O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), articula uma proposta para incentivar a expansão de consórcios entre municípios em todo o país em um contraponto ao projeto defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de extinguir cidades insolventes no plano fiscal, incluído na proposta de emenda constitucional (PEC) do Pacto Federativo em discussão no Senado.

Um dos itens mais polêmicos do pacote de reformas econômicas, a medida propõe extinguir cidades com até 5 mil habitantes (22% dos municípios brasileiros) que não comprovem sua sustentabilidade financeira até 2023.

Ao Valor, Maia ponderou que “o debate sobre acabar com os municípios é mais difícil”. Segundo o presidente da Câmara, a ideia é “construir uma associação de municípios, mudar a responsabilidade dos municípios para criar uma estrutura onde se ganhe em escala”, trabalhando serviços de forma integrada, como transporte, limpeza e planejamento urbano.

Maia liderou uma comitiva oficial de deputados que visitou a França na semana passada para avaliar o modelo francês, considerado referência internacional. A França tem 36 mil municípios distribuídos em 643 mil km2 – uma área equivalente à da Bahia, que tem 417 cidades.

O presidente da Câmara acredita que seja possível incentivar a formação de mais consórcios intermunicipais ou aprimorar o modelo em vigor, a partir de um marco legal de 2005.

Nos bastidores, a equipe econômica e auxiliares do presidente Jair Bolsonaro não acreditavam no avanço da proposta no Congresso, sobretudo em ano de eleição municipal, e após forte reação dos parlamentares e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

Em dezembro, Bolsonaro declarou que a proposta não é “questão de honra”, mas endossou a medida de Paulo Guedes. “Um município que arrecada R$ 1 mil por mês, [mas] tem uma despesa de R$ 10 mil, é deficitário”, justificou.

Um levantamento da CNM mostrou que até 2018, havia 491 consórcios intermunicipais em atividade no Brasil. Das 5.568 cidades, pelo menos 4.081 participavam de um consórcio.

O presidente da CNM, Glademir Aroldi, que foi pioneiro na formação de um consórcio na Região Sul nos anos 90, argumenta que o agrupamento de municípios de uma mesma região permite “soluções melhores com menores custos” para problemas de gestão.

Aroldi era prefeito de Saldanha Marinho, que passou a integrar o consórcio dos 32 municípios da região do Alto Jacuí e Alto da Serra do Botucaraí (Comaja), no Rio Grande do Sul. Reunidos os prefeitos conseguiram obter descontos de até 30% na aquisição e distribuição de medicamentos, e até em consultas de médicos especialistas. Na área de segurança pública, alcançaram desconto de 34% na compra de lâmpadas de LED para iluminação das ruas.

Um marco legal de 2005 rege a matéria, mas tem sido sucessivamente aperfeiçoado. Uma das mudanças mais recentes dispensou o concurso público para contratação de servidores e criou a personalidade jurídica do consórcio. Antes, se um dos integrantes estava inadimplente, o consórcio era proibido de receber recursos federais ou contratar empréstimos.

A CNM argumenta que a formação dos consórcios é uma alternativa ao drama dos pequenos municípios que não conseguem atender à política nacional de resíduo sólidos e convivem com lixões a céu aberto. Segundo cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU), a implementação de um aterro sanitário só se viabiliza financeira e operacionalmente em municípios com populações acima de 100 mil habitantes.

Levantamento da CNM mostra que municípios de até 50 mil habitantes correspondem a 87,9% do território nacional, abrigando a maior parte dos brasileiros. Aqueles com população de até cinco mil habitantes, que estão na mira do governo, são 1.252, ou seja, 22% dos 5.568 municípios.

02/03/2020 – Valor Econômico