Apesar da crise, obras de mobilidade não podem parar

 Presidente da ANPTrilhos, Joubert Flores. Foto: Julio Fernandes/Agência Full Time

Presidente da ANPTrilhos, Joubert Flores. Foto: Julio Fernandes/Agência Full Time

O presidente da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos), Joubert Flores, concedeu entrevista à Agência CNT de Notícias. Ele falou sobre o desafio de expandir a infraestrutura metroferroviária e destacou a necessidade de manter a execução de obras, apesar da crise econômica e das dificuldades enfrentadas por empreiteiras, envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobrás. Flores também fez uma avaliação dos cinco anos de atuação da entidade.

O número de viagens individuais tem crescido de forma mais rápida que a expansão da infraestrutura. Quais os projetos que a ANPTrilhos considera necessários para atender a esse incremento na demanda?

Apesar de no ano passado não termos tido um crescimento do número de passageiros igual ao que conseguimos nos anos anteriores (em 2014, a elevação foi de 4%, frente a uma média de 10% registrada anteriormente), historicamente as redes não crescem mais que 3% ao ano. Então, a demanda de passageiros cresce mais que a oferta de lugares. Qual a leitura que fazemos disso? Em primeiro lugar, que existe interesse e necessidade de viagens. Hoje nós temos cidades onde se aglomera mais de 80% da população do Brasil, mas sem infraestrutura de transporte de massa e de alta capacidade, para que exista um sistema integrado, para que viagens mais longas sejam feitas em um sistema de trilhos, com menor tempo e maior segurança, alimentado por modais de transporte de menor capacidade. Vemos que em alguns lugares, como São Paulo e Rio de Janeiro há muitos projetos, se investiu muito nas redes (no Rio, por exemplo, o incremento chegará a 30% da rede que originalmente operávamos). Mas isso ainda não é suficiente. Até a situação econômica fez com que as obras sofressem uma diminuição de ritmo. Além disso, existem, no Brasil, inúmeras cidades com mais de um milhão de habitantes em que precisaria expandir ou implementar o sistema. São cerca de 20 projetos em andamento, alguns iniciados para a Copa do Mundo. Devemos preservar esses investimentos, para que não se percam. E existem outros 18 projetos com forte potencial para serem executados.

A maior parte dos municípios não conseguiu cumprir o prazo de entrega dos planos de mobilidade urbana. E sabemos que os projetos de implantação de metrô são de longo prazo, exigem planejamento por parte das administrações públicas e eficiência na execução dos projetos. Sendo assim, quais os desafios que enfrentamos, no país, para garantir que isso ocorra?

O investimento para implantar uma rede dessas não é pequeno. Mas ele tem que ser olhado do ponto de vista de todo ciclo de vida desse investimento. De maneira nenhuma o fato de operarmos trilhos nos transforma em inimigos de outro modal. A cidade, para ter mobilidade, e no fundo é o que todo mundo quer, tem que ter transportes integrados. Cada corredor deve ser alimentado de acordo com a demanda. Não vai valer a pena você instalar um metrô, que é mais caro, onde o ônibus, que é mais barato, pode atender à população de forma organizada. Mas não adianta achar que um sistema de BRT vai ter a mesma capacidade que um de metrô, que pode transportar ente 60 mil e 80 mil passageiros por hora, por sentido. E, apesar de o investimento não ser baixo, o que se pode fazer para torná-lo mais eficiente é um planejamento adequado.

A gente tem, no Brasil, pouco planejamento. Se as obras tivessem um projeto de engenharia mais adequado, o risco seria menor, porque teriam menos surpresas, tanto na questão geográfica, topológica, com todos sistemas avaliados. Como começamos primeiro, para encontrar as dificuldades depois, o valor planejado sempre ultrapassa o que estava previsto. Mas tem que ter outro entendimento, que é o seguinte: apesar de o investimento inicial ser maior, você tem um custo de investimentos ao longo do ciclo de vida que compensa isso, no sistema sobre trilhos. Porque você vai criar um sistema em que a manutenção da rede é um custo da operadora, diferente dos demais. Além disso, o trem é um ativo mais caro, mas mais durável. A carcaça de aço inox pode durar até 60 anos. Além da capacidade e do custo do ciclo de vida, também tem que levar em consideração a questão da sustentabilidade, uma vez que tem baixa emissão de carbono e baixíssimo nível de acidentes.

