Contabilizando perdas mensais de R$ 30 milhões por causa das medidas de isolamento social, a SuperVia, empresa que opera serviços de trens urbanos na região metropolitana do Rio de Janeiro, pode entrar em colapso financeiro na primeira quinzena de agosto. Foi o que afirmou ao Valor o presidente da Gumi, braço de mobilidade urbana da Mitsui e principal acionista da concessionária, Kazuhisa Ota.

Nessa situação-limite, a empresa ficaria incapacitada de fazer pagamentos. Dessa forma, poderia ter dificuldades em operar.

O fato já foi comunicado ao governo do Rio de Janeiro e ao governo federal. Tem também sido objeto de reuniões frequentes com o BNDES. O banco detém créditos de R$ 700 milhões no negócio. Além disso, é acionista, com 3,5% do capital.

“Estamos com um grande buraco no caixa”, disse o executivo. Antes da pandemia, o movimento na SuperVia era de 600 mil passageiros ao dia. Com as medidas de isolamento, caiu para 200 mil. De março até meados de junho, a empresa perdeu R$ 102 milhões em tarifas, informou. Mas, nesse período, os custos permaneceram mais ou menos os mesmos.

E esse é um quadro que não será revertido tão cedo, acredita. Até o fim do ano, a perda estimada chega a R$ 285 milhões.

A SuperVia protocolou em abril um pedido de reequilíbrio econômico-financeiro junto ao responsável pelo contrato, que no caso é o governo do Rio de Janeiro. No entanto, ciente da difícil situação de caixa do Estado, a empresa tem buscado também apoio no governo federal.

O Valor apurou que o governo federal discute um mecanismo para apoiar não só a SuperVia, mas também outros empreendimentos em mobilidade urbana, igualmente afetados pela pandemia. Há discussões no Ministério da Economia que poderão envolver recursos do Tesouro Nacional. No entanto, ainda não há nada fechado.

“O governo federal está pensando seriamente no problema”, reconheceu o presidente da Mitsui, Shingo Sato. “Mas essa não é uma questão tão simples.”

A falta de solução no curto prazo, porém, pode ter consequências nos futuros investimentos do grupo no Brasil, afirmou. O grupo Mitsui, que está no Brasil há 60 anos e já investiu aqui R$ 55 bilhões, tem interesse em participar de novos empreendimentos, como as privatizações de CBTU e Trensurb, duas operadoras de transporte metropolitano de passageiros incluídas na carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

“Todos os projetos são muito atraentes e interessantes”, afirmou Sato. “Mas, quando acontecer alguma coisa, como fica esse contrato?” Ele afirmou ser necessário dar segurança aos investidores. “Os problemas existentes nos investimentos já feitos, como a SuperVia, precisam ser resolvidos e garantidos de maneira razoável.”

Em contraste com a situação da SuperVia, Sato disse que outra concessão de transporte ferroviário urbano operado pela Mitsui, no Reino Unido, já recebeu um apoio financeiro para se reequilibrar após a perda de passageiros.

A Mitsui, disse ele, tem a mobilidade como um componente importante de sua estratégia no Brasil. Na sexta-feira, o Valor noticiou uma parceria da empresa com a Toyota para operar carros compartilhados e combinados com transporte urbano de massa.

Nesse cenário, a SuperVia é uma ponta de lança para outros investimentos em mobilidade no Brasil. O consórcio que a opera investiu R$ 800 milhões para comprar a parte da Odebrecht no negócio. Em sua composição estão a Japan West Railway, operadora de transportes no Japão, e o fundo Join, de US$ 900 milhões, específico para investimentos em mobilidade.

A ideia é repetir a parceria em outros empreendimentos. Mas, para isso, a SuperVia precisa ir bem. Sato defende, além disso, que haja um marco legal federal para as concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) na área de mobilidade, a exemplo do que acaba de ser feito para o saneamento básico. Seriam normas gerais a serem seguidas por Estados e municípios, que são os responsáveis por esses serviços. O executivo acha que dessa forma haveria mais segurança jurídica para os investidores.

O governo federal conta com investimentos privados, sobretudo os estrangeiros, para reanimar a atividade econômica no pós-pandemia. Mas, além de situações não resolvidas como a da SuperVia, há também o problema da imagem negativa do Brasil por causa do desmatamento.

“Também atrapalha”, disse Ota. Ele explicou que investidores financeiros normalmente cobram diretrizes para o meio ambiente dos empreendimentos em que colocam recursos.

“Não vamos pensar em parar”, reagiu o secretário de Transportes do Rio de Janeiro, Delmo Pinho, ao ser questionado se tem um plano de contingência para uma eventual paralisação da SuperVia. Ele ressaltou que existem obrigações contratuais de ambos os lados.

O Estado também conta com a ajuda federal para resolver o problema. Rio, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco negociam com o governo federal uma injeção emergencial de R$ 10 bilhões para socorrer as empresas de mobilidade este ano.

Em troca, sugerem uma total reformulação do sistema de transporte de passageiros no Brasil.

06/07/2020 – Valor Econômico