movimentando milhares de transações por dia; o Rio de Janeiro é um excelente exemplo, com o seu sistema de bilhetagem integrado (20.000 validadores instalados) através de redes de ônibus, metrôs, balsas e trens metropolitanos.

Alterações Climáticas

O transporte público é o elemento básico para combater as mudanças climáticas e as tecnologias limpas deste modo já podem ser encontradas em algumas cidades. As “Megacidades” têm investido massivamente, mas, é claro, há muito a fazer, apesar dos avanços significativos. O modelo básico que estas megacidades tem adotado combina as melhores práticas mundiais e baseia-se em diferentes alternativas de modos, o que também favorece a utilização de diferentes fontes de energia. Evidentemente, ele precisa de ajuste para acomodar a capacidade de investimento em cada caso. Um exemplo claro é o projeto piloto ônibus a hidrogênio para o corredor de BRT de São Paulo, região metropolitana que transporta 300.000 passageiros por dia.

Ao olhar para as médias ou pequenas cidades, as políticas de transporte são menos inovadoras e geralmente operam sob o mesmo modelo de política pública de 50 anos atrás, sem atrair nenhum benefício à diversificada gama de modos de transporte público ou fontes de energia atualmente disponíveis. O transporte público nessas cidades opera com veículos a diesel; de fato, 95% das cidades da região nada oferecem a mais do que transportes públicos operados com diesel, sejam ônibus ou táxis.

Portanto, é importante adotar uma nova estratégia de transporte público para a introdução de novas opções de energia, porque o aumento da participação de modos de sistemas elétricos complementando os sistemas a diesel existentes, é essencial para a redução das emissões locais.

Eleonora Pazos é chefe da Divisão Latino Americana da UITP. Ela tem trabalhado no transporte público e mobilidade na América Latina há 20 anos. Ela começou sua carreira em São Paulo, continuou sua carreira de consultorias em várias empresas de transporte e outras entidades de operadores públicos e privados. Eleonora é graduada em Planejamento Urbano, tem um Mestrado em Meio Ambiente e Gestão dos Recursos Naturais, além de uma licenciatura em Transporte Público e Uso do Solo da Universidade de São Paulo. O foco principal das responsabilidades de Eleonora é gerenciar a expansão da UITP na América Latina com o objetivo de integrar políticas e estratégias locais para o mercado global

03/05/2016 – Revista UITP