por Roberta Marchesi*
A mobilidade urbana está sendo fortemente impactada pela pandemia causada pela Covid-19. Os sistemas de metrô, trem urbano e Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) estão registrando uma queda média semanal de 74% na quantidade de passageiros transportados, sendo que alguns sistemas já registram redução de mais de 90%. Esse cenário é reflexo das medidas de distanciamento social, que são fundamentais neste momento para contribuir com a redução da propagação do coronavírus.
Após dois meses de medidas restritivas à circulação, gradualmente, algumas cidades brasileiras estão retomando as atividades. Ainda não se sabe ao certo como será essa adaptação, mas com certeza a vida não será como antes. A maneira como nos relacionamos com as pessoas, os modelos de trabalho, de consumo de bens e serviços devem mudar e algumas áreas já estão neste processo. Por exemplo, algumas empresas já sinalizaram a extensão do trabalho em casa (home office) até o final do ano; escolas estão aprimorando suas plataformas de ensino à distância; e o comércio eletrônico cresce exponencialmente.
Entretanto, temos que pensar que essas mudanças não são e nem serão homogêneas, tanto para as pessoas quanto para as cidades e atividades. Essas transformações terão que ser pensadas de forma específica para cada região, respeitando as características econômicas e sociais.
Esse novo modo de viver deve gerar um novo cenário nos deslocamentos, pois os principais motivos de viagens nos centros urbanos são por trabalho e estudo. A mobilidade terá que se adaptar à nova realidade da sociedade e será fundamental a avaliação do planejamento urbano para que os sistemas de transporte sejam estruturados sem concorrência e sobreposição, operando com integração física e tarifária.
Os corredores estruturantes deverão ser pensados para desenvolver esse papel ordenador da mobilidade, com os maiores fluxos sendo atendidos pelo transporte de alta capacidade, como os trilhos, e os demais modos de transporte interligados a ele. Desta forma, os sistemas se complementarão, racionalizando a gestão, os custos e os modos de deslocamentos, o que gera perspectivas de redução do custo da tarifa para os cidadãos e dos subsídios públicos ao transporte coletivo de uma maneira geral. Mas, para isso, é necessário o planejamento adequado, com projetos bem estruturados.
E isso se faz cada vez mais necessário, já que a crise gerada pela pandemia do coronavírus está mostrando a fragilidade da infraestrutura de transporte e a necessidade de uma nova visão em relação ao setor por parte dos governantes. O transporte é um serviço essencial e direito constitucional do cidadão e neste momento é necessária a reavaliação de tributos e encargos setoriais, de novas formas de financiamento, entre outras medidas que tornem o transporte sustentável, mesmo diante de uma anormalidade excepcional, como a que estamos vivendo.
Defendemos as políticas de desenvolvimento urbano que superem os prazos de mandatos políticos, que sejam pensadas para o futuro, levando em consideração os diferentes cenários financeiros, sociais e, agora com a pandemia, também sanitários.
Hoje, com a aceleração do processo de mudança do comportamento da sociedade, essas medidas serão fundamentais para a garantia da nova mobilidade. As diretrizes existem e são conhecidas. Cabe agora a abertura governamental, em parceria com a sociedade, entidades de classe e iniciativa privada, para a transformação da infraestrutura de transporte no Brasil.
* Roberta Marchesi é Diretora Executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento, Gestão e Logística.
Artigo publicado no Jornal O Tempo, no dia 02 de junho de 2020, e no Jornal O Estado de S.Paulo, no dia 03 de junho de 2020.