Plano prevê ferrovias curtas para desafogar o trânsito e contorno ferroviário para tirar trem de cargas de Rio Preto. VLT é a principal aposta do Estado para volta do transporte ferroviário de passageiros

O mesmo traçado ferroviário, que foi recebido com festa há 110 anos, hoje divide os moradores da região de Rio Preto. Com o crescimento dos municípios e a extinção do transporte de passageiros por trem, a mesma locomotiva que representava progresso ao passar pelos antigos vilarejos virou motivo de reclamação – principalmente pelo barulho e pelo risco de acidentes.

Foi assim que, na mesma cidade onde duas rodovias também cortam o perímetro urbano, o trem ficou distante da realidade. Isso porque, diferentemente das estradas de asfalto, o trem não é mais visto beneficiando diretamente a população, mas servindo apenas para o deslocamento de cargas. E até prejudicando o trânsito, já que as locomotivas paralisam o tráfego 24 vezes ao dia no Centro de Rio Preto. O incômodo somado aos acidentes – o maior deles em 2013, quando um descarrilamento matou oito pessoas no Jardim Conceição – somente amplificaram campanhas pela retirada dos trilhos da área urbana rio-pretense.

Como resposta, dois projetos preveem transformar a malha ferroviária da região de Rio Preto. O primeiro, em fase de audiência pública, é o do contorno ferroviário. Obra de 51,9 quilômetros de extensão que vai jogar a linha férrea para fora do perímetro urbano rio-pretense, mas que deve desapropriar 158 propriedades para sua construção.

O segundo, defendido pelo prefeito Edinho Araújo e pelo governo estadual, é o da implantação de ferrovias curtas através de veículos leves sobre trilhos (VLT), como forma de desafogar o trânsito e reativar a malha ferroviária no Estado.

Rosa Vieira Lima, 52 anos, é uma das moradoras do Noroeste Paulista que sentem na pele o impacto de morar perto da linha férrea. “É horrível. Em casa, não posso deixar aberta a porta do fundo, porque ela dá de cara com a linha e tenho medo dos meus netos serem atropelados”, diz a moradora de Catiguá.

Histórias como a dela são comuns na região. São pessoas que torcem pela volta do transporte ferroviário de passageiros, mas pela retirada dos trens de carga das cidades. “É importante a linha férrea, mas na cidade ela teria que ser somente para o transporte de passageiros, com trens menores e menor velocidade”, diz Rosa.

Para Germano Manuel Correia, professor e coordenador do curso de transportes terrestres da Fatec de Barueri, a falta de investimentos na malha ferroviária contribuiu para as ferrovias serem mais lembradas como transporte do passado do que do presente. “Desde 1950, paramos no tempo, em relação a investir em ferrovias. A única grande obra que tivemos desde então foi a ferrovia Norte-Sul”. A obra que está há mais de 30 anos para ser concluída.

Diferentemente da Europa, onde existe maior concentração de pessoas em curtas distâncias, no Brasil, pelo maior espaçamento entre as regiões metropolitanas, a volta do transporte ferroviário de passageiros de longa distância é taxada por especialistas como difícil de acontecer usando a atual malha ferroviária.

Eduardo Romero de Oliveira, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), explica que a volta somente seria válida, nos dias atuais, com o uso de trens de alta velocidade, como o trem-bala, ou de veículos leve sobre trilhos (VLT). “Mas, mesmo assim, precisaríamos de investimento. Uma porque a malha ferroviária paulista tem muitas curvas. Neste caso, teríamos que ter uma nova malha ferroviária para um trem de alta velocidade”.

Segundo Eduardo, para a retomada, é necessário tornar os trens competitivos, não servindo apenas de nostalgia para os amantes das ferrovias. “Em um mundo onde cada vez mais as pessoas têm pressa, o que será que elas preferem: uma viagem de trem de 12 horas, entre Rio Preto e São Paulo, ou levar seis horas de ônibus ou carro? Ou de avião, que em menos de uma hora você está na Capital? Esse novo trem de passageiro precisa ser vantajoso”, diz Oliveira.

Para Roberta Marchesi, diretora executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros (ANPTrilhos), trens de longa distância de passageiros podem ser implantados no Brasil a partir de investimentos. “O trem é tão competitivo como outros modais de transporte, mas precisa de investimento. Trechos como São Paulo-Rio e Brasília-Goiás, por exemplo, possuem extrema capacidade de retomar o transporte de passageiros sobre trilhos”, defendeu. (RC)

Como forma de voltar a colocar “o Brasil nos trilhos”, projetos de âmbito estadual e federal preveem transformar a malha ferroviária nos próximos anos. Em São Paulo, o governo estadual quer reativar trechos de linha férrea através de shortlines, que são linhas de trajeto curto, normalmente utilizadas por veículos leves sobre trilhos (VLT).

Para se ter uma ideia, dos quase 5 mil quilômetros de trilhos, o Estado de São Paulo tem somente 2,3 mil quilômetros ativos. “O transporte rodoviário soma 84% e o segmento ferroviário, 11%, sendo que, deste percentual, 9% estão geograficamente localizados dentro da Região Metropolitana de São Paulo (concentrado com CPTM e Metrô). Ou seja, nós temos de carga hoje somente 2%, que correspondem aos trens da Rumo”, disse Luiz Alberto Fioravante, coordenador do grupo de estudos das ferrovias de São Paulo, órgão da Secretaria Estadual de Logística e Transportes.

Para ele, o projeto do contorno ferroviário que tira o trem do Centro, além de beneficiar o transporte ferroviária de carga, pode diversificar o modal de transporte de passageiros da região. “Rio Preto está vocacionado a ter um VLT. Estas ferrovias no meio das cidades são cicatrizes urbanas que devemos ocupá-las”.

