Especial: O Metrô que muita gente não conhece

Reportagem do Diário do Transporte esteve no pátio Jabaquara do metrô de São Paulo. Estrutura impressiona. Desde a compra de um simples papel para os banheiros até a manutenção de equipamentos de alta tecnologia, tudo exige profissionalismo

Todos os dias, o Metrô de São Paulo transporta uma massa de mais de quatro milhões de passageiros, número superior à população de muitos países.

A maior parte dessas pessoas conhece os trens e as estações sem ter ideia de que por trás dos serviços visíveis, existe um verdadeiro batalhão de profissionais, muita tecnologia e padrões de trabalho que até mesmo quem acompanha transporte não imagina.

Uma das formas de conhecer a complexidade para colocar as operações à disposição dos passageiros é ver de perto o que acontece em um dos pátios do Metrô.

O braço de operação pública do Metrô de São Paulo tem os seguintes pátios: Jabaquara, Tamanduateí, Itaquera, Oratório e o mais recente, Belém.

Apesar do nome pátio, os locais abrigam oficinas, áreas de usinagem, manutenção geral, controle de estoque, armazenamento e espaços para treinamentos, entre outros departamentos, não se limitando, assim, apenas a uma “garagem” de trens.

São as chamadas gerências de Manutenção e de Logística, que juntas possuem mais de sete mil funcionários, uma grande parte que trabalha na madrugada, como na manutenção de trilhos e lavação de trens e estações.

Há ainda 40 bases de manutenção em todo o sistema, espalhadas pelas linhas de gestão pública 1-Azul (Jabaquara-Tucuruvi), 2-Verde (Vila Prudente – Vila Madalena), 3 Vermelha (Itaquera-Barra Funda) e o monotrilho 15 Prata, da zona Leste.

O Diário do Transporte esteve neste sábado, 22 de setembro de 2018, no pátio Jabaquara, um dos extremos da linha 1 Azul, a mais antiga do sistema.

O tamanho do local, dividido em blocos, impressiona.

São em torno de 800 funcionários que atuam num espaço de 44 mil metros quadrados.

Materiais históricos que mostram que a Companhia do Metrô já chegou aos 50 anos, em 2018, estão lado a lado de equipamentos modernos de medição, qualidade, manutenção e gestão.

A rampa que recebia as primeiras composições no início dos anos 1970, que chegavam ao pátio em enormes carretas, é um dos exemplos de preservação da história. Esta rampa não é mais utilizada, mas permanece como um símbolo, assim como as partes dianteira e traseira do primeiro modelo de trens.

Ao redor de grande parte do pátio há uma linha de teste, onde são verificadas as condições de equipamentos e trens. Um dos exemplos de procedimento são os testes de frenagem.

A Gerência de Logística abriga espaços como de recebimento, inspeção, armazenamento e distribuição de materiais.

Todo o sistema de operação pública do Metrô, em quatro centros logísticos nos diferentes pátios, armazena em torno de 43 mil itens e dois milhões de unidades de uma só vez.

Somente no pátio do Jabaquara, são 14,5 mil metros quadrados de área só para isso. O galpão onde estão desde os materiais mais simples, como papéis higiênicos e copos de plástico até os mais sofisticados da operação e bilhetagem, tem 11,5 metros de altura.

São necessárias empilhadeiras elevatórias para mover alguns dos materiais armazenados e toda a logística do local tem escalas e métodos industriais.

Transportando quatro milhões de pessoas por dia, o desgaste de peças e equipamentos é muito grande.

Mas o que mais demanda compra de materiais e área de armazenamento é o vandalismo, que gera aumento de custos que todos os cidadãos acabam pagando.

Para se ter uma ideia, somente em relação à área civil, como a estrutura das estações, 40% das compras e reposições ocorrem por causa do vandalismo.

Nem mesmo os vasos sanitários de estações escapam das ações de vândalos. Alguns chegaram a ser furtados.

O setor tem de trabalhar com programações para prever com bastante antecedência o que deve ser comprado.

Alguns equipamentos precisam de 300 dias para ser fabricados. Isso sem contar que, por ser empresa pública, grande parte das aquisições é por meio de licitação, o que é mais demorado.

Os diversos tipos de materiais comprados pelo Metrô de São Paulo chegam numa área de recebimento.

Antes de armazenar os lotes, o Metrô tem como padrão fazer inspeções por amostragem de tudo o que chega. Canetas, papéis, bilhetes de pagamento de passagem, botas de segurança, eixos e motores dos trens … tudo, independentemente de porte ou preço, é inspecionado.

Para isso existem salas com muitos equipamentos de medidas, apuração de resistência, de durabilidade e peso. Até a espessura da camada das tintas compradas é inspecionada.

Na área de inspeção há equipamentos modernos, com menos de um ano de uso, e aparelhos de medição de 1975, época que a linha 1 nem estava completa, mas que funcionam e ainda são úteis para verificar a qualidade dos materiais que vão ser usados nas áreas administrativas, estações e trens.

