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História viva

Trem do Corcovado, Rio de Janeiro
Trem do Corcovado, Rio de Janeiro

Trens de turismo resgatam a memória ferroviária do país; admiradores têm 32 atrações de Norte a Sul, sendo a mais recente em Guararema (SP)

A história da “velha senhora”, maior locomotiva a vapor em funcionamento no Brasil, é antiga e remonta ao começo do século passado. Construída em 1927, operava na estrada de ferro Central do Brasil e fazia o trajeto Barra do Piraí (RJ) – São Paulo (SP). Foi assim até o começo dos anos 1970, época em que os trens a vapor foram substituídos pelos a diesel no país. Receosos da imponente máquina ser desmanchada, como aconteceu com muitos trens, admiradores esconderam-na em uma linha desativada. Assim, ficou abandonada por dez anos, debaixo de sol e de chuva.

No fim da década, ela foi encontrada por operadores da antiga RFFSA (Rede Ferroviária Federal) e foi restaurada com nova finalidade: servir aos trens de turismo para resgatar a história do transporte ferroviário de passageiros no país. No fim dos anos 1980, foi abandonada novamente, tendo sido adquirida pela ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), em 1998, voltando a percorrer pequenos trajetos. Até que cinco anos atrás foi escolhida como a locomotiva oficial do trem de Guararema (SP), que começou a operar em outubro passado.

Até o início do funcionamento do trem, que faz o trajeto Guararema – Vila Luís Carlos, em um total de 6,8km, várias etapas foram vencidas. A primeira delas foi outra restauração, em que a locomotiva foi totalmente desmontada e refeita. Esse processo levou quatro anos. Além disso, entraves burocráticos fizeram com que a ANTT (Agência Nacional De Transportes Terrestres) só autorizasse o funcionamento da linha recentemente, o que retardou ainda mais o processo.

“Após três meses de operação, a procura tem sido muito boa. Temos momentos bem cheios e o período das férias é movimentado na cidade. Esperamos que a demanda aumente ainda mais”, afirma o diretor-secretário da ABPF, Bruno Sanches. O trem opera sempre aos finais de semana e feriados e realiza duas viagens por dia, às 10h e às 15h. A viagem custa R$ 50,00 e dura cerca de duas horas e meia. Além da locomotiva e dos carros de passageiros do século passado (um deles com mais de cem anos – também restaurado), o que já é uma atração à parte, os passageiros também têm acesso a uma vila ferroviária com bares, restaurantes, lojas e um pequeno museu. O trajeto, percorrido na velocidade máxima de 20km/h, integra a zona rural, o que embeleza ainda mais o percurso.

O Trem de Guararema é apenas um entre os diversos trens de turismo no Brasil. No total, são contabilizadas 32 atrações no país, sendo 26 integrantes da ABOTTC (Associação Brasileira Dos Operadores De Trens Turísticos E Culturais). A quilometragem total das linhas é pequena se considerada a extensão ferroviária do país: dos cerca de 30 mil quilômetros de malha existentes, apenas 458 quilômetros são utilizados com finalidade histórica.

Entre os mais procurados está o Trem do Corcovado, no rio de Janeiro. Todos os anos, mais de 600 mil pessoas são levadas ao Cristo Redentor pela centenária Estrada de Ferro do Corcovado, passeio turístico mais antigo do país. Inaugurado em 1884 pelo imperador D. Pedro II, o trem já levou papas, reis, príncipes, presidentes da república, artistas e cientistas em seus vagões. É também um passeio ecológico, pois atravessa a maior floresta urbana do mundo: o Parque Nacional da Tijuca. Diferentemente da maior parte dos trens de turismo, o funcionamento é diário, com saídas de meia em meia hora, tendo cada viagem duração de 20 minutos e extensão de quatro quilômetros.

Outra atração de visibilidade nacional é o Trem do Forró, que faz o trajeto Recife (PE) – Cabo de Santo Agostinho (PE). Durante a viagem, os passageiros são animados por um trio de forró ao som de zabumba, triângulo e sanfona. Cerca de 1.200 mil pessoas participam da festa, que sempre ocorre no período de festas juninas, aos finais de semana. O percurso de 84 quilômetros possui seis horas de duração e é percorrido na segunda linha mais antiga do país, tombada pelo IPHAN (Instituto Do Patrimônio Histórico E Artístico Nacional).

O Trem do Vinho também é um encanto à parte na serra gaúcha. A locomotiva a vapor percorre 23 quilômetros entre os municípios de Bento Gonçalves (RS), Garibaldi (RS) e Carlos Barbosa (RS). A festa é animada por coral italiano, teatro e show. E na chegada das estações, os turistas são recebidos com vinhos típicos da região, além de suco de uva e espumante.

