O futuro de uma desoneração fiscal bilionária está em jogo nesta semana e levou 18 entidades empresariais a fazer um apelo ao ministro da Economia, Paulo Guedes, por apoio do governo.

Uma emenda incluída na MP 945, medida provisória que trata das relações trabalhistas nos portos organizados durante a pandemia de covid-19, prorroga por cinco anos a existência do Reporto – regime tributário especial com vigência até o fim de 2020.

Apesar do nome, o Reporto – sigla do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária – beneficia também a indústria ferroviária, que deve passar por um novo ciclo de investimentos nos próximos anos, com o leilão de projetos como a Ferrogrão e a renovação antecipada de concessões existentes, como a Malha Paulista e as estradas de ferro da Vale.

O benefício garante isenção de IPI e PIS/Cofins para a compra de máquinas e equipamentos, como locomotivas e trilhos, além de suspensão da cobrança de Imposto de Importação sobre itens que não tenham similares nacionais. A Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que reúne concessionárias de ferrovias, calcula em R$ 3,22 bilhões a diferença, nos próximos cinco anos, de realizar os investimentos planejados com ou sem a existência do Reporto.

A MP quase entrou na pauta da Câmara dos Deputados na semana passada, mas acabou adiada por falta de consenso – os partidos quiseram mais tempo para avaliar as mudanças. A proposta terá uma janela apertada para aprovação. A Câmara faz sessão amanhã, e o Senado, na quinta-feira (com pouca possibilidade de mudanças, já que não haveria tempo para revisão das emendas pelos deputados). O texto perde validade no sábado.

“O ideal, para que haja maior previsibilidade aos investimentos, é que esse assunto seja resolvido o quanto antes”, afirma o diretor-executivo da ANTF, Fernando Paes, na expectativa de que a discussão seja sacramentada nesta semana e não fique depois.

Ele lembra que a última extensão do Reporto, em 2015, buscava contemplar justamente as renovações das concessões de ferrovias esperadas para o quinquênio seguinte – mas acabaram demorando mais do que o previsto e só estão saindo agora. “Seria pena haver descasamento bem na hora em que começaram a ser assinadas.”

No setor portuário, todas as licitações feitas pelo governo para arrendamentos de terminais têm contemplado o Reporto nos cálculos de quanto as empresas deverão desembolsar, conforme exigências contratuais. “Sem a existência do regime, os investimentos podem ficar 30% mais caros”, diz o presidente-executivo da Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec), Sérgio Salomão.

Sem uma prorrogação do benefício, a tendência é que operadoras que consideraram a renúncia fiscal em seus modelos econômicos-financeiros peçam reequilíbrio dos contratos. Já os arrendamentos futuros podem render menos à União. No caso do terminal de contêineres previsto para o porto de Suape (PE), a eventual oneração do projeto com os tributos suspensos pelo Reporto resultaria em queda de até R$ 400 milhões no valor da outorga, conforme estimativas do setor privado.

Além da ANTF e da Abratec, 16 entidades empresariais assinam a carta para o ministro Guedes, que foi enviada no fim da semana passada. Integram a lista de signatários associações como ABTP (terminais portuárias), Abifer (indústria de equipamentos ferroviários), ANPTrilhos (operadoras de trens e metrôs) e federações de indústrias como Fiesp, Fiemg, Fiergs e CNI.

O relator da MP, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), diz que há preocupação com quebra de contratos e necessidade de repactuação. “O governo, pelo menos o Ministério da Infraestrutura, é favorável porque sabe de todos esses problemas que ocorrerão. Quem está contra é o Ministério da Economia, que está no papel dele de fazer as contas, por causa do impacto [fiscal] e também da falta de previsão orçamentária.”

Os partidos ainda estudam como se posicionar, se a MP for votada nesta semana. Cidadania e PSL estão a favor da emenda, mas há resistência tanto em legendas mais governistas como nas de oposição.

“Acreditamos que, antes de se garantir uma prorrogação integral do incentivo como está no PLV [projeto de lei resultante de conversão da MP], inclusive com aumento dos beneficiários, o Congresso deve debater essa questão dentro do contexto da reforma tributária”, disse o líder do Novo na Câmara dos Deputados, Paulo Ganime (RJ).

Já o líder do PSB, deputado Alessandro Molon (RJ), afirmou que a bancada ainda analisará até a votação se essa prorrogação é “indispensável até a votação da reforma tributária”, mas destacou que “esse modelo não é bom”. “O ideal é a reforma tributária tratar disso e evitarmos essa multiplicação de regimes diferenciados”, defendeu Molon.

28/07/2020 – Valor Econômico