Há quem diga que a pandemia do novo coronavírus é o momento mais difícil para a humanidade desde a Segunda Guerra Mundial. Para os sistemas de transporte coletivo de passageiros, não há dúvida de que é. No Brasil (e no mundo), as empresas enfrentam uma queda na demanda sem precedentes na História, com o agravante de não haver uma luz no fim do túnel que indique a retomada das condições como eram antes.
Mas é no estado do Rio de Janeiro, mais especificamente na capital fluminense, que a situação ganhou contornos dramáticos. Em nenhuma outra grande cidade do país se viu operadoras metroferroviárias falando abertamente que iriam paralisar seus serviços, caso uma solução financeira de curto prazo não chegasse a tempo por parte do governo.
Do mar aos trilhos e vias da cidade, a situação dos transportes no Rio é nebulosa. MetrôRio e SuperVia afirmam que não têm condições de manter a operação com uma receita que desabou, em decorrência da queda abrupta de passageiros que acontece desde março. Abril e maio foram os meses mais críticos, em que a número de usuários chegou a cair mais de 80% em relação ao que se transportava antes da pandemia. Com a flexibilização da quarentena, a partir de junho, houve uma leve melhora, mas bem inferior aos patamares registrados antes da crise.
Nos trens metropolitanos da SuperVia carrega-se hoje metade do que se costumava até fevereiro: de 600 mil/dia passou para 300 mil/dia. No MetrôRio, a situação é pior: são 65% a menos de usuários por dia nas composições, ou seja, pouco mais de 250 mil/dia contra os cerca de 900 mil/ dia, antes da pandemia. Embora adote uma postura mais reservada em relação à crise, o VLT Carioca também viu seus bondes esvaziarem de maneira não menos estarrecedora. Localizado no Centro da cidade, que ficou às moscas com home office adotado pelas empresas, o sistema passou a operar com 80% de queda na demanda em abril e maio. Hoje está entre 60% e 70%, transportando pouco mais de 16 mil passageiros por dia nas três linhas, que cortam, além do Centro, a região portuária da cidade.
Mas há quem esteja pior: a CCR Barcas, que opera o modal pela Baía da Guanabara, transporta hoje apenas 15% da demanda de antes da pandemia. Nos ônibus e no sistema de BRT (Bus Rapid Transit), os passageiros sumiram: são 75% a menos.
”Imagine estar na praia e ver de longe uma onda gigante se formando. Você continua na praia, olhando a onda crescer. Vai chegar um momento em que não vai adiantar mais correr, a onda vai te atingir”, metaforizou o secretário de Transportes do estado do Rio, Delmo Pinho, ao descrever a situação caótica dos sistemas metropolitanos da cidade. Em maio, o governo do estado chegou a enviar à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) uma proposta de socorro às concessionárias, mas o projeto não avançou.
A situação dos sistemas de transporte do município do Rio talvez só não seja mais dramática que a do estado do Rio de Janeiro, que está em regime de recuperação fiscal, sob um plano rigoroso de austeridade, onde o que se gasta aqui se corta de lá. Para completar, o ambiente político também está em crise: quem comanda o estado hoje é Cláudio Castro, vice-governador de Wilson Witzel, afastado pelo Superior Tribunal de Justiça no fim de agosto por suspeita de corrupção e alvo de impechment.
Se do estado a possibilidade de ajuda é quase nula, é do governo federal que vem alguma esperança. No último dia 26 de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3.364/2020, que trata do socorro emergencial de R$ 4 bilhões (a fundo perdido) aos sistemas de transporte coletivo de passageiros do país. O projeto, que esteve em debate por mais de 30 dias na Câmara, ainda precisa da aprovação do Senado antes de seguir para a sanção presidencial.
”A sociedade não percebeu com clareza a extensão do problema que temos pela frente. Se a mobilidade fracassar, a economia começa a andar de lado também, adiando uma possível retomada. As pessoas estão com dificuldade de entender que os sistemas correm o risco de colapsar”, diz Pinho, que reconhece, no entanto, o esforço do governo federal em costurar uma ajuda às concessionárias/ operadoras. Há dois meses, ele formou um grupo com os secretários de transportes de outros estados (SP, PE e MG) para trabalhar o assunto junto à União.
Com a aprovação do Senado e a sanção presidencial, o passo seguinte é a regulamentação da lei e os critérios para a divisão dos recursos entre estados e municípios. Um deles provavelmente será o número de habitantes da cidade e a avaliação da receita das concessionárias nos períodos mais rigoroso de isolamento e o atual. Um trabalho difícil, admite Pinho. ”É complexo pegar dinheiro público e passar para a operação privada no Brasil. Tem que tomar cuidado para uma coisa bem intencionada não se tornar um problema”.
O secretário estima que até o fim de setembro os estados já estejam com os recursos em mãos. A quantidade que vem para o Rio ainda é incerta, mas Pinho prevê que seja entre R$ 140 milhões e R$ 160 milhões, para ser dividido entre todos os sistemas de transporte. Segundo ele, os recursos não serão suficientes para cobrir 100% do rombo, mas já vai ser um grande passo. ”Temos que pensar em uma coisa de cada vez. O objetivo agora é segurar as operações por mais um tempo. Acredito que até o final de novembro, com esse valor, conseguimos isso”.
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16/09/2020 – Revista Ferroviária