Artigo | Brasil e Alemanha – um GAP ferroviário de investimento

por Roberta Marchesi*

Que o Brasil vem perdendo a capacidade de investimento público em infraestrutura ao longo dos anos, que não tem dado prioridade ao transporte estruturante de passageiros e cargas e que tem investido muito pouco (ou quase nada) no avanço do transporte Metroferroviário, todo mundo está cansado de saber.

Também estamos cientes de que países desenvolvidos tem uma prática inversa e sempre priorizaram as redes de transporte de alta capacidade (trens, metrôs, VLT, monotrilho) para que suas cidades pudessem oferecer alternativas de mobilidade que atendesse as necessidades dos deslocamentos diários da população. Não é novidade que, por essa razão, apenas algumas cidades, como Londres, Nova York ou Paris, sem falar naquelas asiáticas, consolidem, cada uma, rede superior à 50% do que o Brasil inteiro possui operando hoje.

Mas o grande gap* que existe, de verdade, está nas políticas públicas e nas prioridades de investimento definidas pelas diferentes estruturas e esferas de governos desses países. Vejamos o recente caso da Alemanha…

O transporte metroferroviário alemão surgiu no ano de 1835, com a implantação de uma linha ligando Nurembergue a Fürth, com uma extensão de 6 km. Hoje, o País é cortado por uma malha de mais de 43.855 km, que permite a prestação do serviço de transporte de cargas e passageiros em toda a nação. E continuam expandindo…

A novidade é que um acordo firmado em janeiro de 2020, entre o governo alemão e a operadora de serviços ferroviários Deutsche Bahn (DB), visa modernizar e tornar ainda mais eficiente a malha ferroviária de todo o país. Pelo acordo, ao longo dos próximos dez anos, serão investidos 86 bilhões de euros (cerca de 400 bilhões de reais) na modernização da rede, como parte dos esforços para reduzir as emissões de CO2 através da migração de mais passageiros do carro e do avião para os trens.

A maior parte do investimento será custeado pelo próprio governo alemão. Serão 62 bilhões de euros em recursos dos cofres federais para renovar infraestrutura, sinalização, além de dobrar o número de maquinistas e passageiros até 2030. O restante do valor constante do acordo (24 bilhões de euros) será aportado pela DB.

Considerando o valor total do empreendimento alemão, pode-se inferir um investimento médio anual na casa dos 8,6 bilhões de euros.

Enquanto isso, aqui no Brasil, projetos de mobilidade sobre trilhos somaram em 2019 menos de R$500 milhões em investimentos do Orçamento Geral da União (OGU).

E esse é o verdadeiro gap que temos entre os países que hoje usufruem de uma mobilidade urbana adequada e os que não. A infraestrutura precisa ser construída, para depois ser usufruída. Pensar projetos de longo prazo, buscar instrumentos que superem as questões de mandatos políticos e viabilizar parcerias que permitam a continuidade dos investimentos são algumas diretrizes a serem perseguidos para que possamos avançar na infraestrutura nacional.

E isso vale para trilhos, mas também vale para outros setores da nossa infraestrutura.

*gap: quebra de continuidade

* Roberta Marchesi é Diretora Executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento, Gestão e Logística.

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