Empresas que prestam serviço à população carioca afirmam estar à beira do colapso em função da pandemia do novo coronavírus
No rastro do coronavírus, a população do estado se vê às voltas com uma nova ameaça: um colapso nos transportes públicos capaz de tornar a vida dos passageiros mais difícil do que já é hoje. Com a queda drástica no número de usuários, as empresas que administram trens, metrô, barcas, VLT e ônibus projetam um prejuízo de cerca de R$ 2,6 bilhões este ano. Um alívio momentâneo pode vir da União se a Câmara dos Deputados aprovar esta semana projeto de lei com um socorro emergencial de R$ 4 bilhões para o setor, dos quais cerca de R$ 130 milhões devem ser destinados ao Rio. Mas, sem a garantia de que o auxílio vai chegar, a única certeza é que serão tempos de sufoco em dose dupla.
Influência do ‘home office’
A SuperVia avalia ter que diminuir a frequência dos trens e deixar de circular em alguns horários nos ramais que cortam a capital e a Baixada Fluminense. O sistema, que operava com média de 600 mil usuários por dia, acumula, desde o início da pandemia, perda acumulada de 42 milhões de passageiros, o que abre um buraco nas contas. A normalidade está longe de voltar aos trilhos porque, assim como outros meios de transporte, a retomada da demanda é lenta, influenciada pelo aumento do desemprego e o home office.
Acordos de redução de jornada e salário de funcionários, além da postergação de pagamentos ao BNDES (o chamado standstill), foram algumas das estratégias a que as empresas recorreram. Na SuperVia, o presidente da concessionária, Antonio Carlos Sanches, conta que negociações com os fornecedores de energia elétrica permitiram adiar o colapso financeiro, mas não evitá-lo. Só é possível suportar até o fim de setembro.
— Apenas para manter a operação seriam necessários 450 mil passageiros por dia. Mas a demanda vem crescendo muito vagarosamente. Nossa previsão é que retorne aos patamares pré-pandemia no início de 2022. No mundo inteiro, as empresas de transportes estão sendo socorridas pelos governos — afirma Sanches, que, nos próximos dias, vai propor um documento de reequilíbrio extraordinário do contrato com o estado.
Ele faz coro com executivos do setor que aguardam a aprovação do socorro federal, mas dizem que a medida, isolada, sem apoio do estado, não basta. No Metrô Rio, a previsão é que o caixa resista até o fim deste mês. O presidente da companhia, Guilherme Ramalho, espera uma solução rápida, “antes que o paciente esteja em estado terminal”.
— Não vou adotar a postura de dizer que em tal dia o metrô vai parar. Mas o dinheiro vai acabar e podemos, por exemplo, atrasar pagamentos — admite. — Há, no entanto, saídas possíveis. Uma delas seria o governo do estado comprar passagens antecipadamente, que depois seriam destinadas para a população mais vulnerável, que integra programas sociais, por exemplo.
“Tem mais tripulação do que passageiros. O estado precisa decidir a política de transporte que vai assumir neste momento”
João Daniel Marques da Silva
diretor-presidente da CCR Barcas
No mar, o horizonte também segue nebuloso. É nas barcas que se concentra a maior queda do número de passageiros em relação ao período anterior ao coronavírus: o movimento está 75% abaixo do normal, inclusive na sempre agitada travessia Rio-Niterói. Já na linha Cocotá-Praça Quinze a empresa relata viagens às vezes com dois usuários, numa embarcação para 1.300 pessoas.
— Tem mais tripulação do que passageiros — diz João Daniel Marques da Silva, diretor-presidente da CCR Barcas. — O estado precisa decidir a política de transporte que vai assumir neste momento. Se os transportes colapsarem, vai afetar diretamente a retomada da economia e a geração de empregos.
Criação de comitê
De antemão, o conselho diretor da agência reguladora dos transportes concedidos no Rio, a Agetransp, proibiu Metrô Rio e SuperVia de suspenderem unilateralmente a prestação de serviço. Por outro lado, também determinou que o governo tome providências urgentes. Um passo importante foi dado há dez dias, com a criação de um comitê com representantes de cinco secretarias, no âmbito do qual deve acontecer a partilha do dinheiro federal para os modais. Titular da pasta de Transportes, Delmo Pinho acredita que, no momento, devem ser observadas ações de outros países, sobretudo, na Europa. Ele reconhece a importância de recursos estaduais em meio à crise, mas observa que há limitações, já que o Rio está em regime de recuperação fiscal:
— Uma coisa é a necessidade; outra, as condições de se fazer. Podem acontecer, por exemplo, reestruturações nos contratos de concessão. Vamos fazer ajustes caso a caso.
O próprio modelo de concessões fluminenses, contudo, contribui para o cenário. Joubert Flores, presidente da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), ressalta que trens e metrô, com seus altos custos fixos de manutenção, dependem exclusivamente da tarifa paga pelos passageiros. Não há subsídios nem garantias de que o poder concedente (o estado) cobriria parte dos custos em caso de queda de demanda.
“Uma coisa é a necessidade; outra, as condições de se fazer. Podem acontecer, por exemplo, reestruturações nos contratos de concessão. Vamos fazer ajustes caso a caso”
Delmo Pinho
secretário estadual de Transportes
Enquanto isso, os passageiros já veem sumir linhas de ônibus. A entidade que representa os consórcios da capital, o Rio Ônibus, afirma que a sobrevivência das empresas está sob risco iminente, sendo “esperadas novas falências a curtíssimo prazo”. A Fetranspor, que reúne 184 empresas de linhas intermunicipais e municipais do estado, destaca que cidades como São Paulo investem R$ 3 bilhões ao ano para subsidiar a tarifa.
Para o especialista em transportes Paulo Cezar Ribeiro, professor da Coppe/UFRJ, o setor sofre com a falta de planejamento e gestão. No entanto, ele diz que, para enfrentar os efeitos da pandemia, há duas opções: as empresas assumem as perdas agora e compensam mais tarde quando houver aumento da tarifa, ou os governos exigem das concessionárias a prestação de um serviço que garanta mobilidade para todos e arcam com esse custo.