por Roberta Marchesi*

A necessidade de deslocamentos impacta diretamente na vida das pessoas e na sua qualidade de vida. Diariamente, milhões de brasileiros gastam horas nos percursos casa-trabalho. É um tempo desperdiçado e que poderia estar sendo aproveitado para outras atividades. Quanto mais tempo parado nos congestionamentos, menos tempo a pessoa terá para estar com a família, para dedicar-se ao lazer, aos estudos e às atividades que gosta.

Entre as 10 cidades do mundo com maior tempo de deslocamento, três são brasileiras. Rio de Janeiro, Recife e São Paulo fazem parte do ranking de maior tempo médio de deslocamento em uma direção única (de ou para casa/trabalho), segundo o levantamento do aplicativo de mobilidade Moovit. Os cariocas gastam 1h07 nos seus percursos; enquanto os paulistanos e os recifenses consomem 1h02 em seus trajetos. Considerando o tempo nos congestionamentos, anualmente, as pessoas passam quase um período de férias no trânsito. A valorização desse tempo passa pela adoção de medidas que proporcionem mais qualidade para a vida dos cidadãos e menor agressão ao meio ambiente.

A mobilidade é um direito constitucional e privar o cidadão do transporte eficiente é limitá-lo da sua liberdade de ir e vir. Não pensar no planejamento e desenvolvimento do transporte é privar a população do deslocamento eficiente. É preciso mudar essa realidade com o desenvolvimento de políticas públicas que priorizem o transporte coletivo com qualidade, proporcionando mais agilidade nos trajetos das pessoas.

Ao redor do mundo, os sistemas de alta capacidade são aliados dos deslocamentos rápidos. Os exemplos exitosos são verdadeiras redes de transporte a serviço do cidadão, que foram estruturadas a partir de sistemas de alta capacidade, como é o caso trens, metrôs e VLT, integrados física e tarifariamente com os demais modos de transporte da cidade, especialmente na primeira e última milhas. Nessas cidades, o transporte de passageiros sobre trilhos responde por um percentual de 40 a 45% dos deslocamentos diários da população, contribuindo para a estruturação dos grandes fluxos de transporte, ao mesmo tempo em que garante a rapidez, a regularidade e a maior segurança desses deslocamentos. Aqui no Brasil, por outro do lado, os trens e metrôs são responsáveis por apenas 7% dos deslocamentos diários, mostrando a dependência que o país tem do transporte baseado nos combustíveis fósseis, o que explica os enormes congestionamentos diários que vivenciamos nas grandes e médias cidades.

As práticas mundiais podem ser exemplos para o Brasil desenvolver a sua rede integrada, proporcionando redução nos tempos de viagem e mais qualidade de vida. Juntos, o transporte sobre trilhos, os ônibus, a bicicleta, o patinete e a mobilidade ativa, formarão a rede inteligente de transporte, cada um cumprindo o seu papel dentro da mobilidade urbana.

Para que as cidades brasileiras deixem de configurar o quadro de longos tempos de deslocamentos é preciso planejamento aliado ao investimento permanente para a evolução das redes de transporte. Retomar a capacidade de planejamento dos munícipios é fundamental para que esse investimento constante possa ser feito à frente da necessidade da população. Hoje, infelizmente, o investimento está aquém da necessidade de mobilidade.

Acreditamos que é possível reverter esse quadro nas principais cidades brasileiras. A ANPTrilhos apoia os municípios a pensar o planejamento de redes inteligentes e integradas de transporte. O alerta vale não só para as cidades que já estão enfrentando problemas de deslocamento, como as apresentadas na pesquisa do Moovit, mas, especialmente, para aquelas que ainda não têm, mas que, se nada fizerem, certamente passarão a apresentar problemas em um período de cinco ou seis anos.

* Roberta Marchesi é Diretora Executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento, Gestão e Logística.

Artigo publicado no Jornal O Tempo, no dia 19 de fevereiro de 2020.