Em 59 anos, o Distrito Federal ultrapassou a marca de 3 milhões de habitantes e está cada vez mais perto de alcançar a frota de 2 milhões de veículos. Diante de engarrafamentos frequentes e do crescimento da população, encontrar saídas é fundamental. Uma das que se destacam — por envolver um meio seguro, ecológico e eficiente para os usuários — é o metrô. No entanto, as melhorias no sistema metroviário da capital federal dependem de estudos, audiências públicas e do fechamento de uma parceria público-privada, com previsão para 2020.
A rotina de quem passou a contar com o modal no dia a dia se transforma. Rita Sônia, 37 anos, mudou-se para Ceilândia há 12 anos, vinda do Maranhão. Ela usa o metrô pelo menos duas vezes por semana, na ida e na volta, nos dias em que trabalha como doméstica. Nas demais ocasiões, aproveita o meio de transporte para passear por Águas Claras. “Acho muito bom, porque nos dá opção. Antigamente, quando usava só o ônibus, eu sentia que os meus dias eram muito mais demorados. Hoje, consigo chegar em casa em, no máximo, uma hora, além de (o sistema) trazer mais conforto”, conta.
Em 2015, teve início o estudo que resultou no Plano de Desenvolvimento do Transporte Público sobre Trilhos (PDTT/DF). O projeto — elaborado pela Logit Engenharia Consultiva Ltda. e pela Tecton Planejamento e Consultoria Ltda., sob supervisão da Companhia do Metropolitano (Metrô/DF) — apresenta proposta de expansão do Sistema de Transporte Público sobre Trilhos do Distrito Federal (STPT/DF) ao longo de 20 anos. O principal ponto da sugestão é a previsão de uma rede de conexão formada pelo Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) integrado ao metrô.
Apesar de funcionar como uma espécie de guia, não é possível dizer que o plano será aplicado como projetado. A Secretaria de Mobilidade (Semob) está em fase de escolha da companhia responsável por modernizar o modal por meio de parceria público-privada com o Governo do Distrito Federal (GDF). Nove consórcios de empresas participam do processo. Os grupos têm até sexta-feira para apresentar estudos com as sugestões de mudanças. A pasta e a Metrô/DF analisarão as propostas, e as apresentarão durante audiências públicas para a proposição de ajustes.
Concessão
A ideia, segundo a Metrô/DF, é trabalhar em cima do sistema atual. “Apesar de propor eventual expansão, o principal objetivo, no primeiro momento, é melhorar a eficiência do que existe, trazendo ganhos para o usuário e o governo, além de benefícios para o que precisa ser complementado a título de subsídio”, explica o chefe da assessoria especial de parcerias da Semob, Henrique Oliveira Mendes. Os custos referentes aos estudos serão ressarcidos durante o pagamento do contrato.
Entre as melhorias previstas, há o atendimento de mais passageiros nos horários de pico, a redução do tempo entre trens e nas filas, além da modernização das composições e estações. “Estamos levando o PDTT em conta. Todo o material foi disponibilizado aos interessados. Mas ele é muito mais amplo. O foco do estudo é o metrô”, detalha Henrique. A licitação para a contratação da empresa deve sair no próximo ano. “Por lei, podemos ter contratos de até 35 anos. No momento da audiência pública, antes da licitação, o projeto se tornará público, com prazo para contribuição de toda a sociedade”, completa.
Sob avaliação
Em agosto, o Governo do Distrito Federal começou a analisar o estudo elaborado por cinco empresas interessadas em operar o VLT. O sistema ligará o Aeroporto de Brasília ao Setor Noroeste, passando pelo Terminal da Asa Sul, seguindo pelas W3 Sul e Norte em um trajeto de 22km. Diariamente, o modal poderá transportar 200 mil pessoas. Nove companhias manifestaram interesse. Destas, cinco foram selecionadas. Os documentos servirão de base para a licitação do projeto, assinada por meio de parceria público-privada.
Integração necessária e vantajosa
Brasília nasceu pensada para carros, favorecendo a presença de mais estradas do que trilhos na capital federal. Inaugurado em 2001, o sistema metroviário do DF tem semelhanças com o de cidades mais antigas. Uma delas é São Paulo, onde o modal tem 96km para atender à população do município de 1,52 mil quilômetros quadrados de área. No DF, cuja extensão territorial se aproxima de 5,7 mil km², a malha metroviária tem 42,3km.
