Em 2018, a quantidade diária de passageiros transportados por ônibus em grandes cidades brasileiras foi aproximadamente 60% do que era registrado em meados da década de 1990. Essa redução revela a fragilização dos sistemas de transporte coletivo em favor de um padrão de mobilidade individual. O processo está relacionado a mudanças de padrão de consumo de bens e serviços de mobilidade nas últimas décadas, conforme constata estudo publicado nesta terça-feira (03/8), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Realizado em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o estudo mostra que, em 2018, 70,4% das famílias brasileiras realizaram gastos com transporte urbano, sendo que menos da metade (45,5%) das famílias teve despesas com transporte coletivo, enquanto que 71,4% tiveram gastos com transporte individual motorizado.

A publicação observa ainda que, em praticamente todas as regiões metropolitanas brasileiras, as tarifas dos sistemas de ônibus e o custo do óleo diesel cresceram acima da inflação. Também informa que, entre 2001 e 2015, o tempo de deslocamento das residências dos moradores para o trabalho aumentou em praticamente todas as metrópoles. Em paralelo, a frota de veículos individuais motorizados (automóveis e motocicletas) aumentou em 331%, de 2001 a 2020 no país; tendo em vista que os veículos próprios novos ficaram mais baratos e os ajustes dos preços da gasolina ficaram abaixo da inflação, até meados de 2016, em parte como resultado das políticas de subsídio por isenções tributárias.

Intitulado ‘Tendências e Desigualdades da Mobilidade Urbana no Brasil I: o uso do transporte coletivo e individual’, o estudo foi escrito pelos pesquisadores Rafael Pereira, Lucas Warwar, João Parga, João Bazzo, Carlos Kauê Braga, Daniel Herszenhut e Marcus Saraiva. Dados levantados pela pesquisa mostram que a crescente substituição do transporte público pelo transporte privado traz consequências negativas para o meio ambiente e para a saúde pública. Além disso, o processo gera um padrão de urbanização excludente, que compromete a economia e o bem-estar da população.

O trabalho compõe um conjunto de três estudos com objetivo de produzir insumos para discutir e aprimorar a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que trata das ações e dos projetos executados pelo governo federal relacionados ao tema. De acordo com Pereira, a contribuição do estudo foi elaborar um diagnóstico atualizado e, de certa forma, histórico sobre a mobilidade urbana. “O diagnóstico consegue recuperar as principais tendências e padrões de mobilidade urbana no Brasil, desde a década de 70 até os dias de hoje, de uma maneira que consegue consolidar num único estudo várias tendências em dimensões diversificadas, seja gasto com transporte, tempo de viagem, desigualdades sociais e custos dos sistemas de transportes”, esclareceu.

Para o pesquisador, as análises feitas apontam para a tendência de decréscimo do uso e da demanda por transporte público e de aumento do transporte privado. “É fundamental trazer um estudo sistemático e amplo, que consegue cobrir várias perspectivas da mobilidade urbana, mostrando que todas são coerentes apontando numa mesma direção, o que é muito preocupante para o encaminhamento que estamos dando para as condições de mobilidade urbana e transporte no Brasil”, comentou.

Pereira observou ainda haver redução dos níveis de acessibilidade das populações mais pobres ao sistema de transporte público e informou que o tema será abordado em um próximo estudo exclusivo que o mesmo grupo de pesquisadores está elaborando para o MDR. “Uma das principais consequências da migração do transporte público para o privado é o aumento do congestionamento. Isso afeta a população mais pobre que vai ficar presa no trânsito dentro do ônibus. Na prática, isso acarreta um aumento do custo monetário do sistema de transporte público porque, quanto menos usuários, mais cara é a tarifa”, disse.

O pesquisador explicou que a tarifa do sistema de transporte público é calculada pela divisão de todo custo do sistema pela quantidade total de passageiros. “Se diminuímos a base de passageiros, o custo da tarifa por passageiro vai ficando mais caro. Então, essa migração do transporte público para o privado vem contribuindo como um dos fatores para o encarecimento do transporte público e, isso afeta a capacidade da população de baixa renda em usar esse sistema. Portanto, sua capacidade de se locomover pela cidade para acessar oportunidades de saúde, emprego, educação”, afirmou.

Covid-19

Dentro desse contexto de mudança na tendência histórica de aumento do uso do transporte privado e de redução do transporte público, o país passou a enfrentar a pandemia de Covid-19. “O que a pandemia fez foi fundamentalmente aprofundar os problemas que já vínhamos observando”, destacou Pereira.

Na avaliação do pesquisador, a pandemia traz em conjunto uma crise de saúde pública e uma crise econômica, sendo que esta última significa menos crescimento econômico e, principalmente, menos arrecadação para os governos federal, estaduais e municipais. “O sistema de transporte público no Brasil tem um vício no seu desenho que é essa condição em que praticamente todo o recurso necessário, para mantermos o seu funcionamento, depende da tarifa paga pelo usuário. O que faz com que o sistema fique muito vulnerável nesses contextos de crise econômica ou numa pandemia como essa que estamos vivenciando”, examinou.

Clique aqui e Leia a íntegra do estudo.

03/08/2021 – IPEA