Avanço de metrôs e trens no país é lento e sofre ameaça de retrocesso

Expansão da malha em 2024 deve ser de 1,8%, aponta estudo da ANPTrilhos

10/09/2024 – Valor Econômico

A expansão da malha de metrôs e trens urbanos avança, mas a passos lentos e sob risco de retrocessos, apontam operadores e especialistas no setor. Em 2024, a ampliação da rede deverá somar 20,8 km, aumento de 1,8%, segundo levantamento da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos). Se consideradas todas obras públicas e privadas em execução ou contratadas, o potencial de ampliação chega a 10,6%, mas a previsão de conclusão é de pelo menos mais quatro anos, se não houver atrasos.

As entregas deste ano incluem a conclusão da segunda linha do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) na Baixada Santista; o aeromóvel que ligará o aeroporto de Guarulhos (SP) à rede da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos); e a expansão da Linha 1 do Metrô de Teresina.

“O investimento em trilhos no Brasil é cíclico, não tem estabilidade. Mas acho que hoje vemos uma retomada, embora pequena. No Novo PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] alguns projetos foram escolhidos como prioritários, e o Estado de São Paulo tem um crescimento, que pode não ser grande, mas é constante”, afirma Joubert Flores, presidente da ANPTrilhos.

Além de o país fazer pouco, ainda pode perder a linha da Supervia”
— Sérgio Avelleda

Desde 2014, a malha nacional avançou cerca de 15%. Até 2018, a ampliação da rede vinha num ritmo mais acentuado, mas depois disso despencou. Em 2021, o tamanho da malha chegou a encolher, devido à desativação de uma linha no Subúrbio de Salvador – que daria lugar a um novo monotrilho, mas que até o momento não saiu do papel.

Hoje, para além do problema da expansão lenta, o risco de retrocesso em algumas linhas por falta de investimentos é uma preocupação, destaca Sérgio Avelleda, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq. Futuro de Cidades do Insper. O caso mais difícil atualmente é o da Supervia, concessionária que administra linhas na região metropolitana do Rio de Janeiro e que tem risco de paralisar suas operações. A empresa está em recuperação judicial desde 2021 e hoje trava uma disputa com o governo do Rio de Janeiro para conseguir um reequilíbrio bilionário do contrato.

“Além de o país fazer pouco, ainda pode perder um ativo de mais de 200 km, a Supervia. Os trilhos estão sucateados, com trechos cada vez mais deteriorados e que podem perder capacidade operacional. Os ativos da CBTU [Companhia Brasileira de Trens Urbanos] em Recife, João Pessoa, Maceió, também estão se degradando por falta de investimento público”, afirma Avelleda.

Procurada, a Supervia sinaliza que segue em aberto o imbróglio junto ao governo do Rio. Na segunda (9), após audiência judicial entre governo e empresa, a Justiça determinou que a concessionária apresente “o quanto de aporte financeiro será necessário para manter a normalidade da operação, a ser realizado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro pelo período de 90 dias ou até conclusão das tratativas para a continuidade do serviço ferroviário” e que até o fim de setembro as partes terão que comprovar o encerramento das negociações. A CBTU não respondeu.

Para o especialista do Insper o avanço lento na malha do país é resultado principalmente de uma escassez de verba. “São obras caras, e temos uma limitação de recursos forte. Os trilhos disputam recursos com outros setores em que somos deficitários, como saneamento, moradia, logística de carga”, diz.

Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, observa que além da falta de recursos há falhas no planejamento e pouca vontade política dos governantes. “Se pegar os últimos 30 anos, o avanço é pífio. O planejamento de transporte não privilegia o transporte de massas, as prefeituras e Estados não têm recursos para isso e fazem paliativos. Há também um fator político, porque uma obra de metrô não começa e acaba dentro de um mandato, dificilmente é construído em quatro, mesmo oito anos.”

Para Flores, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) poderão impulsionar a ampliação da malha. “Tem uma carteira de projetos grande, torço que pelo menos uma parte caminhe”, afirma. Hoje, a maior parte dos projetos vêm do governo paulista, que após leiloar o Trem Intercidades de Campinas, tem outros 13 em estudo. O mais avançado é o das linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade.

Especialistas também veem nas PPPs uma forma de acelerar as melhorias, mas destacam que há limites. “O exemplo de São Paulo mostra que as parcerias conseguiram mobilizar uma expansão em ritmo maior. Mas não é uma panaceia. Na PPP o Estado entra com recursos, e temos uma limitação”, diz Avelleda.

Quintella também avalia que mesmo com as concessões o avanço deverá ser lento, dado que as obras, mesmo privadas, historicamente sofrem com atrasos, e os leilões têm sido espaçados.

Para a ANPTrilhos, a expansão da rede deverá ser a principal alavanca de retomada de passageiros nos metrôs e trens urbanos. Desde a pandemia, quando o fluxo de usuários do sistema despencou, os operadores do setor não se recuperaram. No primeiro semestre de 2024, o total de passageiros subiu 4,4%, na comparação anual. Porém, o patamar segue equivalente a 80% do nível pré-pandemia. “Para voltar ao que era antes vamos precisar de passageiro novo”, afirma Flores.