????????????????????????????????????Por Roberta Marchesi*

A grande transformação da mobilidade começou na década de 1950, quando o processo intenso de urbanização se associou ao aumento do uso de veículos motorizados, resultado de uma política de Estado que priorizou o investimento na indústria automobilística. Como consequência, o percentual da população que utilizava transporte público encolheu e muitas cidades e regiões metropolitanas passaram a apresentar problemas de mobilidade, com impactos negativos na vida das pessoas e nos custos econômicos e ambientais para a sociedade.

Esse quadro se agrava a cada ano com o crescimento e adensamento dos nossos centros urbanos. As grandes e médias cidades brasileiras, seguindo uma tendência mundial, vêm experimentando taxas de urbanização superiores a 85% e as projeções de organismos internacionais apontam que nos próximos dez anos as cidades com menos de dez milhões de habitantes experimentarão taxas ainda mais aceleradas.

A migração para as cidades acontece, especialmente, em busca da melhoria da qualidade de vida, que é alcançada pelo acesso aos serviços que essas oferecem: saúde, educação, trabalho e lazer. E o elo do cidadão com esses serviços é o transporte! O transporte é a base para a mobilidade, o que assegura a liberdade de ir e vir à sociedade. Privar o cidadão do direito ao transporte é como impor, especialmente aos menos favorecidos, uma condenação à imobilidade, pela distância, pelo valor da tarifa, ou pelo tempo necessário para o deslocamento.

Com o tamanho e o adensamento dos nossos centros urbanos, não se pode mais pensar em mobilidade de forma isolada, tendo como única solução os sistemas dependentes de combustíveis fósseis. É fundamental dotar nossas cidades de uma rede integrada de transporte, que utilize os sistemas sobre trilhos como estruturadores dos grandes fluxos urbanos.

Não existe solução em mobilidade urbana para médios e grandes centros que não passe pelo transporte de massa, que é o caso do transporte sobre trilhos. Somente os modos sobre trilhos têm a capacidade de dar vazão aos grandes fluxos de passageiros, estruturando os principais corredores de transporte e imprimindo a eles a rapidez, segurança e regularidade necessárias aos deslocamentos diários. Mas é fundamental que os sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos estejam interligados com os demais modos de transporte da cidade, na primeira e última milha, buscando dotar as cidades de uma verdadeira rede inteligente e eficiente de transporte.

Investir em transporte de passageiros sobre trilhos gera benefícios que vão muito além do transporte em si. A utilização de trens, metrôs e VLTs contribui para amenizar os congestionamentos, para reduzir o número de acidentes de trânsito e os custos com internações hospitalares. Investir em transporte sobre trilhos é investir no meio ambiente, já que se reduz o uso de combustíveis fósseis, a poluição atmosférica e a poluição sonora. Investir em trilhos é investir no cidadão, uma vez que, ao disponibilizar um sistema de transporte seguro, rápido e eficiente, cada um de seus usuários dispõe de mais tempo para lazer, estudo ou família. Investir em trilhos é aumentar o PIB brasileiro, pois o tempo perdido na ineficiência da mobilidade poderia movimentar a Economia do País.

Esses benefícios são obtidos, entre outros aspectos, porque apenas os sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos proporcionam alta capacidade de transporte. Só para se ter uma ideia, uma única linha implantada de metrô, por exemplo, é capaz de transportar cerca de 60 mil passageiros por hora/sentido, proporcionando maior fluidez aos deslocamentos diários. Para efeito comparativo, o automóvel e o ônibus têm capacidade de apenas 5,4 mil e 6,7 mil passageiros, respectivamente.

Durante muito tempo o setor de transporte de passageiros sobre trilhos foi tratado apenas sob a égide de política pública, buscando, por meio do investimento e do subsídio governamentais, uma maneira de viabilizar o transporte público de alta capacidade. Entretanto, ao contrário do que muitos formuladores de políticas públicas acreditam, o desenvolvimento de sistemas de transporte sobre trilhos não é indicado apenas para grandes cidades e sua viabilização transpõe a necessidade de um investimento puramente governamental.

