Outorga não pode cair em caixa único do governo, afirma especialista

Da esquerda para direita: Bruno Pereira, Joubert Flores e Paulo Resende. Foto: Marina Estarque/ Folhapress
Da esquerda para direita: Bruno Pereira, Joubert Flores e Paulo Resende. Foto: Marina Estarque/ Folhapress

Recursos de concessões devem ser usados para o desenvolvimento do próprio setor e não devem ser usados para o caixa único do governo. É o que defende Paulo Resende, coordenador do núcleo de Infraestrutura da Fundação Dom Cabral.

Resende compunha a mesa sobre Modelos de Concessões do Fórum de Infraestrutura de Transportes, promovido pela Folha, com o presidente da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores sobre Trilhos), Joubert Flores; e o coordenador do projeto PPP Brasil, Bruno Pereira. Eles debateram as vantagens e desvantagens dos vários modelos de concessão.

Para Resende, o modelo que o governo exige para fazer concessões com o pagamento de uma outorga —espécie de aluguel pelo uso do bem público— é justo, na medida em que os valores cobrados de boas concessões (que ele chama de “filé”) podem ser usados em outros ativos do mesmo setor que têm menos atratividade. Mas, segundo ele, se o governo não usa o dinheiro para desenvolver o setor de onde o dinheiro veio, isso reduz o desenvolvimento.

Para Resende, o pior modelo é o que repassa a uma mesma concessão os trechos de alta e baixa viabilidade. Segundo ele, dessa forma os trechos de baixa viabilidade acabam abandonados, como ocorreu com as ferrovias no Brasil. Para ele, outro modelo ruim é o que permite uma tarifa muito baixa para os usuários. Ele cita como exemplos as rodovias federais concedidas em 2007, que não conseguiram fazer as obras por falta de recursos no contrato.

“A melhor tarifa é a que garante retorno na qualidade do serviço que o usuário espera. Só pode ser obtida de forma técnica. Se politizar [a questão], vai ser difícil”, afirmou Resende.

MODELOS

Bruno Pereira, advogado que trabalha no monitoramento de contratos de PPPs no Brasil, disse que esse é um dos modelos para que o Estado consiga cumprir sua função de entregar aos cidadãos os serviços necessários. Segundo ele, esses modelos em que o Estado repassa à iniciativa privada os serviços serão cada vez mais usados.

Ele lembrou que as PPPs (Parcerias Públicos Privadas) têm sido cada vez mais usadas no país, já são 82, mas por estados e municípios. Numa PPP, o governo paga com recursos públicos parte das despesas da concessão. Ele defendeu que o governo federal passe a fazer transferências para os outros entes da federação direcionados para esse modelo como forma de incentivar o seu uso, que é mais eficiente do ponto de vista da qualidade do gasto público que o mais usado atualmente, a contratação direta.

“Não há incentivo na contratação direta para [a prestação do serviço público] ser eficiente”, afirmou Pereira.

CAROS

Joubert Flores lembrou que o país tem ainda uma demanda grande de prestação de serviços. Usando dados de seu setor, ele lembrou que o país tem hoje mil quilômetros de trilhos para transporte urbano e somente Pequim, capital da China, tem 500 quilômetros.

Segundo ele, os modelos de concessão e PPP estão ajudando a desenvolver o setor, já que sete das 13 linhas novas de transporte de trilhos em construção no Brasil usam esse tipo de contrato. A vantagem, para ele, é que os governos deixam de ser onerados pelos custos da operação. Diretor do Metrô do Rio de Janeiro, ele lembrou que quando o serviço foi concedido, a tarifa cobria apenas 22% dos custos.

“O estado deixou de ter que colocar dinheiro de impostos e ainda passou a receber outorga”, lembrou.

Joubert, no entanto, criticou o custo das obras no país. Segundo ele, um quilômetro de metrô no Brasil custa mais que em Tóquio, capital do Japão, onde as obras têm que ter cuidados com os tremores que ocorrem a cada sete minutos em média.

Para ele, é necessário que o governo tenha melhor qualidade para contratar e analisar os projetos para que no fim não ocorram sustos. “Se pudermos fazer mais barato, podemos fazer mais”, afirmou.
Resende lembrou que não há vontade de corrigir esse tipo de problema, já que empresas e governantes acabam não se prejudicando com a solução dada para equalizar os preços das obras quando há problemas de projeto, o chamado aditivo ao contrato.

“Só a sociedade perde com isso”, afirmou Resende.

PLANEJAMENTO

Perguntado pela plateia se concordava que o setor de transporte poderia se desenvolver com mais concorrência, Joubert defendeu que a competição entre modais é prejudicial ao funcionamento do sistema. Segundo ele, em todos os lugares desenvolvidos os governos têm um órgão para planejar e gerenciar o sistema para que ele seja eficiente sem competição, dando aos passageiros uma menor tarifa e melhor qualidade. Esse sistema em geral obriga que o passageiro tenha que usar mais de um modal para fazer o seu deslocamento mas que, ainda assim, é mais rápido e barato para o usuário.
“O que ajuda é fazer de forma o transporte de forma integrada”, disse Flores.

24/11/2015  – Folha de S. Paulo Online – São Paulo/SP