Felipe Rezende
Existem enormes desafios para o desenvolvimento e financiamento da infraestrutura no mundo. Ao longo das três últimas décadas, o investimento em infraestrutura tem permanecido abaixo do necessário para cumprir metas de desenvolvimento sustentável tanto em países desenvolvidos – apesar da existência de mercados de capitais extremamente sofisticados e taxa de juros próximas de zero ou negativas – quanto nos países em desenvolvimento.
Nesse sentido, diversas estimativas apontam para um expressivo aumento do investimento global em infraestrutura durante as próximas décadas.
Segundo estudo da consultoria McKinsey, serão necessários US$ 57 trilhões em investimentos até 2030. O estudo sugere que entre 2016 e 2030 serão necessários um investimento em infraestrutura de 3,8% do PIB global, ou cerca de US$ 3,3 trilhões por ano, apenas para manter as expectativas de crescimento econômico. Por outro lado, economias emergentes serão responsáveis por cerca de 60% dos investimentos necessários.
Os valores aumentam para cerca de US$ 6 trilhões por ano em investimentos, baseados em uma demanda de investimentos de US$ 93 trilhões durante os próximos 15 anos, visando alcançar metas de desenvolvimento sustentável. Isso significa que o setor privado, governos, instituições multilaterais e bancos de desenvolvimento terão que elevar substancialmente as taxas atuais de investimentos para acomodar a demanda por serviços de infraestrutura.
Um estudo divulgado pelo World Economic Forum mostra que a economia brasileira tem uma das piores infraestruturas no mundo. Por exemplo, de acordo com o indicador que avalia o estado geral da infraestrutura – transporte, comunicações e energia – o Brasil ficou em 116º lugar entre 138 países analisados. O resultado reflete a péssima qualidade das rodovias, que ficou em 111º lugar e qualidade dos portos, que ficou em 114º lugar, enquanto que a qualidade dos aeroportos ficou em 95º lugar. Esse resultado é incompatível com um país que almeja fazer a transição para níveis mais elevados de renda per capita. A falta de infraestrutura inibe o crescimento econômico, reduz a produtividade da economia e contribui para a desigualdade social.
Embora o investimento público e privado em infraestrutura tenha alcançado cerca de 5% do PIB no início da década de 80, ele desabou para cerca de 2% nas últimas duas décadas. Grande parte dessa queda ocorreu devido à redução do investimento público, contribuindo para quedas no produto potencial em função da deficiência de investimentos em infraestrutura.
Por outro lado, estudo recente* mostra que o investimento médio anual da China em infraestrutura entre 1992 e 2013 foi de 8,6% do PIB, superior aos investimentos da América do Norte e Europa Ocidental somados. Somente em 2013, a China investiu em infraestrutura cerca de US$ 829 bilhões, enquanto que os Estados Unidos e Canadá juntos investiram US$ 448 bilhões e a Europa Ocidental cerca de US$ 335 bilhões.
Embora as debêntures sejam alternativa ao caro crédito bancário, não são uma opção plena para financiar o investimento
Nesse sentido, o país necessita de metas de investimento em infraestrutura ambiciosas, compatíveis com o nível necessário para colocar a economia entre as melhores do ranking. Entretanto, a combinação perversa entre investimento público inadequado, escassez de fontes de financiamento de longo prazo no mercado de capitais doméstico, elevado custo de financiamento de projetos de longo prazo e alta proporção de projetos com riscos significativos – chamados de greenfield, ou seja, projetos que partem do zero, e muitas vezes, não interessam ao capital privado em função dos elevados riscos envolvidos e retornos inadequados – contribuem para aumentar o déficit de investimentos em infraestrutura.
Além disso, em janeiro entrou em vigor uma nova taxa de juros para os empréstimos do BNDES, conhecida como TLP, aproximando o financiamento do BNDES às taxas de mercado. Entretanto, a economia brasileira ainda atravessa um dos momentos mais difíceis da sua história com uma das mais baixas taxas de investimento, isto é, cerca 15,5% do PIB. Dado o nível de incerteza na economia, elevada capacidade ociosa dos fatores de produção – tal qual baixa utilização da capacidade instalada e desemprego elevado – além de balanços deteriorados, não é razoável esperar uma reação robusta do investimento privado. Isso significa que será necessária uma queda maior do que a esperada da taxa de juros para estimular investimento.
Notem que, apesar da queda da Selic, as taxas mais longas passaram a se inclinar mais fortemente. Dessa forma, os juros longos ainda exercem um efeito contracionista na recuperação da atividade. Com a entrada da TLP, espera-se uma elevação das taxas cobradas pelo BNDES e elevação das operações no mercado de capitais como alternativa às elevadas taxas bancárias. Embora as emissões de debêntures sejam uma alternativa ao caro crédito bancário, elas não são uma opção plena para financiar o investimento, que necessita de juros compatíveis com o retorno esperado, principalmente em se tratando de projetos greenfield, nos quais os riscos inerentes a essa fase do projeto são maiores e ainda não têm fluxo de receita.
Mesmo em países desenvolvidos há pouco apetite do setor privado para financiar plenamente projetos de longa maturação. Nesse cenário o BNDES continuará a exercer um papel fundamental no financiamento de projetos de infraestrutura – cuja concessão é de 20 a 30 anos – além de estimular a participação do setor privado nos projetos “brownfield” de infraestrutura e catalisar as operações no mercado de capitais doméstico.
Em suma, a visão mais consensual entre os economistas é a necessidade de elevação dos investimentos em infraestrutura. Entretanto, alcançar uma taxa de investimento em infraestrutura de 5-6% do PIB requer a eliminação dos entraves para o investimento, tal qual a ausência de projetos financiáveis (“bankable projects”), a criação de instrumentos alternativos de garantia e mitigação de riscos, preparação e desenvolvimento de projetos, além de melhoras significativas na ética corporativa do setor privado, que no caso brasileiro, ficou em 131º lugar entre 138 países pesquisados. Resta ao Brasil estabelecer metas ambiciosas de investimento e performance compatíveis com o tamanho da economia brasileira.
*Rezende, F.C. 2017. Financial Sustainability and Infrastructure Finance: the role of developing banks.
Felipe Rezende é PhD e professor assistente do departamento de Economia de Hobart e William SmithColleges, em Genebra.