Rotina de violência em trens e estações da SuperVia afeta passageiros e maquinistas

Levantamento feito pela concessionária mostra que de janeiro deste ano até o dia 7 de junho foram registradas 76 ocorrências de assaltos ou arrastões

Perto das 21h do último dia 2, o maquinista conduzia o trem na saída da estação São Cristóvão, rumo à Central do Brasil, quando avistou objetos bloqueando o trilho. Ele trafegava a cerca de 30 km/h e conseguiu parar sem provocar qualquer acidente. Depois de comunicar por rádio que uma chapa de ferro, um pedaço de concreto e outros tipos de entulho fechavam seu caminho, foi abordado por dois homens mascarados, que abriram a porta da cabine da composição e o ameaçaram com um facão no pescoço. Episódio semelhante aconteceu na terça-feira passada, dia 6, quando bandidos levaram dinheiro, celulares e até o lanche de funcionários a serviço da Supervia.

Um levantamento feito pela concessionária mostra que essas ocorrências estão longe de serem casos excepcionais. A empresa encarregada de administrar os 270 quilômetros de trilhos que ligam o Rio a outros 11 municípios contou, de janeiro deste ano até a quarta-feira, dia 7 de junho, 76 ocorrências de assaltos ou arrastões contra passageiros em trens ou estações. Em média, significa dizer que, a cada dois dias, alguém foi roubado em instalações ferroviárias da Região Metropolitana.

‘Eles me ameaçaram’

No mesmo período, 71 composições tiveram as cabines do maquinista invadidas, furtadas ou vandalizadas — transformadas, principalmente, em alvo de pedradas. Nos primeiros 158 dias de 2023, ainda segundo o documento, houve 44 invasões, quando bandidos entraram e saíram das composições em algum ponto da ferrovia. De acordo com dados da concessionária, foram 20 roubos contra funcionários, como os dos dias 2 e 6 de junho, sendo 11 deles com uso extremo de violência. Essa rotina de estresse levou ao afastamento de 136 empregados em 2023 — 104 eram maquinistas, e 13 deles seguem sem condições de trabalhar.

É o caso do funcionário atacado no dia 2, quando trabalhava no ramal de Saracuruna. Há oito anos na função, ele conta que nunca tinha passado por situação como essa. Atualmente, passa por acompanhamento psicológico e está licenciado.

—No início, eu não estava conseguindo dormir por conta do trauma. Tenho ficado com minha família, fazendo coisas para distrair a cabeça — disse o maquinista, antes de completar: —A gente vive no Rio de Janeiro. Já tinha sido assaltado na rua, mas foi uma coisa totalmente diferente. Essa situação não envolvia só a mim. Havia os passageiros. Eles me ameaçaram. Colocaram um facão no meu pescoço, me xingaram. Estavam agressivos e com o rosto coberto. Queriam assaltar o pessoal do trem também e me obrigaram a abrir a porta. Não tive o que fazer.

Levando o celular do maquinista, e depois de roubarem pouco mais de uma dezena de pessoas que, naquele horário, viajavam no trem para a Central, os bandidos fugiram. O próprio funcionário desceu para desobstruir o trilho.

—Eles me fizeram de refém, me obrigaram a abrir as portas do trem para assaltar os passageiros. Quando cheguei à Central eu já sabia que os passageiros viriam falar comigo. Eles não me culparam. Sabiam que eu estava no mesmo barco que eles. Se tivesse acontecido alguma coisa com os passageiros, Deus me livre, minha cabeça estaria muito pior— lembra o maquinista, que prefere não se identificar.

Os episódios recentes de violência contra funcionários se somam a outros dados preocupantes do dia a dia do sistema ao qual recorrem 350 mil pessoas por dia.

— A coisa começou a crescer no ano passado. Em função do preço do cobre, que subiu muito, começou a aumentar o furto de cabos, de equipamentos. Isso veio forte em 2022 e, em 2023, continua. A violência também afeta muito a vida das pessoas , dos passageiros, e principalmente dos nossos funcionários. Eles sofrem violência física, é um trauma muito forte. A gente tem tratado isso dentro na empresa. Tem uma área de saúde mental que não existia antes (foi criada em outubro do ano passado) — explica Antônio Carlos Sanches, presidente da Supervia.

Através de sua assessoria, a Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que criou, em outubro de 2021, um grupo de trabalho “para unir esforços e buscar soluções conjuntas diante dos casos de roubos e furtos que afetam esses serviços”. O texto também chama atenção para a atuação do Grupamento de Policiamento Ferroviário, que, em conjunto com a Polícia Civil e demais batalhões, “entre setembro de 2022 e maio deste ano, realizou 302 prisões, além da apreensão de diversos equipamentos e materiais.”

12/06/2023 – O Globo

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