Dos R$ 153,5 bilhões prometidos pelo governo federal para ser investidos em mobilidade urbana desde 2011, apenas R$ 30 bilhões – menos de 20% – foram efetivamente gastos até o momento em obras de transporte público nos Estados e municípios brasileiros. Os números, revelados pelo próprio Ministério das Cidades, mostram que o país ainda caminha a passos lentos para oferecer à população transporte público rápido e eficiente.
“É pouco diante da demanda”, admite o secretário nacional de transportes e mobilidade urbana, Dario Rais Lopes. Para 2016, segundo ele, o cenário não é animador por causa da crise econômica enfrentada pelo país. Segundo dados do ministério, apenas R$ 1 bilhão deve ser contemplado pelo Orçamento Geral da União para projetos de mobilidade.
É inevitável que ocorra redução do ritmo das obras”, prevê Lopes. Ele lembra, porém, que o setor não depende apenas de recursos próprios do Orçamento, o que pode provocar um certo alívio nos canteiros de obras. “As obras vão andar em ritmo mais devagar, mas não devem parar.”
Dos R$ 153,5 bilhões anunciados para o setor, R$ 90 bilhões eram da carteira de obras da segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), lançado em 2011, e R$ 50 bilhões do Pacto de Mobilidade Urbana, prometidos pela presidente Dilma Rousseff após as manifestações contra o aumento da tarifa pública, em 2013. O restante é composto por financiamentos públicos via BNDES e pelas contrapartidas dos estados e municípios previstas nos contratos.
A complexidade das obras, a demora nas licitações, os problemas de licenciamento ambiental e a falta de projetos consistentes apresentados pelos Estados e municípios são alguns dos motivos alegados pelo governo para explicar os baixos números. Segundo Dario Lopes, a falta de investimentos em mobilidade nas duas últimas décadas do século passado provocou um apagão técnico no setor de engenharia de transportes que só agora começa a ser revertido.
“Quando houve a retomada do crescimento, a partir de 2005, as ideias sobre o que queriam fazer eram claras, mas os projetos, não”, afirma Lopes, referindo-se ao fato de os Estados e municípios terem de apresentar projetos técnicos consistentes para conseguir acesso aos recursos disponíveis.
De acordo com o ministério, caso sejam considerados todos os contratos em processo de licitação, contratação e execução previstos, o montante de recursos comprometidos pelo ministério sobe para R$ 47 bilhões. Entre as obras mais adiantadas com participação federal estão a construção do metrô de Salvador e os veículos leves sobre trilhos (VLTs) da Baixada Santista e do Rio de Janeiro.
“O Brasil passou por um grande período sem planejamento para investimentos de grande porte em mobilidade urbana e as consequências estão sendo sentidas agora”, diz o diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Marcos Bicalho. Ele lembra que a Política Nacional de Mobilidade Urbana, criada pelo governo federal em 2012, estabelecia que, até abril deste ano, municípios com mais de 20 mil habitantes deveriam apresentar um plano de mobilidade para captação de recursos para serem investidos na área. “Apenas 5% dos municípios fizeram seus planos”, afirma Bicalho.
Mesmo que os recursos prometidos desde 2011 fossem totalmente aplicados, o Brasil ainda estaria longe de resolver seus problemas de mobilidade urbana. Estudo feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aponta que o país precisaria investir pelo menos R$ 235 bilhões em obras relacionadas ao transporte público nas 15 principais regiões metropolitanas.
“Quanto maior a densidade urbana, maior a demanda por soluções de alta capacidade”, diz o chefe do departamento de mobilidade urbana do BNDES, Rodolfo Torres. Segundo ele, o objetivo do estudo é mostrar o tamanho do desafio em termos de mobilidade e a necessidade de planejamento para tentar solucioná-lo. “Não é possível resolver os problemas do dia para a noite. É necessário planejamento e investimento contínuo”, diz Torres.
Segundo Torres, um dos grandes entraves para o desenvolvimento do transporte público é a visão imediatista dos governantes. “Os programas de mobilidade devem ser um projeto de Estado e não de governo. Muitas vezes o governante não se sente incentivado a investir em um projeto que só vai ficar pronto no futuro”, diz Torres.
Em setembro, o Congresso Nacional promulgou uma Emenda Constitucional (EC 090/15) que inclui o transporte na lista de direitos sociais do cidadão previstos no artigo 6º da Constituição, ao lado da saúde, educação, alimentação, trabalho, moradia, lazer, previdência social e proteção à maternidade e à infância.
De acordo com a autora da proposta, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a medida obriga os governantes a desenvolver políticas para o setor. Os cidadãos agora também podem acionar o Ministério Público para fazer valer esse direito.
Enquanto os gargalos não são solucionados, os efeito da crise de mobilidade são sentidos na economia. Estudo divulgado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que o tempo perdido pelos trabalhadores no deslocamento casa-trabalho-casa provoca um prejuízo de R$ 111 bilhões por ano à economia. É a chamada “produção sacrificada” – quanto o trabalhador deixa de produzir por causa de problemas relacionados à falta de mobilidade, como cansaço, estresse e falta de estímulo para o trabalho.
Realizado em 601 municípios distribuídos em 37 áreas metropolitanas, o estudo mostra que os trabalhadores dessas regiões demoram, em média, 114 minutos – quase duas horas – nessas viagens diárias (contando a ida e a volta do trabalho). O estudo considera os deslocamentos diários superiores a 30 minutos como prejudiciais à produtividade. “Com o crescimento das cidades, os trabalhadores foram morar cada vez mais na periferia. Mas os empregos continuaram no mesmo lugar, nas regiões centrais”, diz o coordenador do estudo, o economista Riley Rodrigues.
Segundo ele, além de investimentos em mobilidade, é preciso repensar o desenho urbano de forma a pulverizar a oferta de empregos em diversas regiões da metrópole, contribuindo para a redução de deslocamentos. “É preciso desconcentrar a cidade e oferecer oportunidades em todo o território”, diz Rodrigues.
Para o especialista em transportes Eduardo Vasconcellos, consultor da Associação Nacional de Transportes Públicos, o transporte individual deve pagar pelo uso do espaço urbano. “Se fossem cobrados R$ 10 de todos os carros particulares que hoje estacionam de graça nas ruas de São Paulo, seriam arrecadados cerca de R$ 3 bilhões por ano, dinheiro suficiente para construir uma linha de metrô”, diz.