Novo PAC mira setor privado, mas atrair empresas é desafio

Foco em concessão agrada mercado, mas há risco de gargalos na estruturação, no financiamento e no interesse privado

A terceira edição do Programa de Aceleração do Crescimento, o Novo PAC, traz uma diferença marcante em relação aos programas federais do passado, o foco no investimento privado. A novidade foi recebida com otimismo pelas empresas, embora especialistas ouvidos pelo Valor considerem que há entraves para que o desembolso privado se transforme em realidade. Citam a capacidade do mercado de absorver tantos projetos em relativo curto espaço de tempo – a primeira fase do programa termina em 2026 -, dificuldades de financiamento e na estruturação dos projetos. Também será preciso garantir a atração de novos atores e resolver concessões problemáticas dos PACs 1 e 2 nas rodovias, por exemplo.

O eixo de transportes é um dos principais do Novo PAC, com investimentos previstos de R$ 349 bilhões em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias. Desse total, 73% são esperados que venham do setor privado. Os transportes só perdem, em termos de investimentos no programa, para a transição e segurança energética, que inclui o petróleo e gás, e para cidades sustentáveis e resilientes, capítulo que envolve o saneamento básico. Esta reportagem, a última de uma série publicada pelo Valor, discute pontos desses três principais eixos do PAC.

Embora a ênfase na maior participação privada seja uma novidade do PAC, o investimento público e estatal ainda é parte relevante do programa. Um exemplo está na indústria de petróleo e gás, que continua a depender quase exclusivamente de recursos da Petrobras, uma empresa estatal. A petroleira, sozinha, responde por 98% dos aportes previstos para este segmento no PAC: são R$ 328 bilhões de um total de R$ 335,1 bilhões.

O economista Samuel Pessôa, do FGV Ibre, mostra preocupação com aspectos do PAC 3: “Esse grupo político que está à frente do Executivo teve a chance de fazer seu programa de investimentos e os resultados foram ruins. Não estamos torcendo contra, mas a experiência prévia foi muito ruim”. Ele mostra-se surpreso, por exemplo, com a inclusão no programa da retomada das obras da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, uma bandeira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A Rnest foi um dos símbolos da má gestão da Petrobras na década passada. A unidade fazia parte das edições anteriores do PAC e foi responsável, só em 2014, por uma baixa contábil de R$ 9,143 bilhões no balanço da Petrobras relativos ao segundo trem de refino. O custo da Rnest, estimado em US$ 2 bilhões, saltou para mais de US$ 18 bilhões ao longo do tempo, mesmo sem o término das obras. A refinaria foi objeto das investigações da Lava-Jato por superfaturamento. Agora o plano é concluir a refinaria em 2027 com investimento estimado de US$ 1,5 bilhão (R$ 7,5 bilhões). O primeiro trem de refino da Rnest – que ainda precisa ser concluído – entrou em operação em 2014, com capacidade para processar 130 mil barris por dia, mesma capacidade do segundo trem (ver reportagem Petrobras segue como carro-chefe no petróleo e gás).

O novo PAC prevê a conclusão da Unidade de Abatimento de Emissões (SNOX) e o término do primeiro e do segundo trens de refino. Procurada, a Petrobras disse que todos os 47 projetos da empresa, incluídos no PAC, já estavam na carteira do Plano Estratégico da companhia para o período 2023-2027. “Quando houver a aprovação do Plano Estratégico 2024-2028, os novos projetos relevantes serão incluídos no PAC”, afirmou a estatal em nota.

Essa é outra característica do PAC: a inclusão na carteira de projetos que estão em andamento. A lógica vale para o óleo e gás, mas também para outros setores, como o de transportes. Boa parte dos investimentos do Novo PAC para este segmento está contratada, uma vez que os projetos foram fruto de leilões realizados em governos passados. Em ferrovias e em aeroportos, quase a totalidade dos investimentos está prevista em contratos existentes. Nas ferrovias, são R$ 88,2 bilhões de obras garantidas, de um total de R$ 94,2 bilhões, e, em aeroportos, R$ 9,2 bilhões, de R$ 10,2 bilhões.

Em rodovias, as concessões em andamento também têm peso relevante no Novo PAC: foram listados R$ 50,8 bilhões de investimentos contratados. Porém, a projeção com novos leilões supera a cifra e chega a R$ 62 bilhões. O desafio, neste caso, será garantir a atração dos investidores para os projetos, segundo especialistas do setor.

A meta de fazer 35 leilões rodoviários até 2026, anunciada pelo ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), é vista por analistas como difícil de se atingir. “Não é impossível, mas não há precedentes para algo assim. Será desafiador”, avalia Lucas Sant’Anna, sócio do Machado Meyer Advogados.

Especialistas citam dois possíveis gargalos. O primeiro é o processo de estruturação dos projetos que, em geral, levam de dois a quatro anos e dependem da estrutura de órgãos externos, como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Tribunal de Contas da União (TCU), observa Sant’Anna. O segundo é a incerteza em relação ao interesse do mercado. No primeiro leilão rodoviário da atual gestão, participaram dois grupos ainda sem contratos federais, um sinal positivo. Porém, houve apenas dois competidores. No mercado, a percepção é que até o fim de 2023 será possível dimensionar o tamanho do risco, dado que há novos grupos sondando as licitações.

