Por Eduardo Athayde
Globalmente a população humana atingiu o primeiro bilhão em 1804. Cem anos depois, em 1934, atingiu o segundo bilhão e, durante as sete décadas seguintes o planeta sofreu uma explosão demográfica,adicionando mais 5,5 bilhões de habitantes consumidores dos sistemas naturais que dão suporte à economia e continua crescendo em ritmo acelerado de 80 milhões de novos habitantes – uma Alemanha por ano – projetando-se para 9 bilhões de habitantes em 2050.
As cidades incharam com a excessiva pressão demográfica do modelo de crescimento urbano concentrado. Em 1900, cerca de 150 milhões de pessoas moravam em cidades. Um século depois, em 2000, já eram 2,8 bilhões de moradores urbanos e, desde 2008, mais de 60% da população da Terra vive amontoada em cidades, fazendo dos humanos uma “espécie urbana” cada vez mais imobilizada.
No Brasil, 84% da população é urbana e, segundo o IBGE, será 90% em 2020. Hoje, a velocidade dos carros nas grandes cidades é igual à das carruagens literalmente puxadas a “dois cavalos” de força no século 19, quando o Barão de Mauá, inovando, construiu a primeira ferrovia brasileira com 16,9km, inaugurada por D. Pedro II na região de Petrópolis, em 1854.
Buscando entender os impactos e traçar novos rumos para o crescimento, a civilização humana reuniu-se pela primeira vez na sua história durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco 92, em 1992, no Rio de Janeiro, quando o conceito de “Desenvolvimento Sustentável” foi oficializado como senso comum. Entre a Eco 92 e o Acordo de Paris, firmado quase um quarto de século depois por 195 países, foram acrescentados mais 2,3 bilhões de novos habitantes consumidores ao planeta e mais US$ 52 trilhões de PIB, atingindo os atuais US$ 80 trilhões do PIB global, quase quatro vezes mais que o porte da economia mundial durante a Eco 92.
Para garantir sustentabilidade, é necessário adotar conjuntamente, em lato sensu, pilares da inovação, ciência, tecnologia, economia, finanças, meio ambiente e responsabilidade social, gerando equilíbrios dinâmicos e contínuos entre eles, como demonstra o relatório internacional sobre Cidades Sustentáveis do WWI-Worldwatch Institute. Adotar as novas ferramentas tecnológicas disponibilizadas pelo blockchain e internet das coisas (IoT) como suporte para gestão econométrica da sustentabilidade, incluindo resultados digitalmente quantificados em tempo real, aplicados ao mundo físico da logística, das cargas e das pessoas, muda as regras do jogo.
Os impactos destrutivos das mudanças climáticas e os custos da descarbonização da economia, avaliados e acordados em Paris, também formam um robusto e lucrativo ambiente de econegócios que exige inovação e mobilidade urbana de baixo carbono, com eficiência energética, gerando benefícios para pessoas, cidades e o ambiente global.
A mobilidade descarbonizada tem um papel vital na qualidade de vida dos cidadãos e dos ambientes urbanos. O transporte metroviário emite, em média, 50 vezes menos gases de efeito estufa por passageiro/km que os automóveis e quase 25 vezes menos que os ônibus. O metrô gera cerca de dois gramas de CO2e (CO2 equivalente) por passageiro/km, enquanto os ônibus municipais emitem cerca de 52g de CO2e por passageiro/km. Indicadores “vivos” do blockchain poderão fornecer informações específicas, em tempo real, sobre a mobilidade lowcarb, que permite ajustes de performances eco-operacionais e econômico-financeiras.
Cientes que tecnologia é commodity e que inovação pode hoje ser transferida a qualquer lugar do globo por um simples toque no smartphone, colônias de startups espalham-se internacionalmente formando robustos ecossistemas em diferentes pontos do planeta, liderando um novo ritmo à “eco-nomia” global. Apelidos expressam suas vocações, transportechs, construtechs, fintechs, urbantechs, energtechs e carbontechs viralizam, comandando a virada da economia analógica para eco-nomia digital. Unicórnios é o nome dado a startups que, às vezes saindo da casca do ovo, são succionadas pelo nervoso ambiente de inovação e alcançam valor de mercado de 1 bilhão de dólares. Atualmente existem 279 unicórnios no mundo, a maioria concentrada nos Estados Unidos da América.
Todos os dias aumenta o número de blockchains usados no chamado mundo real. Da logística à arte, é difícil encontrar um setor que não tenha sido tocado por essa tecnologia transformadora. Durante o Fórum Econômico Mundial 2018, de Davos, analistas, governos, academia e empresários previram que 10% do PIB mundial será armazenado no blockchain até 2025 e os executivos globais estão se preparando para essa mudança sísmica e prontos para apoiar rapidamente a sua implementação. O impacto dessa tecnologia de contabilidade distribuída pode ser tão grande quanto a própria revolução da Internet, com múltiplos usos e benefícios.