Calibração e Metrologia:

Não somente nas áreas de inspeção, mas em todo o sistema, o Metrô precisar estar medindo coisas a todo o tempo: qualidade de materiais empregados nas operações, equipamentos das estações, trilhos, pesos, pressões, temperaturas, comprimentos, espessuras.

Mas para medir tanta coisa é necessário ter muitos equipamentos que apuram se tudo está na mais perfeita condição de ser utilizado.

Entretanto, estes equipamentos também precisam de manutenção.

Por isso o Metrô possui no pátio Jabaquara um laboratório de calibração e metrologia.

São várias salas onde são verificados os equipamentos de medições que quando estão fora dos padrões são recalibrados e reparados.

Periodicamente, são verificados sete mil instrumentos, sendo 3,6 mil de grandezas mecânicas e 3,4 mil de grandezas elétricas, aproximadamente.

Pelo fato de o transporte metroviário se tratar de operações bem específicas que mexem com a segurança de milhões de vidas todos os dias, as medições têm de ser precisas e, muitas vezes, nem o mercado de instrumentos traz as soluções mais indicadas.

Mas os funcionários do setor não ficam esperando que as fábricas criem modelos de aparelhos mais dedicados às necessidades do Metrô. O departamento está cheio de “professores pardais”, que desenvolvem aparelhos de medição únicos, que servem especificamente para o que o Metrô precisa.

Tudo é concebido com muita imaginação e conhecimento, gerado na forma de desenhos e protótipos de madeira, papel ou resina, até nascerem novas soluções de metrologia, de medidas.

Tem muita gente que pensa que uma empresa de metrô só tem na frota os trens e algumas poucas viaturas.

Para atender a toda estrutura são necessários carros comuns, de transportes de pessoas e materiais, mas também grandes e pesadas máquinas, como esmerilhadoras gigantes, de várias tonelada,s para reparar os trilhos, locomotivas de inspeção e conserto de rede elétrica, tratores ferroviários e os carros chamados de “terra-via”, que são caminhões e picapes de grandes montadoras, como Volkswagen, Mercedes-Benz, Ford e GM que andam como carros comuns e também nos trilhos, como os trens, por meio de adaptações.

Para todos estes veículos, há uma área de manutenção específica, que é diferente da área de manutenção dos trens.

Ao todo, contanto com estes veículos e com equipamentos de transporte interno, como tróleis e vagões-plataforma que levam trilhos, são 320 “carros” na frota do Metrô.

Para a manutenção destes veículos, estão disponíveis 30 funcionários, sendo 15 apenas no pátio Jabaquara.

Manutenção dos Trilhos:

Outro setor de relevância para as operações e segurança de funcionários e passageiros é o da manutenção dos trilhos.

A reportagem do Diário do Transporte esteve neste sábado pela manhã no pátio Jabaquara, mas tinha poucos funcionários trabalhando no setor. É que a maioria desse pessoal atua mesmo é na madrugada, entre 00h e 04h, quando não há operações.

Em São Paulo, o Metrô não tem condições técnicas de funcionar 24 horas. Existe uma rede de ônibus da madrugada, de responsabilidade da SPTrans, da prefeitura de São Paulo, que atende a extensão do sistema do Metrô neste horário.

Muitas pessoas quando olham os trilhos do metro acreditam que se trata de um simples ferro, sem nada por dentro.

Na verdade, a alimentação de energia dos trens vem justamente pela via, onde existem barras internas que conduzem a energia.

Por isso que quando há algum problema, dependendo do caso, é comum ouvir na imprensa a seguinte frase: o Metrô informou que foi preciso desenergizar a via.

O Metrô utiliza equipamentos modernos para verificar centímetro a centímetro as condições dos trilhos.

A atuação dos veículos terra-via é fundamental nesta manutenção.

Um destes veículos é um caminhão que possui um aparelho de ultrassonografia que pode detectar fissuras ou qualquer outro defeito impossível de perceber a olho nu.

Manutenção dos trens:

No pátio Jabaquara são realizadas as manutenções corretivas, preventivas e preditivas dos trens da linha 1 Azul e a preventiva da linha 2 Verde.

A manutenção corretiva, como o próprio nome diz, é para corrigir problemas e eventuais falhas nos trens, além de avarias por vandalismo.

Para acompanhar a operação em tempo real e agir de maneira rápida, o funcionamento do trem é monitorado. As informações de cada uma das composições em operação bem como das disponíveis para substituição chegam a computadores e numa tela em comum no setor.

Os trens são representados por cores. A cor cinza representa que um trem está com defeito.

Há três níveis de falhas, classificadas em A,B e C. As falhas do nível A são as mais simples e não requerem a retirada do trem de circulação.

O sistema monitora toda a frota de 53 trens somente da linha 1 Azul.

