Márcio de Almeida D’Agosto
Carlos Eduardo Sanches de Andrade
Carlos Eduardo Sanches de Andrade

por Carlos Eduardo Andrade e Márcio D’Agosto

1 INTRODUÇÃO:

A abordagem usualmente utilizada na medição das emissões de CO2 (dióxido de carbono) em sistemas de transportes considera as emissões decorrentes da queima do combustível. Para sistemas sobre trilhos movidos à energia elétrica, como ferrovias, Veículos Leves sobre Trilhos (VLT) e metrôs, considera-se a emissão indireta produzida na geração da eletricidade e provocada pela queima de combustíveis nas fontes térmicas que compõem a matriz de geração de eletricidade. No Brasil, a matriz tem sido predominantemente hidráulica, com composição de 81,7% de energia renovável (EPE, 2017), comprovando os benefícios ambientais proporcionados pela operação dos sistemas sobre trilhos do país.

Uma pesquisa abrangente da emissão de CO2 produzida pelos sistemas de transportes, que contemple outras emissões além da operacional, impõe a necessidade de considerar o ciclo de vida desses sistemas. O objetivo deste trabalho é construir o Inventário do ciclo de Vida (ICV) da L4 – Linha 4 do Metrô do Rio de Janeiro, verificando se, considerando a abordagem de ciclo de vida, o sistema continuará a contribuir na redução das emissões.

2 A ANÁLISE DO CICLO DE VIDA:

A avaliação do impacto ambiental produzido por um sistema, sob a abordagem do ciclo de vida, considera todas as suas fases, desde a sua construção até o fim de vida desse sistema. A metodologia mais utilizada nessa abordagem é denominada ACV – Análise do Ciclo de Vida (ACV), em inglês (LCA – Life Cycle Assessment).

3 MÉTODO DE TRABALHO:

O método escolhido foi estabelecer e aplicar à L4 um procedimento para sistemas de transportes de passageiros sobre trilhos. O procedimento é genérico e pode ser aplicado a quaisquer tipos de sistemas sobre trilhos.

3.1 Objetivo e escopo do ICV

O escopo inclui a construção da infraestrutura, a fabricação dos trens, a manutenção, a operação da infraestrutura e a operação dos trens.

3.2 Unidade funcional

A unidade funcional escolhida é 1 passageiro-quilômetro (1 PKM).

3.3 Fatores de emissão

Fatores de emissão de diversas fontes foram utilizados neste trabalho. Para os materiais, usou-se o conceito de energia/carbono embutido, que acumula os valores de carbono desde a extração da matéria-prima até o produto fabricado.

3.4 Eletricidade

A rede elétrica brasileira é interconectada e seu fator de emissão nacional é divulgado pelo governo brasileiro.

3.5 Processos

Os processos em cada fase do ciclo de vida são descritos a seguir.

3.5.1 Construção da infraestrutura

A construção da infraestrutura do sistema inclui etapas como a construção das fundações das vias, a construção de túneis, elevados e estações e a fabricação e instalação da via permanente. Todos os dados foram obtidos por intermédio da RIOTRILHOS (2015). As atividades incluídas no procedimento são: transporte fornecedor – obra; transporte dentro da obra, construção civil e da via permanente (consumo de combustíveis fósseis pelos equipamentos, consumo de energia elétrica pelos equipamentos e consumo de materiais).

3.5.2 Fabricação dos trens

Os trens utilizados na L4 vieram de uma empresa chinesa. Foram encomendados 15 trens para atender à L4. Todos os dados são provenientes do METRÔ RIO (2014). As atividades do procedimento são: a fabricação dos trens e o seu transporte até a obra.

3.5.3 Manutenção dos trens e da infraestrutura:

A manutenção foi considerada de forma agregada, para os trens e para a infraestrutura, uma vez que foi baseada nos dados históricos disponíveis de manutenção das Linhas 1 e 2 do Metrô Rio. Fez-se uma estimativa da futura manutenção da L4 com o uso desses dados, considerando uma proporcionalidade entre as extensões das linhas.

3.5.4 Operação da infraestrutura:

A operação da infraestrutura inclui itens como a iluminação das estações, o funcionamento das escadas rolantes e demais equipamentos das estações e locais de apoio à operação, assim como as atividades de segurança. As atividades do procedimento são: transporte, equipamentos e operação da infraestrutura. Foi feita uma estimativa da futura operação da infraestrutura da L4 tendo em vista esses dados, considerando uma proporcionalidade entre as extensões das linhas, com base nos dados históricos disponíveis da operação da infraestrtura das Linhas 1 e 2.

