Trânsito mata mais que a violência

por Roberta Marchesi*

Os acidentes de trânsito são um problema constante nas cidades e estradas de todo o Brasil e, infelizmente, muitas pessoas perdem a vida ou ficam com sequelas em razão deles. Um levantamento feito pela Seguradora Líder, administradora do Seguro DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres), mostra que os acidentes de trânsito deixaram mais vítimas fatais em alguns Estados brasileiros do que crimes como homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte. O levantamento compara o total de indenizações pagas por morte pelo seguro obrigatório e os dados das Secretarias Estaduais de Segurança Pública. São Paulo e Minas Gerais lideram a lista com 5.462 e 4.127 sinistros pagos por acidentes fatais no trânsito, contra 3.464 e 3.234 óbitos por crimes violentos, respectivamente.

As estatísticas são alarmantes e foram divulgadas este mês, o mês do Movimento Maio Amarelo, que busca chamar a atenção da sociedade para o alto índice de mortos e feridos no trânsito em todo o mundo. Os números trazem à tona a urgência do tema, que gera reflexos sobre as demandas de diversos outros setores sociais, e expõem a necessidade de que os gestores públicos se debrucem sobre o problema, na busca pela melhoria do planejamento integrado de transporte. Com os atuais níveis de urbanização e a alta densidade demográfica das cidades, a tendência é que o problema se agrave ainda mais com o passar dos anos, o que serve de alerta para os grandes desafios que os gestores públicos terão pela frente.

Com o tamanho e o adensamento dos nossos centros urbanos não se pode mais pensar em mobilidade de forma isolada, tendo como única alternativa os velhos sistemas dependentes de veículos automotores. É preciso unir a sociedade, seus líderes e governantes, na busca por avançar com as soluções, para evitar o colapso iminente da mobilidade nas metrópoles e os reflexos negativos gerados por ela.

A ANPTrilhos, que congrega os operadores metroferroviários brasileiros, defende, como parte da solução, a estruturação dos grandes fluxos de transporte, adotando-se um modelo que garanta a fluidez dos milhões de deslocamentos diários, organizando-os em corredores de alta capacidade, capazes de dar agilidade aos deslocamentos com regularidade e segurança. E esses corredores, essencialmente metroferroviários, devem estar interligados com os demais modos de transporte da cidade, nas primeira e última milhas, buscando criar uma verdadeira rede inteligente e eficiente de transporte.

A implantação de trens, metrôs e VLTs contribui para amenizar os congestionamentos, para reduzir o número de acidentes de trânsito e os custos com internações hospitalares. E esses resultados são obtidos porque o transporte sobre trilhos é capaz movimentar grande número de passageiros e tem baixíssimos índices de acidentes, contribuindo significativamente para a qualidade de vida da população e a qualidade ambiental das cidades. Transportando quase 11 milhões de pessoas por dia, os trilhos urbanos colaboram com a retirada diária de 1,3 milhão de carros e 18 mil ônibus das ruas, nas cidades onde estão implantados, proporcionando redução de R$ 820 milhões em custos com acidentes, em termos de diminuição de ocorrências e gastos com saúde pública. Além disso, gera economia de 1 bilhão de litros de combustível fóssil e evita a emissões de 2,4 milhões de toneladas de poluentes na atmosfera anualmente.

É fato que a redução do alto número de acidentes de trânsito no Brasil não será obtida apenas com o crescimento das redes de transporte público sobre trilhos. É preciso investir em educação de trânsito, fiscalização de condutores, autuação de infratores, formação e especialização dos agentes de trânsito, consciência cívica e tantas outras medidas que, juntas, resultarão num trânsito mais livre de acidentes, congestionamento e poluição.

É fundamental que possamos entender que mobilidade urbana não se trata de veículos, mas de pessoas. São pessoas que se acidentam; pessoas que perdem tempo em congestionamentos e transporte público ineficiente; e são pessoas que ingerem diariamente, mesmo sem perceber, milhares de poluentes atmosféricos. Precisamos perceber que investir em planejamento e mobilidade urbana tem reflexos muito além da malha de transporte em si, pois ele gera reflexos positivos sobre a economia local, reduzindo gastos públicos com saúde e aumentando arrecadação com valorização imobiliária. Investir em mobilidade é investir no cidadão, disponibilizando um sistema de transporte eficiente e garantindo, a cada um de seus usuários, mais tempo para lazer, estudo ou família.

O mês de maio está chegando ao fim, mas o alerta do Movimento Maio Amarelo permanece por todo o ano. A solução para o problema da mobilidade é conhecida. É urgente e necessário que os governantes incluam em suas agendas, como prioridade, ações efetivas para tratar a questão. Não há mais espaço para projetos que não se concretizam e propostas que não saem do papel. É preciso ter coragem para quebrar velhos padrões e assumir uma política pública inovadora para o setor, para que as cidades possam ser dotadas de uma verdadeira rede de mobilidade urbana e os cidadãos possam usufruir dos benefícios de uma mobilidade urbana de qualidade.

* Roberta Marchesi é Diretora Executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento, Gestão e Logística.