O “cliente” da área de manutenção é a operação.

Tudo o que a operação reportar, a manutenção tem de dar resposta no tempo certo.

A manutenção preventiva é realizada a cada 24 mil km rodados em média, como, por mês, aproximadamente uma composição roda 14 mil km, então, em menos de dois meses o trem para com o objetivo de fazer uma manutenção completa.

Também existe a manutenção preditiva, de materiais mais delicados e funções mais específicas, que procura fazer as análises das condições de operação e, a partir destes resultados, determinar intervalos e condutas de reparos ou substituição de peças e equipamentos. Um dos exemplos, é a análise das vibrações às quais os trens são submetidos nos diferentes trechos da linha.

A área de manutenção dos trens do pátio Jabaquara tem cinco valas para receber os trens.

A manutenção preventiva leva em torno de oito horas para ser realizada.

Os sistemas de sinalização e controle dos trens também passam por manutenção.

Os condutores dos trens, na verdade, não são responsáveis por acelerar, frear, parar, abrir as portas, a não ser que a operação seja por modo manual, que ocorre mais em casos de emergência e com velocidade de até 30 km/h.

Todas estas funções ocorrem pelo sistema de sinalização, que são de dois tipos: ATP – Automatic Train Protection, que divide a linha em “blocos” para controlar os trens e CBTC – Controle de Trens Baseados em Comunicação, mais moderno, e que permite que um trem siga mais próximo do outro, com informações que vão controlar os trens enviadas por banda de wi-fi.

Quem explica a diferença e mostra os equipamentos em uma composição é o engenheiro de manutenção do Metrô de São Paulo, Luiz Carlos Queiroz. Cada composição tem dois equipamentos de ATP ou CBTC, um em cada carro líder, ou seja, no primeiro e no último carro (erroneamente chamado de vagão).

Truques, rodeiros e motor:

A manutenção tem uma área específica de rodeiros, truques e motor.

Quem olha para a parte de baixo de um trem do metrô pensa que só existem as rodas, eixo e suspensão. Mas é bem mais que isso e cada item necessita de manutenção específica.

Um dos conjuntos de peças é chamado rodeiro, formado por rodas, eixos, mancais e todo o sistema de suspensão.

Um dos itens que mais desgastam são as rodas. Para ter uma ideia, uma roda nova do Metrô mede 84 centímetros de diâmetro aproximadamente, mas com as operações vai se desgastando e, quando chega a 74 centímetros é descartada. Em sua vida útil, as rodas passam por manutenções pela usinagem e prensagens para corrigir a superfície ou mesmo desentortá-las.

Cada carro possui dois truques. Cada truque abriga os rodeiros, peças eletrônicas, as antenas que captam o sinal da sinalização e controle, o sistema de freios e também os motores dos trens.

Cada carro tem quatro motores acoplados ao conjunto de rodas.

É justamente por isso que o correto é chamar de carro e não de vagão, porque possui tração própria.

Cada motor tem, em média, dependendo do modelo, uma potência equivalente de 190 cavalos. Como são quatro motores, em média cada carro possui o equivalente a 760 cv de potência. Como cada composição tem seis carros, assim, cada trem tem 4.560 cavalos de potência.

Também pudera, vazio, um carro pode ter em torno de 40 toneladas e, cheio, chega a 60 toneladas. Assim, em números aproximados, uma composição do metrô tem 360 toneladas.

Simuladores:

Outro departamento no pátio Jabaquara é do treinamento e dois simuladores de condições adversas de operação se destacam.

Os equipamentos representam a cabine onde fica o operador.

Já estão gravados quase todos os modelos de trens que circulam pelas linhas do Metrô.

O objetivo dos simuladores não é formar operadores. Para a formação são aplicadas aulas teóricas e práticas nos trens.

Os simuladores são para qualificar os operadores que já atuam e podem reproduzir condições extremas que dificilmente poderiam ser mostradas em treinamentos convencionais.

Com isso, o operador treina padrões e procedimentos para agir corretamente e de forma rápida em casos de emergência e adversidades.

NOTA DO REPÓRTER:

As críticas ao sistema do Metrô de São Paulo, quando feitas com embasamento e honestidade, são importantes.

Existem falhas e necessidades de melhorias, mas isso não pode desqualificar um padrão que foi alcançado ao longo de 50 anos de atuação.

Em nossa visita à pátio do Jabaquara, foi possível perceber que existem funcionários recentes e outros com mais de 40 anos de casa que possuem verdadeira paixão pelo Metrô, que se tornou integrante de suas vidas, não apenas um local de trabalho.

No pátio, o antigo e o novo se complementam, com a importante combinação de tradição e modernidade.

Hoje, o maior defeito do Metrô de São Paulo é não ter um metrô maior em São Paulo.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes – texto e reportagem.

24/09/2018 – Diário do Transporte