3.5.5 Operação dos trens:

Para a estimativa da energia necessária à operação dos trens, é preciso estimar a carga do sistema, ou seja, a quantidade de PKM da demanda. Essa quantidade de PKM foi estimada com base no estudo de previsão de demanda da FGV (2011), resultando em uma quantidade de 87.747.683.773 de PKM no ciclo de vida de 60 anos. Conhecida essa demanda, procede-se a um plano de oferta, a quantidade de lugar-km – LKM oferecido, que possa atendê-la. Esse valor foi definido como de 14.107.891 carro-km/ano, o que resultará em 256.763.615.472 LKM no ciclo de vida. Uma classificação denominada AW3 foi criada pela APTA (2013), em que AW3 = passageiros ocupando todos os assentos + 6 passageiros em pé por m2 nas áreas livres. Os trens da L4 têm uma lotação AW3 de 1.820 passageiros (METRÔ RIO, 2014). Para calcular a carga média no trajeto analisado será utilizada a fórmula:

carga = PKM/LKM AW3

em que LKM AW3 é a quantidade de LKM ofertada no trajeto analisado na classificação AW3 e PKM é a demanda real. Aplicada à L4, a carga média no ciclo de vida será de: 87.747.683.773 / 256.763.615.472 = 34,17%.

4 RESULTADOS:

Os dados calculados para as emissões produzidas em tCO2 (toneladas de CO2) no ciclo de vida da L4 estão resumidos, por fases do ciclo de vida, na tabela 1.

Tabela 1: Emissões no ciclo de vida da Linha 4 do Metrô do Rio de Janeiro.

  Construção da Infraestrutura Fabricação dos Trens Manutenção Operação da Infraestrutura Operação dos Trens Total

Ciclo de Vida

Emissões Produzidas de CO2 (tCO2) 607.891 44.895 27.075 68.068 471.822 1.219.751

Emissões Produzidas de CO2 (tCO2) 607.891 44.895 27.075 68.068 471.822 1.219.751

Os resultados principais do ICV na unidade funcional escolhida (1 PKM) e apresentados por fases do ciclo de vida estão na tabela 2.

Tabela 2: Resultados do ICV por PKM e por fase do ciclo de vida

Resultados do ICV Construção Infraestrutura Fabricação

Trens

Manutenção Operação Infraestrutura Operação Trens Total

Ciclo Vida

             
Emissões Totais de CO2 (gCO2) 6,93 0,51 0,31 0,78 5,38 13,90

5 CONCLUSÕES:

A fase com maior participação nas emissões de CO2 do ciclo de vida é a construção (49,84%), seguida da operação dos trens (38,68%), tendo as demais fases (fabricação dos trens, manutenção e operação da infraestrutura) pouca participação. O resultado final de 13,90 gramas de CO2 por PKM é bem menor que os valores médios de emissão de queima de combustível de automóveis e ônibus, respectivamente de 110 e 64 gCO2/PKM (METRÔ SÃO PAULO, 2014).

As emissões do carbono embutido nos materiais são predominantes durante a construção da infraestrutura (81,61%) e manutenção (66,18%). Durante a fabricação dos trens, o mais alto nível de emissões é devido ao combustível utilizado no processo (42,87%), enquanto a eletricidade é predominante durante a operação da infraestrutura (99,61%) e dos trens (100%). Durante o ciclo de vida completo, a eletricidade (46,66%) e os materiais (43,49%) são responsáveis pela maior parte das emissões.

Pelos resultados obtidos, pode-se concluir que a Linha 4 deverá efetivamente contribuir para a redução das emissões do setor de transporte da cidade do Rio de Janeiro, quer em uma perspectiva operacional, quer de ciclo de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APTA (2013) Changes in Rider Anthropometrics & The effects on Rail Car Design. American Public Transportation Association.

EPE (2017) Balanço Energético Nacional de 2016. Empresa de Pesquisa Energética.

FGV (2011) Previsão de Demanda Linha 4. Fundação Getúlio Vargas, 2011.

METRÔ RIO (2014) Informações disponibilizadas por Daniel Habib, Diretor de Operações do Metrô do Rio de Janeiro.

METRÔ SÃO PAULO (2014) Relatório de sustentabilidade do Metrô de São Paulo, 2013.

RIOTRILHOS (2015) Informações disponibilizadas por Eduardo D’Aguiar, Gerente de Engenharia da Rio Trilhos – Companhia de Transportes sobre Trilhos do Estado do Rio de Janeiro.

 

Márcio D’Agosto, Presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (ANPET), consultor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Ministério de Ciência e Tecnologia e avaliador da área de Engenharia I na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação e Cultura.

Carlos Eduardo Andrade, Mestre e Doutor em Engenharia de Transportes. Atualmente, trabalha na Gerência de Planejamento de Transportes.

Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.

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