Ana Lúcia Lopes_foto_perfil_Ana_Lúcia_LopesPor Ana Lúcia Lopes

Trabalho, lazer, estudo e compromissos: muitas dessas atividades requerem o ir e também o voltar. Em uma cidade pequena, com pouco trânsito, é possível ter precisão do tempo gasto nos deslocamentos para as ações diárias. Já a realidade dos grandes centros não é tão precisa assim. Pelo contrário: a grande incógnita é o tempo gasto com a mobilidade.

O tempo dispendido para ir e vir está sempre presente no início ou no fim das conversas entre as pessoas. É muito comum, infelizmente, ouvir um “desculpa pelo atraso”, ou ainda um “podemos marcar para outra hora”. Não são apenas justificativas ou desculpas, é a realidade dos nossos dias. O tempo gasto com deslocamento é um grande consumidor da agenda da população.

A mobilidade é algo democrático. Na verdade, ela é tão democrática que faz parte da vida de todos, independentemente das suas condições financeiras ou intelectuais. Vale para crianças, jovens, adultos e idosos. A vida de todos está influenciada por ela e pelos reflexos que pode causar – direta ou indiretamente.

A competitividade profissional é cada vez mais presente; para que um profissional possa se destacar, o desempenho diário é considerado. No entanto, o desenvolvimento e os resultados de um trabalho vão muito além das paredes da empresa, dos cursos de aprimoramento, dos talentos ou habilidades. Há algo presente e que influencia a vida de todos: a mobilidade.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) * mostram que os veículos particulares utilizados para o transporte individual são altamente poluentes em comparação com o transporte público coletivo. Vamos aos números: as emissões de dióxido de carbono (CO2) por quilômetro por passageiro correspondem a cerca de 126,8g para automóveis e a 71,1g para motocicletas. O ônibus emite, em média, 16g. Já o metrô emite aproximadamente 3,5 g de CO2 por quilômetro por passageiro, ou seja, um valor 36 vezes menor em relação ao nível de emissão de um automóvel.

Já se sabe o quanto a emissão de poluentes é prejudicial ao ser humano. Isso é fato. Assim como também é fato que, quando se fala de transporte, também estamos falando da saúde da população, já que a redução das emissões de poluentes é um tema essencial em termos de saúde pública. Os dados mostrados deixam claro que o investimento em transporte coletivo tem impacto não só no ritmo do trânsito, mas também na questão ambiental e na saúde.

Segundo o Banco Mundial*, cerca de 5,5 milhões de mortes prematuras ocorridas em 2013 podem ser atribuídas à poluição atmosférica, sendo que 50% dessas mortes estão associadas ao poluente atmosférico emitido em maiores quantidades por veículos movidos a diesel e que afeta principalmente o sistema respiratório. Estamos falando de aproximadamente 2,9 milhões de mortes. Um número assustador! Estima-se que esses óbitos tenham custado, no mesmo período, US$ 225 bilhões à economia mundial, referindo-se apenas a perdas de rendimento de trabalho, mas na verdade não se pode mensurar o valor de uma vida. Falando do nosso país, em 2013, foram contabilizadas 62.246 mortes pelos mesmo motivos. Triste realidade!

Há também as consequências no nível de estresse das pessoas. Não se pode esperar que um profissional que leva uma hora, duas ou mais para chegar a seu trabalho tenha uma jornada tranquila. Já chega cansado para trabalhar e ao final do dia tem o “peso” de saber que o retorno poderá ser tão árduo quanto o que passou para conseguir chegar, ou até mais. As relações humanas ficam agitadas, esgotadas, estressantes. Aos problemas que a economia do País já enfrenta, há que somar o fato de o direito de ir e vir ser consumido por um deslocamento muitas vezes penoso.

O que fazer? Há solução? É possível amenizar esse quadro? Sim, com planejamento, viabilidade, demanda e vontade política, é possível encontrar melhores soluções. Deve-se promover o desenvolvimento do sistema de transporte público coletivo. Investir no transporte de maneira inteligente significa muito mais do que investir em mobilidade: é também considerar a saúde da população. Investimentos no transporte coletivo com planejamento e estudo proporcionam uma redução de gastos significativa para o setor de saúde pública e possibilitam o avanço da economia, uma vez que garantem mais tempo disponível para todos. Tempo esse que pode ser investido em capacitações, lazer ou atividades com a família e que gera melhor desempenho no trabalho, pois o ir e vir pode ser menos desgastante. Um direito podendo ser exercido com mais qualidade.

Sim, é claro que outros pontos devem ser considerados quando o tema mobilidade urbana é abordado, como a dependência do orçamento público para sua construção e operação e as fontes alternativas de receitas e concessões. Não defendo a ideia de que devemos ter trilhos por todos os lados, mas sim trilhos onde estes são necessários, onde há demanda, como opção estratégica para mitigar as emissões de poluentes e consequentemente trazer melhor qualidade de vida para a população.

Deixo aqui a minha visão de que quando se prioriza a expansão da malha ferroviária de um país de maneira planejada, inteligente e de acordo com a demanda, todos ganham, usuários do sistema ou não.

A maneira como as pessoas se deslocam e o tempo gasto nos trajetos refletem na competitividade econômica e na qualidade da saúde do país.

O discurso não é simplesmente sobre o direito de ir e vir, mas sobre “como e quanto tempo gastar para ir e vir”. Não se trata da defesa de um único modal de transporte, mas da integração entre eles perante a realidade de cada local e sua demanda. Esse ir e vir é cada vez mais um obstáculo, e isso pede urgentemente nossa atenção. É preciso que as pessoas tenham um melhor tempo para se locomover e, assim, tenham tempo para viver melhor.

*Fonte: Publicação CNT – Transporte Metroferroviário de Passageiros, volume 2.

Ana Lúcia Lopes é comunicóloga, com graduação em Jornalismo e em Criação de Roteiro para Rádio, Televisão e Cinema. Coach certificada pela Sociedade Brasileira de Coaching, é diretora de redação da Revista Sobretrilhos e empresária do ramo de Comunicação, Tecnologia e Geração de Negócios por meio das empresas ViaBrasil Comunicação e ViaBrasil Negócios. Dedica-se também a Projetos de Fotografia, Gestão de Comunicação e Relações Humanas e treinamentos com foco em Coaching de Carreira e Comunicação.

 

Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.

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