Roberta Marchesi, diretora executiva da ANPTrilhos, destaca que a construção da Política Nacional de Transporte Ferroviário de Passageiros deve fazer com que muitas ferrovias desativadas possam voltar a operar. “Essa política já é um grande avanço para a gente poder incentivar o transporte ferroviário de passageiros. E ela traz um ponto importante que faz com que o próximo governo (presidente) tenha que incentivar esse tipo de transposte”, acrescentou.

Para Germano Correia, da Fatec de Barueri, é necessário mais investimentos no transporte de cargas. “É muito mais econômico deslocar a safra de trem do que de caminhão. Ainda mais nos dias de hoje, com o preço do combustível lá em cima. Mas é preciso que o terminal ferroviário chegue próximo da safra.”

Contorno em 2026

A obra de retirada dos trens de carga de Rio Preto deve ser concretizada somente em 2026, segundo a Rumo. Somente a partir daí, a Prefeitura deve dar sequência à implantação de um VLT.

Com o contorno pronto, a expectativa é que o número de locomotivas passando pela malha ferroviária regional mais que dobre, de 24 para 50 trens. Da mesma forma, também deve crescer a velocidade: de 25 km/h (velocidade do trecho urbano) para 80 km/h.

Além de diminuir os riscos de acidentes, o contorno orçado em R$ 694 milhões deve “tirar” 13.050 caminhões das estradas, por dia, através do aumento do transporte de cargas via linha férrea. Isso porque, atualmente, cada composição que passa pela região, com 120 vagões, é capaz de transportar cerca de 11.500 toneladas úteis – volume equivalente à capacidade de 261 caminhões.

Agora, a Rumo espera licença ambiental da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) para início das obras. O traçado do contorno prevê iniciar ao sul do perímetro urbano de Cedral indo até a região do Jardim São Bernardo, em Mirassol. No projeto, estão previstos 21 viadutos e passagens inferiores, evitando os conflitos entre ferrovia e rodovia. Além disso, devem ser construídas 15 passagens para animais para evitar atropelamentos.

O Diário solicitou, ao longo de um mês, entrevista com representante da Rumo para saber detalhes do projeto e como seria realizada a desapropriação das 158 propriedades rurais onde o contorno passará, mas os pedidos não foram atendidos pela companhia. Em todas ocasiões, a companhia se resumiu a notas.

“Com relação às desapropriações, a concessionária informa que a equipe de gestão fundiária já fez uma primeira abordagem com os proprietários e voltará a procurá-los após a emissão da licença prévia (LP), que antecede a licença de instalação (LI), levando em conta eventuais alterações do traçado. Desde já, a Companhia se coloca à disposição para responder dúvidas dos proprietários que não tiverem sido sanadas durante as audiências públicas sobre o Contorno Ferroviário de São José do Rio Preto”, encerrou.

Trem Caipira

Enquanto o transporte de passageiro é só uma promessa, Rio Preto tem realizado passeios por meio do Trem Caipira. O veículo percorre trajeto de Rio Preto ao distrito de Engenheiro Schmitt, num trecho de 10,5 km, percorridos em 45 minutos. (RC)

VLT – Veículo leve sobre trilhos

O veículo leve sobre trilhos (VLT) é assim denominado porque é mais leve do que os trens e metrôs. Suas composições são menores e custam menos para a administração pública. Outra diferença é que o VLT não ocupa tanto espaço, faz pouco barulho, sendo recomendado para trilhos que passam no meio de cidades, como no caso de Rio Preto.

Capacidade: entre 240 e 400 passageiros

Velocidade: de 10 a 25 km/h, podendo atingir velocidade máxima de 70 km/h

Projeto: em Rio Preto, a implantação do VLT seria no trecho entre Cedral e Mirassol.
Após a retirada dos trens de carga através do contorno ferroviário, em 2026, a Prefeitura pretende conseguir autorização junto da União para conceder à iniciativa privada a linha férrea, com objetivo de implantar um VLT

Exemplos: Santos (SP) e Rio de Janeiro (RJ) são exemplos de cidades brasileiras que tiveram sucesso com a implantação de veículo leve sobre trilhos. Na Baixada Santista, por exemplo, estima-se que 100 mil pessoas já utilizam o VLT

Contorno ferroviário

O projeto deve acabar com o intenso vaivém de trens que cortam a área urbana de Rio Preto e municípios vizinhos, como Mirassol e Cedral. Com previsão de conclusão em 2026, o contorno ferroviário vai mudar o traçado da linha férrea regional. O projeto de retirada dos trens de carga da área urbana da cidade ganhou força após um descarrilamento de dez vagões carregados com milho matar oito pessoas em Rio Preto, em 2013. Com o contorno ferroviário, a Rumo espera dobrar a quantidade de carga transportada e triplicar a velocidade dos trens no trecho.

Custo: R$ 694 milhões

Cidades onde deve passar: Bady Bassitt, Cedral, Mirassol, Nova Aliança e Rio Preto
Extensão: 51,9 quilômetros

Desapropriações: 158 propriedades rurais foram identificadas para desapropriações
Prazo: 38 meses (até 2026)

Carga transportada: passam pelos trilhos da região combustíveis, óleo vegetal, celulose, fertilizantes, cimento e cargas diversas como bens de consumo transportadas em contêineres.

Importância: a malha ferroviária regional é a principal do eixo São Paulo. Em média, por dia, 24 trens passam pela região, sendo 12 no sentido Porto de Santos (SP) e 12 no sentido Rondonópolis (MT).

25/06/2022 – Diário da Região