Os projetos de mobilidade urbana sobre trilhos têm forte atratividade para o investimento do setor privado e a Parceria Público-Privada (PPP) é uma tendência que não se restringe mais apenas às novas linhas, já que linhas tradicionais, aquelas já em operação pelo setor público, também estão no foco. Desde o advento da descentralização dos serviços públicos, a partir de 1997, o setor metroferroviário de passageiros vem evoluindo como negócio e se mostrando bastante atrativo à concessão privada.

Durante muito tempo esse setor foi tratado apenas sob a ótica de obrigação do Estado e motivador de dispêndio, por meio do investimento nas expansões ou por subsídio governamental para custear a operação. Entretanto, sob essa nova ótica, o setor vem se renovando ao desenvolver modelagens negociais que proporcionam a redução da dependência de investimento público, liberando recursos para setores como educação, saúde e segurança, ao mesmo tempo em que estimulam o investimento privado e a continuidade de projetos para o atendimento da mobilidade do cidadão.

Os primeiros modelos de negócio consideravam apenas a operação dos sistemas, com construção pública. Mas após 20 anos da primeira concessão, já são consideradas concessões integrais, passando pela construção, fornecimento de sistemas, material rodante, operação e manutenção por conta do parceiro privado – as chamadas PPPs integrais.

Muito embora esse modelo negocial, que une setor público e setor privado, esteja liderando e impulsionando os últimos investimentos em mobilidade urbana sobre trilhos, a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos) defende o avanço das redes metroferroviárias, seja ele por meio de recursos públicos ou privados. É necessário que o poder público planeje e estabeleça prioridades de investimentos, avaliando o dimensionamento da sua capacidade financeira e institucional para a concretização dos projetos. O importante é que os projetos não sofram descontinuidade e sejam administrados de forma eficiente e eficaz, para que os efeitos positivos de sua implantação possam se fazer sentir por toda a sociedade.

Diversos são os casos exitosos de cidades ao redor do mundo que conseguiram desenvolver uma mobilidade urbana sustentável e todos eles foram estruturados pelo transporte de alta capacidade, como é o caso de trens, metrôs e VLT. Nessas cidades, o transporte de passageiros sobre trilhos responde por um percentual de 40 a 45% dos deslocamentos diários da população, enquanto aqui no Brasil os trens e metrôs são responsáveis por menos de 7%. Enquanto nossa rede de transporte sobre trilhos consolida cerca de 1.000km de extensão, cidades como Londres ou Nova York têm redes superiores a 400km cada uma, sem falar na expansão acelerada dos países asiáticos. Um pouco mais próximo da nossa realidade na América Latina, a cidade do México, que teve a sua rede de metrô inaugurada no mesmo ano daquela da cidade de São Paulo, já consolida mais de 220km em trilhos, enquanto a nossa maior Metrópole não chega a 80km.

A solução para o problema da mobilidade é conhecida. É urgente e necessário que os governantes incluam em suas agendas, como prioridade, ações efetivas para tratar a questão. Não há mais espaço para projetos que não se concretizam e propostas que não saem do papel. É preciso ter coragem para quebrar velhos padrões e assumir uma política pública inovadora para o setor, para que as cidades sejam dotadas de uma verdadeira rede de mobilidade urbana e os cidadãos possam usufruir dos benefícios de uma mobilidade urbana sustentável.

Apesar de termos um longo caminho a percorrer até dotarmos nosso País de uma malha metroferroviária compatível com sua dimensão e complexidade, a exemplo do que já existe em nações mais desenvolvidas, devemos perseverar nessa premissa, pois não há solução para a mobilidade que não passe pelo transporte sobre trilhos.

* Roberta Marchesi é superintendente da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento e Logística.

Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.

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