Na capital paulista, no entanto, a demanda pelo metrô é baixa, segundo explica Carolina Requena, do Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo (CEM/USP). “Apesar de transportar bastante gente, eu diria que ele não é a primeira opção da maioria da população. Uma das explicações é a tarifa e a falta de reintegração. Como não se paga um único bilhete para mudar do ônibus para o metrô, acaba que ele não é muito vantajoso. E as rendas são mais baixas na região metropolitana (onde o metrô não circula). (Ao chegar à capital), a pessoa acaba optando por trocar de ônibus várias vezes, usando o bilhete único, em vez de pegar o metrô, porque sai mais caro”, avalia. Carolina defende uma rede entre diferentes modais e recomenda cuidado com os termos dos contratos estabelecidos a fim de garantir a preservação do interesse público.
Expansão
Morador do Guará, o administrador Rodrigo Rodrigues, 33 anos, encontra no metrô alternativa para deixar o carro na garagem, especialmente quando visita as áreas de maior movimentação. A rapidez do trajeto e o preço do combustível são aspectos que o fazem preferir o sistema sobre trilhos. “É vital manter a manutenção desse meio de transporte, principalmente porque ele conecta a população das cidades-satélites ao centro, locais onde a maioria busca lazer e também trabalha”, analisa.
Apesar dos elogios ao sistema, Rodrigo considera que é preciso expandir a malha metroviária. “É necessário realizar uma extensão dessa condução para regiões como Sobradinho e Asa Norte. Conheço muitas pessoas que passam por dificuldades com veículos nessas cidades”, relata.
Entre Brasília e Águas Claras, há três estações em fase de construção: 106 e 110 Sul e Estrada Parque — prevista para ser inaugurada em dezembro. As duas primeiras entrarão em atividade até o fim do primeiro trimestre de 2020. Com o fim dos trabalhos, o serviço deve atender mais 15 mil passageiros por dia. A criação de um terminal no início da Asa Norte, dois em Ceilândia e dois em Samambaia faz parte de projetos da Metrô/DF. No entanto, não há data para que eles saiam do papel.
Modernização
No início de 2015, a Secretaria de Mobilidade (Semob) previu a abertura de licitação para estender o alcance do metrô até o fim do Eixo Rodoviário Norte. Os recursos para as obras sairiam do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Mobilidade. Contudo, o certame não aconteceu. No ano passado, o Ministério das Cidades liberou R$ 300 milhões para as obras em Ceilândia, Samambaia e na Asa Norte, além da modernização dos sistemas de sinalização e elétrico. A concorrência não chegou a ser aberta, e os recursos acabaram retidos devido a contingenciamentos no governo federal.
Professor do curso de engenharia civil da Universidade de Brasília (UnB), José Matsuo Shimoishi avalia que, se bem organizado, fiscalizado e planejado, o modelo brasiliense tem chance de dar certo. “No início, havia uma certa dúvida sobre a demanda ser ou não suficiente. Mas a criação de Águas Claras justificou isso. Só que o grande problema do sistema ainda é a falta de manutenção, e o governo não tem dinheiro para investir”, observa José. (JE e TC*)
* Estagiário sob supervisão de Guilherme Goulart
Capital sobre trilhos
(por Mônica Soares Velloso, doutora em transportes e professora do UniCeub)
Brasília padece de problemas que parecem exclusividade de velhas metrópoles. Quem, nos idos da década de 1960, imaginaria que a capital federal chegaria a 2019 com uma população de 3 milhões de habitantes e uma frota de 1,8 milhão de veículos? Fato é que, hoje, os moradores convivem, diariamente, com trânsito caótico, transporte público ineficiente, dificuldade de estacionamento, acidentes de trânsito, poluição.
Diante dessa realidade, o transporte sobre trilhos pode ser considerado uma boa alternativa de transporte coletivo, à medida que proporciona conforto, segurança e menor tempo de viagem ao usuário. O metrô do DF, com 24 estações distribuídas ao longo de 42 quilômetros, liga o Plano Piloto ao Guará, Águas Claras, Taguatinga Sul, Ceilândia e Samambaia.
