Com desemprego e ‘home office’, setor prevê retomar patamar pré-pandemia entre 2023 e 2024
O setor de metrôs e trens urbanos teve um pequeno avanço em 2021, mas ainda está longe de se recuperar do enorme tombo provocado pela pandemia. No ano passado, o fluxo de passageiros no país somou 1,8 bilhão, 4,8% acima de 2020. O número ainda representa queda de 44,1% na comparação com o patamar de 2019, anterior à crise sanitária. Os dados são do relatório anual da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos), enviado em primeira mão ao Valor.
O mercado abandonou a expectativa de retornar ao patamar pré-covid ainda em 2022 – as projeções para essa recuperação variam entre 2023 e 2024. A situação representa rombo enorme para as empresas que prestam o serviço. Em 2021, o déficit do setor (considerando empresas públicas e concessões privadas) foi calculado em R$ 9 bilhões.
Para Joubert Flores, presidente da associação, o setor terá que lidar com uma nova realidade daqui para frente, com a perspectiva de que o trabalho remoto se manterá em várias empresas, mesmo com a melhora da pandemia.
“Há uma expectativa de que o fluxo de passageiros continue crescendo. Porém, com a mudança de hábitos da população, dificilmente atingirá 100% neste ano. Se chegarmos a 80% [da movimentação anterior à pandemia] já será uma recuperação considerável”, diz ele.
A crise econômica também tem forte impacto no setor. O desemprego é um dos maiores problemas para a SuperVia, concessionária dos trens urbanos da região metropolitana do Rio de Janeiro, utilizado por uma população de baixa renda, entre eles, funcionários do setor de serviços e trabalhadores informais.
“A recuperação tem sido muito lenta. Para nós, a questão do ‘home office’ não afeta tanto, mas enquanto a economia estiver fraca e o desemprego alto, não haverá retomada”, avalia o presidente da concessionária, Antonio Carlos Sanches. A nova onda da pandemia, em janeiro deste ano, também afetou os resultados, que ficaram abaixo das projeções – já bastante conservadoras – traçadas pela empresa, diz ele.
O Rio de Janeiro vive a situação mais preocupante. É o único local que continuou perdendo passageiros em 2021 – o Estado movimentou 249 milhões de pessoas, queda de 1,5% na comparação com 2020. Enquanto isso, São Paulo teve aumento de 4,9%, com 1,3 bilhão de passageiros, e a região Nordeste (Salvador, Maceió, João Pessoa, Recife e Natal) registrou alta de 12,7%, com 165 milhões de usuários.
Além dos impactos da pandemia e da economia, a operação no Rio de Janeiro também convive com os graves problemas de segurança pública.
Além dos tiroteios, que eventualmente interrompem as viagens, a SuperVia tem sofrido com uma disparada no roubo de cabos de sinalização, cabos de energias e até de peças de equipamentos feitos de cobre – o que gera gastos adicionais e afeta a operação. “Não são mais casos de furtos individuais e menores. Hoje temos quadrilhas especializadas e fortemente armadas fazendo isso”, afirma Sanches.
Só em 2021, a empresa contabiliza 1.492 viagens interrompidas devido aos problemas gerados pelos furtos.
Em razão dos graves efeitos da crise, a SuperVia, controlada pela japonesa Mitsui, entrou em recuperação judicial em junho de 2021, para renegociar uma dívida de R$ 1,2 bilhão. O grupo ainda não conseguiu aprovar seu plano de reestruturação. A assembleia geral de credores realizada ontem foi, mais uma vez, suspensa e remarcada para abril.
Em paralelo, a companhia também negocia com o governo fluminense o pagamento do reequilíbrio econômico-financeiro da concessão, devido ao impacto da pandemia. As conversas, porém, ainda estão em curso, segundo o presidente.
Este é mais um agravante do Estado: os contratos de concessão, por serem mais antigos, não têm mecanismos automáticos de compartilhamento de riscos, como é o caso das operações privadas em São Paulo e Bahia, por exemplo. Por isso, as companhias dependem de uma negociação para receber as compensações do Estado – que por sua vez também vive uma crise fiscal.
23/02/2022 – Valor Econômico