Os EUA tiveram uma próspera rede ferroviária de passageiros entre cidades, conectada à rede urbana. Nos anos 50, o governo federal americano, estimulado pelas indústrias automobilística e petrolífera, mudou a rota de investimentos, focando em rodovias e aeroportos, influenciando o mundo, inclusive o Brasil. Na década de 70, a indústria ferroviária americana de passageiros havia desaparecido, os sistemas de transporte público atrofiaram e a liderança tecnológica de empresas americanas na fabricação de carros de metrô e trens de alta velocidade foi transferida para o Japão, a França, a Alemanha e, mais recentemente, para a China.
Deslocando passageiros entre Pequim e Xangai a 350km/h, a China bateu o recorde do trem-bala de longa distância mais rápido do mundo. Os primeiros trens de alta velocidade chineses começaram há uma década, hoje o país tem 20.000km de trilhos de alta velocidade, mais do que o resto do mundo combinado. Atuais líderes globais no segmento, os chineses adotaram um plano ambicioso para expandir a rede ferroviária urbana e interurbana, e construir 150 mil quilômetros até 2020. Com rápida expansão nos metrôs, deve responder por mais da metade dos gastos globais de equipamentos ferroviários nos próximos anos, alterando a sua legislação para que 70 a 90% dos equipamentos ferroviários sejam fabricados internamente, quando sistemas de metrôs transmetropolitanos expandem-se em muitas regiões do mundo, reduzindo as emissões urbanas.
O trem de alta velocidade tem o poder de reformular as comunidades à beira do caminho e a vida das pessoas, transformando a economia e a sociedade do país, como mostra a International High-Speed Rail Association (IHRA), sediada no Japão. A introdução do transporte de alta velocidade acelera o movimento de pessoas e negócios entre cidades, tornando-as locais mais atraentes para a vida, a indústria e o turismo. Isso serve como um catalisador para melhorar a competitividade e o desenvolvimento ao longo das ferrovias, criando comunidades mais abastadas, mostram pesquisas dos especialistas da IHRA.
Outros países entraram na corrida, atraindo conhecimentos e investimentos. O sistema de inovação disruptivo denominado “Dubai 10 X”, baseado no Biot (Blockchain e Internet das Coisas-IoT), lançado no Emirado, visa à criação de modelos operacionais de negócios que substituam os serviços tradicionais e ofereçam várias vezes o valor para usuários finais e clientes. Entre eles estão a inovação nas cadeias dos transportes, rastreando fluxos, eficiência, descarbonização e histórico de mobilidade. Estimulando e financiando startups, o governo de Dubai estabeleceu como meta ter todos os documentos oficiais no blockchain até 2020.
Enquanto a legislação da União Europeia (UE) busca criar interfaces padronizadas para sistemas de distribuição e a interoperabilidade das aplicações digitais para os serviços de passageiros e regulamentos de seus direitos, os governos da UE reúnem-se para desenvolver um novo sistema de verificação de passageiros que viajam entre as cidades do bloco, passando por controles de fronteira em vários pontos. Estudos baseados no blockchain armazenam dados desses passageiros com segurança, o que permite análises socioambientais e econométricas, garantindo informações confiáveis para melhor servir aos usuários.
Durante o Rail Forum 2017, realizado na cidade finlandesa de Kouvola, o inovador septuagenário John Cohn, cientista e “agitador chefe” da IBM, chamou o blockchain de ruptura digital que o trilho estava esperando. Traçando a evolução do tráfego ferroviário, afirmou: “Nunca em todos os meus anos, vi algo que tenha tanto poder disruptivo”, disse Cohn, enfatizando que a tecnologia blockchain está pronta para revolucionar o tráfego ferroviário.
Os ecossistemas formados por colônias de startups, munidas com blockchain e IoT, disruptivos e exponenciais, trazem inteligência nova na sua essência e funcionam como células-tronco na regeneração dos ambientes de gestão em vários setores anacrônicos da economia, ajudando a remover bloqueios administrativos e práticas desatualizadas. Fornecendo análises digitalizadas e estatísticas em tempo real, criam indicadores “vivos”, operacionais, socioambientais, administrativos, eco-nômicos e financeiros – inclusive o ebictda com “c” de descarbonização –, revelando uma pegada ecológica lucrativa em lato sensu e essencial para o inovador transporte de passageiros sobre trilhos.
Eduardo Athayde é administrador, MBA, pesquisador, membro da equipe internacional do WWI-Worldwatch Institute, conselheiro de fundos de investimentos internacionais e articulista em periódicos do Brasil e do mundo.
Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.
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