No entanto, a cidade apresenta um modelo de ocupação territorial disperso, e o sistema sofre com o problema de baixa renovação de passageiros ao longo do percurso, situação que implica diretamente no Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK), cujo valor é bem inferior à média brasileira. Em Brasília, também prevalece o “movimento pendular”, configurado pelos movimentos de ida e volta — de casa ao trabalho —, que apresenta elevada concentração de demanda nos horários de pico.
O metrô precisa ser ampliado e, entre as necessidades prementes, estão os projetos de expansão para a Asa Norte, Samambaia e Ceilândia, a aquisição de novos trens e a modernização do sistema de controle. Trata-se de um sistema de transporte sobre trilhos, mas não é o único. Além dele, existem o trem metropolitano, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e o monotrilho, cada qual com especificidades
técnicas, como capacidade de passageiros ou velocidade média.
O que todos têm em comum, entretanto, é o alto custo de implantação e manutenção. Transportes sobre trilhos não apresentam viabilidade econômica, se considerada somente a receita de bilhetagem. Por esse motivo, em muitos metrôs do mundo, a exploração comercial é vinculada à exploração de outros negócios capazes de gerar receita adicional.
Na busca por soluções economicamente viáveis para expansão do sistema, o modelo de Parceria Público-Privada (PPP) tem sido adotado por sistemas metroviários, a exemplo de Madri, Buenos Aires, Tóquio, Chicago, Paris, Londres, Nova Iorque, Nova Deli, Moscou e Pequim. No Brasil, ela foi usada no sistema metroferroviário de São Paulo com sucesso. Em Brasília, o governo realizou os primeiros movimentos para colocar o sistema de PPP nos trilhos e pretende captar investidores no Fórum do Brics. Se dará certo? Somente o tempo dirá.
Quatro perguntas para Roberta Marchesi
(diretora executiva da ANPTrilhos)
O que diferencia o metrô do DF do modal de outras unidades federativas?
A vantagem do sistema de transporte de passageiros do mundo é a regularidade; a confiabilidade de que, no horário programado, você vai chegar à estação e ao destino. O que pode diferenciar os sistemas é a capacidade de atendimento. O sistema do DF foi concebido para atender a um certo tipo de demanda. Há a característica da construção das estações e das plataformas, mas, de fundo, não tem nenhuma diferença em relação aos metrôs do mundo para atender ao tipo de demanda a que se propõe.
Quais são os principais problemas observados aqui?
O principal problema que apontamos é de estrutura. À época em que foi construído, e falando especificamente das estações subterrâneas, concebeu-se um sistema que tinha como pré-requisito a operação de quatro carros. Não que isso seja problema, mas, hoje, como você tem estações projetadas para atender quatro carros, é impossível aumentar o tamanho do trem. Você poderia ter trens de até oito carros, por exemplo. Isso implica ter oferta de lugar maior e transportar mais gente dentro daquela mesma concepção de sistema. Nas subterrâneas, não tem como modular para atender maior oferta.
O que pode ser feito para melhorar esse sistema?
Todo sistema metroferroviário é concebido para atendimento à demanda. Quando o gestor público percebe que há demanda maior por aquele sistema, faz integrações para gerar eficiência maior de toda a rede. Baseado no sistema troncal de alta capacidade, você direciona as pessoas para ganhar velocidade, reduzir tempo de deslocamento, desafogar vias e atender à demanda projetada e resolver questões, como a redução do tempo entre trens. Existem várias soluções. Tudo depende da demanda e da capacidade de investimento.
Como expandir esse modelo para outras cidades ou bairros?
O DF é uma das únicas unidades da Federação que tem plano de desenvolvimento do transporte sobre trilhos. Outros têm, mas são integrados ao planejamento do transporte. O DF inovou e trouxe um específico de alta capacidade. Quando você define quais corredores têm maior fluxo, fica muito mais fácil planejar integrações, redução do tempo de deslocamento para a população e fazer planejamento que tenha resultado efetivo para o cidadão e na capacidade da cidade como um todo.
O metrô no DF
» 24 Estações
» 3 Em construção
» 2 Sem operar
Composições
» 32 Frota total
» 24 No horário de pico
» 4 Carros por trem
Uso
» 160 mil Passageiros por dia
» R$ 184 milhões Receita em 2018
» R$ 200 milhões Em subsídios pagos pelo GDF
» 42,38km De malha
17/11/2019 – Correio Braziliense