Ao ser questionado sobre a viabilidade de se atrair grupos interessados a tantos leilões de rodovias, o ministro Renan Filho tem repetido que uma medida importante será resolver as concessões problemáticas dos últimos anos, que acumulam passivos milionários e disputas judiciais. Entre os projetos de PACs anteriores que fracassaram, estão as concessões da BR-040, em Minas Gerais, da Invepar; a BR-101, entre Espírito Santo e Bahia, da Ecorodovias, e o aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), da Triunfo e da UTC. Os três casos, assim como outros, resultaram em investimentos frustrados, obras paradas e uma série de disputas judiciais. Agora, a União tenta repactuar os contratos para destravar os investimentos.

Para as concessionárias, a resolução dos contratos é uma medida central do Novo PAC, segundo Marco Aurélio Barcelos, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). Ele considera que o maior espaço para a participação privada no Novo PAC é positivo: “Há uma diferença clara em relação aos PACs anteriores. Não é mais um caderno de obras. Uma diferença central é o anúncio explícito de preferência pelo capital privado”. Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), vai na mesma linha: “A participação privada é mais substantiva no Novo PAC. Não estamos vendo aquele suposto ranço da participação privada”.

Uma diferença central do Novo PAC é a preferência pelo setor privado”
— Marco Barcelos

Tadini avalia que outra questão central para impulsionar os investimentos é viabilizar o financiamento de todos esses projetos. “O BNDES precisa ser fortalecido. O banco está com orçamento menor do que no passado. Com o orçamento atual, não consegue levar adiante a missão. O BNDES tem feito ações para melhorar a estrutura de funding. Pode ter que limitar os dividendos, por exemplo. Banco de fomento não é para pagar dividendo”, diz.

A maior participação do BNDES no crédito embute o risco, em cenário de juros ainda altos, de que as empresas só aceitem entrar nos projetos se houver algum subsídio, política criticada por economistas preocupados com as contas públicas no país, como mostrou o Valor na primeira reportagem da série sobre o PAC, em 5 de setembro.

Sobre essa questão, Mauricio Muniz, da Casa Civil, afirma que houve diálogo com os bancos públicos: Banco do Brasil, Caixa, BNDES e BNB. “Levantamos a capacidade dos diversos fundings, FGTS, FAT etc. As previsões de financiamento que estão no PAC estão alinhadas com os bancos e com a capacidade financeira. Não é um chute, é uma estimativa a partir das regras atuais e da capacidade de funding dos bancos públicos e das fontes de recursos FAT e FGTS.”

Para além dos projetos privados, especialistas do setor de transportes avaliam que as obras ldo Novo PAC, embora relevantes, não deverão provocar grande transformação na malha logística. “É um plano que tenta fazer o que dá com o pouco que se tem. Não existe uma visão sistêmica, que privilegie a integração dos modais ou projetos estruturantes. É claro que qualquer melhora é bem- vinda, mas os investimentos não vão mudar a matriz de transportes do Brasil. Mesmo que as obras sejam realizadas, é pouco”, avalia Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes.

Entre os modais, o rodoviário concentra a maior parte dos recursos: R$ 186 bilhões, cerca de 53% do total. Se considerados apenas os recursos públicos, que somam R$ 92 bilhões, as estradas têm fatia ainda maior, com R$ 73 bilhões de intervenções que deverão vir do orçamento. “É um plano muito focado na recuperação do pavimento, o que é positivo porque pelo menos vai manter a malha rodoviária. São obras mais pulverizadas, sem projetos faraônicos. Mas faltam empreendimentos mais estruturantes de ferrovias e hidrovias”, afirma Quintella.

Para Maria Fernanda Hijjar, sócia-executiva do Instituto de Logistica e Supply Chain (Ilos), o nível de investimentos em transporte, em relação ao PIB, não deverá subir muito com o Novo PAC e deverá seguir abaixo de 1%. “O volume de recursos previsto não vai ser suficiente pra melhorar a posição do Brasil nos rankings de competitividade de infraestrutura.”

O Ministério de Portos e Aeroportos afirmou que o segmento de portos “prevê essencialmente investimentos privados”. Sobre os TUPs incluídos no programa, destacou que “os critérios adotados para aceitação e inclusão no PAC foram a maturidade dos empreendimentos e o licenciamento ambiental já obtido”. O Ministério de Transportes não se manifestou até a conclusão desta edição.

Outro segmento animado com os investimentos, mas ainda incerto sobre os resultados do Novo PAC é o de mobilidade urbana. Do total de R$ 48,8 bilhões de investimentos previstos, R$ 15,8 bilhões foram alocados a obras e concessões pelo país, e outros R$ 33 bilhões ainda não têm destino certo, dado que serão alvo de processo de “seleção”. “Nos outros PACs também havia vários investimentos em mobilidade, mas apenas uma parte pequena virou realidade. Temos que ficar atentos para que isso não aconteça”, diz Joubert Flores, presidente da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos).

Para ele, existe expectativa sobre o trabalho que o BNDES está fazendo junto às regiões metropolitanas, o qual poderá gerar novos projetos de qualidade e que poderão ser incluídos no programa. Será preciso esperar para saber os resultados a serem obtidos com o Novo PAC nesta e em outras áreas.

19/09/2023 – Valor Econômico

Arte: Valor Econômico