Setor pode perder até 30% dos passageiros mesmo depois do fim da pandemia

Para retomar um tratamento contra um câncer, a babá Elisa Nogueira, 59, precisou voltar a usar o metrô em setembro, depois de seis meses em isolamento. No trajeto entre as estações Tucuruvi (zona norte) e Ana Rosa (zona sul), na linha 1-azul do Metrô de São Paulo, ela sentiu medo. “Falam para manter o distanciamento, mas como, se o metrô está cheio?”

Elisa é uma das milhões de pessoas que, por mudança de rotina ou temor de contaminação, abandonaram o metrô e os trens na pandemia. Em todo o país, de março a agosto, foram cerca de 978 milhões de viagens a menos —redução que chegou a um pico de 85%, segundo a ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos).

Com a receita baseada principalmente em tarifas, o setor já acumula mais de R$ 5,6 bilhões de prejuízo neste ano.

Mesmo com a reabertura gradual da economia, a demanda ainda é a metade do que era antes da chegada do novo coronavírus. “Seja porque pessoas perderam o emprego ou pelo trabalho em home office, ainda seria uma perda de 25% a 30% —cerca de 3 milhões de passageiros a menos por dia— no melhor cenário”, afirma João Gouveia, vice-presidente da ANPTrilhos.

O Metrô de São Paulo, o maior do país, chegou a perder 81% de seus passageiros —cerca de 4 milhões a menos por dia—, e em agosto transportou 57% do esperado. O prejuízo acumulado já soma mais de R$ 1,2 bilhão.

Com a queda na arrecadação, o transporte sobre trilhos viu aumentar sua dependência de recursos públicos para se manter. Assim como os ônibus, o setor aguarda a aprovação do projeto de lei 3.364/2020, que prevê auxílio federal de R$ 4 bilhões para sistemas de transportes.

A longo prazo, gestores apontam a necessidade de um modelo de receitas mais diversificado. Fontes não tarifárias, como comércio e publicidade, renderam R$ 247 milhões ao Metrô de São Paulo em 2019, o equivalente a 12% das receitas totais. Essa taxa chega a 40% na malha operada pela JR East, no Japão.

Segundo Marcus Quintella, coordenador do FGV Transportes, Centro de Estudos em Transportes, Logística e Mobilidade Urbana da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, o metrô também poderia se beneficiar da reversão de tributos. “Só o que a linha 1-azul gerou de estruturação da cidade, valorização imobiliária, impostos e comércios perto das estações remunera tudo o que já foi gasto”, diz.

Outra fonte de receita seria a taxação do transporte individual por meio de cobrança de parquímetros, impostos sobre combustível e taxas de congestionamento, em vigor em Londres e uma das propostas em estudo para conter a crise que também afeta o metrô de Nova York.

Expansão do Metrô de São Paulo pode ficar comprometida

Considerado essencial para garantir mobilidade urbana sustentável, o transporte sobre trilhos foi responsável pelo deslocamento de 37% dos passageiros na Grande São Paulo em 2019 (2,3 bilhões de viagens). O ônibus, meio de transporte mais usado, fez 4,1 bilhões de viagens.

Inaugurado em 1974, o Metrô de São Paulo tem 101 km, o que equivale a 2,2 km construídos por ano.

Segundo especialistas, o ideal seria cobrir ao menos 350 km. Para se ter uma comparação, Londres conta com 402 km de linhas, Nova York, 380 km, e Cidade do México, 201 km.

O ritmo de expansão, no entanto, não dá indícios de acelerar. Dos cerca de R$ 2 bilhões destinados à expansão e modernização das linhas, previstos no início do ano, o valor foi reajustado para R$ 1,57 bilhão.

A linha mais afetada é a 17-ouro do Monotrilho, em construção desde 2012. Idealizado para ligar o estádio do Morumbi ao Jabaquara (zona sul) a tempo da Copa do Mundo de 2014, o projeto foi reduzido a um trecho de 7,7 km que prevê transportar 171 mil pessoas do aeroporto de Congonhas à estação Morumbi da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

Seu futuro, porém, é incerto após judicialização das licitações para a finalização das obras e a estrutura dos trens.

Parcerias público-privadas e concessões têm sido estratégias do governo estadual para ampliar o sistema. É o caso das linhas 4-amarela e 5-lilás, administradas pelo grupo CCR, e da linha 6-laranja, que teve suas obras retomadas no dia 6 de outubro após quatro anos de paralisação. Ao custo total de R$ 15 bilhões, a linha terá 15 estações, devendo transportar 630 mil pessoas diariamente da Brasilândia (zona norte) a São Joaquim (centro). A entrega está prevista para 2025.

Outra fonte alternativa pode vir do investimento municipal. Da gestão Gilberto Kassab (2008-2012) até meados do governo Fernando Haddad (2015), a capital repassou mais de R$ 1 bilhão ao metrô, que foi investido nas linhas 4-amarela, 6-laranja e 17-ouro.

O apoio federal deveria ser ainda maior para viabilizar a expansão, segundo a pesquisadora Daniela Costanzo, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). “Investimentos de PPP ou Banco Mundial, um dos financiadores da linha 4-amarela, mostraram não ser suficientes, tanto por criar uma dívida em dólar, como por gerar acordos que favorecem a iniciativa privada”, afirma.

No momento de crise, a parceria privada ainda é o foco da gestão. “Vai trazer racionalidade operacional e competitividade”, diz Paulo Galli, secretário executivo dos Transportes Metropolitanos de São Paulo, citando as concessões previstas das linhas 7-rubi, 8-diamante e 9-esmeralda (CPTM) e do Trem Intercidades (São Paulo a Campinas).

Enquanto a malha de trilhos demora a crescer, o barman Luiz Fernando Santos, 21, ainda depende do ônibus para ir de sua casa, em Paraisópolis (zona sul), ao trabalho, no Itaim Bibi (zona oeste). “As peruas de Paraisópolis já estão em estado crítico”, diz.

Com 100 mil habitantes, a favela de Paraisópolis constava no projeto original da linha 17-ouro do monotrilho. O trecho foi suspenso e não tem perspectiva de retomada.

Hoje, o ônibus ainda é a única forma de acessar as estações mais próximas, a mais de 4 km de distância.

12/10/2020 – Folha de S.Paulo / Lab 99+Folha de Mobilidade Urbana