Segundo levantamento da ANPTrilhos, existem 20 projetos já contratados ou em execução para construção de mais 336 quilômetros de trilhos. Qual a expectativa da entidade para conclusão e início das operações desses trechos? De alguma forma, a crise econômica e os casos de corrupção, envolvendo grandes empreiteiras, pode afetar essas iniciativas?

Muitas dessas obras são feitas por grandes empreiteiras. Elas sofreram atrasos. Mas intervenções dessa natureza causam transtornos. Então, dificilmente você pode parar, porque senão a população vai conviver demais. Então, apesar de toda essa dificuldade, as obras devem ser concluídas e esperamos que os governos tenham esse entendimento. Se você faz uma paralisação completa, o custo vai tornar o projeto mais caro. Mesmo que atrasando, é mais ideal concluir, para que você possa entregar o resultado para a população.

Entre as propostas do setor de medidas que podem ser tomadas pelo poder público está a criação de um fundo de investimentos para projetos. Como esse fundo pode ser estruturado e de que maneira poderia ser utilizado pelos municípios?

A gente tem que olhar o que deu certo em outros lugares. A maioria das regiões metropolitanas fora do Brasil têm uma agência, que é autoridade no transporte. Porque não adianta você pensar na mobilidade de grandes cidades sem pensar nas pessoas que moram no entorno dela e que se deslocam para trabalhar. Então, ter algo que atenda toda a comunidade é muito importante. Nesses lugares, o custo de implantação não está associado a um estado ou municípios. Essas agências têm participação federal, da província ou do estado e dos municípios. O fundo tem origem nas três esferas e com algo diferente daqui. No Brasil, quando o estado consegue verba do governo federal, toma emprestado e tem que pagar, depois. Lá fora, a destinação é a fundo perdido. E os projetos representam melhoria na qualidade de vida da população. Então, a criação desse fundo é fundamental. Outra questão importante é a energia, insumo cujo valor, no último ano, quase dobrou. O custo, que era 2% para as empresas, hoje é de 20%, na média. Ninguém pensa em ignorar a dificuldade que o setor de energia enfrenta. Mas o serviço público de transportes tem que ser encarado como algo especial nesse contexto.

Como a questão da qualificação da mão de obra impacta no setor? Há necessidade de se ampliar a formação de profissionais para atuarem nas empresas que operam metrôs? Isso ocorre nas próprias empresas? O sistema poderia ganhar mais eficácia e eficiência com a oferta de cursos técnicos ou de programas de especialização voltados para a área?

O fato de termos ficado muito tempo sem investimentos no setor metroferroviário, inclusive ferroviário de cargas, provocou uma baixa na formação profissional. Em 10, 12 anos, reativamos isso, formamos gente. Muitas empresas têm algum tipo de universidade corporativa ou que dá capacitação específica para as tecnologias que usa. Mas é importante que, na graduação normal, os engenheiros também estudem sobre ferrovia, assim como mecânicos e eletricistas aprendam sobre manutenção, sem entender isso como formação específica. Existem escolas técnicas dedicadas ao setor, mas não podemos esquecer que, quando a pessoa faz um curso dessa natureza, ela aprende conceitos. O sistema que cada empresa usa é particular. Assim, você contrata a pessoa e ela só tem que entender esse sistema, já que ela teria o conceito a partir da formação acadêmica.

A ANPTrilhos está completando cinco anos. Quais as conquistas obtidas pela entidade e os desafios a curto e médio prazo?

Cinco anos é um período relativamente curto, mas conseguimos atingir alguns objetivos. Conseguimos congregar todas as operadoras de passageiros sobre trilhos. Com isso, mais de 99% dos passageiros que são transportados por trilhos no Brasil fazem parte do grupo de associadas. Também conseguimos nos tornar conhecidos e criar representatividade, de maneira que já temos contato estreito com poderes institucionais que têm atuação vinculada diretamente a nós. Eu digo Ministério das Cidades, nas comissões parlamentares de viação e transporte, por exemplo. Acho que conseguimos em relativamente pouco tempo cumprir esse papel. Nosso objetivo é mostrar para os tomadores de decisão a importância do modal sobre trilhos como estruturador e organizador do transporte nas cidades. E a gente tem conseguido fazer isso.

05/08/2015 – Agência CNT de Notícias – Natália Pianegonda