Ferrovias: Senado aprova marco legal para atrair investimentos privados no setor

Principal inovação é possibilidade de explorar ferrovias por meio de autorização, com menor controle governamental. Texto vai à Câmara; governo editou MP com o mesmo tema.

O Senado aprovou nesta terça-feira (5) o projeto que cria um novo marco legal do setor ferroviário no país. O objetivo da proposta, segundo senadores, é facilitar processos e tornar o investimento em ferrovias mais atraente para empresas privadas. O texto vai à Câmara.

A proposta está em análise pelo Senado desde 2018, quando foi apresentada pelo senador licenciado José Serra (PSDB-SP). Até esta terça, o texto não havia sido analisado em plenário.

Em agosto, o governo Jair Bolsonaro editou uma medida provisória sobre o tema, o que levou o Senado a priorizar a votação do projeto.

Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) defende a atualização da legislação sobre ferrovias no país por meio do projeto de lei e não pela medida provisória.

Medidas provisórias começam a valer assim que são publicadas no “Diário Oficial da União”, mas precisam ser votadas pelo Congresso em até 180 dias para não perderem a validade. A MP do marco legal das ferrovias está em análise na Câmara, para onde também será enviado o projeto aprovado pelo Senado.

Autorização ferroviária

O texto aprovado pelo Senado nesta terça é uma versão proposta pelo relator do projeto, Jean Paul Prates (PT-RN). A ideia é criar uma legislação nacional que valha, também, para a operação estadual das linhas.

Um dos principais pontos da proposta é a possibilidade de autorização à iniciativa privada para a construção e compra de ferrovias e para a exploração do transporte sobre trilhos em regime privado.

Atualmente, a infraestrutura e o transporte ferroviários são explorados pelo regime de concessão. Neste modelo, o controle do Poder Público sobre a atividade é maior, com restrições à atividade econômica da concessionária, que, em contrapartida, tem menos riscos econômicos. O modelo de concessão também é previsto na proposta.

No regime de autorização, a participação governamental é menor – há uma predominância do interesse privado. Os riscos para o investidor são maiores, mas o retorno financeiro também tende a ser mais elevado.

Diferentemente do regime de concessão, a autorização pode ser concedida sem que haja uma licitação formal. A outorga pode ser feita mediante um contrato de adesão, desde que a proposta atenda aos requisitos previstos na lei.

De acordo com o governo, a partir do regime de autorizações, também previsto na medida provisória editada em agosto, já foram apresentados 14 pedidos privados de novas ferrovias, com as previsões de construção de cerca de 5,3 mil quilômetros de trilhos e de investimentos de mais de R$ 80 bilhões no setor.

“Um terço das ferrovias construídas existentes no Brasil hoje, que já outrora foram concedidas ou operadas de algum jeito, um terço da malha ferroviária hoje está ociosa, portanto sem operação. O marco legal das ferrovias devolverá a vida a vários ramais ferroviários pelo Brasil”, afirmou o relator Jean Paul Prates.

“Esta lei propicia uma caixa de ferramentas regulatórias que o governo pode utilizar Ele pode utilizar mais intervencionista, menos intervencionista, mais atrativo, menos atrativo, mais controlado, menos controlado, para ferrovias troncais, para estruturantes, para acesso aos portos e para as linhas curtas, aquelas que vêm de uma fazendinha em que o cara quer fazer uma ferroviazinha para escoar o milho dele até uma troncal”, acrescentou o senador.

O contrato de autorização

Pela proposta, a autorização para exploração de ferrovia pela empresa requerente – ou vencedora de processo seletivo caso haja mais de uma interessada no trecho – deverá ser formalizada em contrato com prazo determinado.

O contrato deve ter duração mínima de 25 anos e máxima de 99 anos. O prazo poderá ser prorrogado por períodos sucessivos, desde que a empresa autorizada manifeste prévio e expresso interesse, e esteja operando a ferrovia com padrões mínimos de segurança, produção de transporte e qualidade.

O texto prevê que o poder público poderá vender, ceder ou arrendar à operadora privada bens públicos para a constituição da infraestrutura ferroviária.

O contrato deverá conter uma série de cláusulas, como:

• prazo de vigência;
• capacidade de transporte;
• programação de investimentos previstos;
• direitos e deveres dos usuários;
• regras técnico-operacionais;
• condições para promoção de desapropriações;
• penalidades e formas de aplicação de sanções.

A proposta também prevê as hipóteses de extinção da autorização outorgada, como cassação, anulação e falência da operadora.

Pedido de autorização

O pedido de autorização ferroviária apresentado pela operadora privada deverá conter uma série de informações técnicas, entre as quais:

• minuta do contrato de adesão e memorial com os dados técnicos e condições de financiamento;
• indicação do percurso total e das áreas adjacentes;
• estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental;
• características da ferrovia;
• cronograma de implantação, com data para início das operações.

Outros pontos

O texto também define as regras de operação do serviço ferroviário, definindo que a operadora será responsável por toda a execução do transporte e dos serviços acessórios, pela qualidade do serviço prestado aos usuários e pelos compromissos que assumir no compartilhamento de sua infraestrutura e no transporte multimodal.

O projeto prevê que a operadora deve oferecer serviço regular de ouvidoria e poderá negociar ou comercializar produtos e serviços no interior dos trens de passageiros, nas estações e demais instalações.

A proposta define ainda regras para o compartilhamento de infraestrutura ferroviária entre operadoras autorizadas de diferentes trechos, com valores negociados livremente entre as partes, com atuação da ANTT em caso de conflito.

Outra inovação do projeto é a ideia de autorregulação, pelas operadoras ferroviárias, dos aspectos técnico-operacionais das ferrovias, como parâmetros para o tráfego de trens em um determinado trecho. A autorregulação passa a ser a regra, e a exceção será a interferência da agência reguladora do setor, a ANTT, nos aspectos técnicos.

O projeto também prevê a possibilidade de migração das operadoras ferroviárias do atual regime de concessão para o novo regime de autorização, a critério da agência reguladora do setor, a ANTT. Nesse caso a concessionária terá de pagar pelo uso de bens públicos necessários à realização do transporte.

O texto estabelece mecanismos para devolução de partes da malha ferroviária que estejam abandonadas pelas concessionárias, permitindo ao governo a realização de chamamento público para a autorização de exploração desses trechos. O objetivo é resgatar e viabilizar trechos inoperantes.

A proposta permite a instalação de nova infraestrutura ferroviária em zonas urbanas desde que sejam observados o plano diretor municipal e o plano de desenvolvimento urbano integrado.

As operadoras das ferrovias também poderão explorar o entorno das estações ferroviárias, com a construção de shoppings, escritórios e outras áreas comerciais, como ocorre em outros países.

O relator acolheu sugestão da liderança do governo no Senado para assegurar que os pedidos de autorização já apresentados pela iniciativa privada não serão afetados pelo direito de preferência das concessionárias previsto na proposta.

O texto prevê que, nos primeiros cinco anos de vigência da lei, caso a ferrovia pretendida ou oferecida esteja localizada dentro da área de influência de uma concessão já existente, o concessionário terá direito de preferência para obtenção de autorização.

05/10/2021 – G1 Brasília