Etapas

O início da operação de um trem de turismo não é tarefa fácil. Em alguns casos, pode levar até cinco anos. As dificuldades começam pelo número de órgãos envolvidos no processo. O DNIT (Departamento Nacional De Infraestrutura De Transportes) é o responsável pela cessão da malha e do material rodante da antiga RFFSA (Rede Ferroviária Federal) para operadores que desejam apostar em um novo projeto. O Iphan administra exclusivamente os bens históricos. Já a SPU (Secretaria De Patrimônio Da União) fica responsável pelas antigas edificações, como estações, por exemplo. Por fim, a ANTT (Agência Nacional De Transportes Terrestres), além de vistoriar e autorizar o funcionamento da linha por meio de uma outorga, também fiscaliza a operação regularmente.

O processo pode ser feito de duas maneiras: o operador interessado aproveita uma ferrovia já concedida à iniciativa privada, normalmente para transporte de cargas, e negocia o transporte turístico com a própria detentora da concessão, ou entra com pedido de cessão de malha já existente, porém não concedida, junto ao DNIT. Antes disso, porém, é necessário um estudo de viabilidade com justificativa histórica, além de levantamento da rota e da concessionária que opera a malha, se for o caso.

Além da linha férrea, o DNIT também disponibiliza o material rodante inutilizado. “Quando o sistema foi privatizado, em 1997, as locomotivas a diesel foram transferidas pelo governo às concessionárias de carga. Restaram poucas a vapor. Quando solicitadas, essas normalmente são cedidas. Caso o interessado queira explorar os outros vagões, é feito acordo de valor para uso com as próprias empresas, o que pode encarecer bastante o processo”, explica o presidente da ABBOTC, Adonai Filho.

Outra dificuldade é a recuperação do material rodante. Segundo ele, só a reforma de um vagão custa, em média, entre R$ 150 mil e R$ 200 mil. o custo de transporte do trem até a oficina também é alto e, em alguns casos, chega a R$ 150 mil. Além disso, de acordo com o presidente da associação, as concessionárias cobram caro pelo “aluguel” da malha ou das locomotivas. No caso do Trem de Guararema, por exemplo, a ABPF utiliza a malha da MRS Logística. A locomotiva, entretanto, é de propriedade da operadora.

Adonai acredita que, em termos de políticas públicas, o Brasil está atrasado em comparação com outros países, sobretudo no que tange aos subsídios. “Em vários países, o trem de carga tem que dar contrapartida para garantir o de turismo. Aqui, temos a lei que obriga as concessionárias de trens de carga a viabilizarem duas linhas de passageiros por dia. Entretanto, são as empresas que estabelecem o preço do uso da malha e as regras. O processo só anda após muita negociação”, lamenta.

Mobilidade

Tradicionalmente, os trens de turismo operam em velocidades que não ultrapassam os 25km/h. Além disso, os trechos são curtos, mas isso não é uma regra. O Trem da Serra do Mar paranaense, que liga Curitiba (PR) a Paranaguá (PR) e foi eleito como uma das dez rotas mais bonitas do mundo, possui 110 quilômetros de extensão. o diretor executivo, da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos), Rodrigo Vilaça, defende o transporte ferroviário com essa característica, ou seja, que integre turismo com mobilidade urbana, em maiores distâncias e velocidades.

“É uma tarefa árdua diante da malha ferroviária e da infraestrutura que nós temos. Precisamos, sim, admirar o passado, mas com a modernidade exigida pelo presente. Além do resgate da história, também é necessário fazer com que os mais jovens passem a optar pelo trem”, argumenta. O Trem Pé-Vermelho, que deve ligar as regiões metropolitanas de Maringá (PR) e Londrina (PR) é outro exemplo, segundo ele, dessa integração. A ferrovia passará por 13 cidades percorrendo uma extensão de 150 quilômetros.

Abandono chega a 5.000 km

Levantamento da ABPF (Associação Brasileira De Preservação Ferroviária) revela que existem entre 4.000 quilômetros e 5.000 quilômetros de linhas abandonadas no país. A entidade, que tem o objetivo de resgatar a memória sobre trilhos nacional, se dedica a recuperar locomotivas antigas e malha subaproveitada, além de estações abandonadas.

De acordo com o diretor-secretário da associação, Bruno Sanches, na época da privatização do sistema ferroviário, em 1997, a malha total da RFFSA (Rede Ferroviária Federal) considerada operacional era de cerca de 25 mil quilômetros. Essa extensão foi repassada à iniciativa privada. O governo herdou a parte não-operacional. Entretanto, no decorrer dos anos, muitos trechos em condições de uso foram abandonados pelas concessionárias com a justificativa de que não havia demanda suficiente. Para isso, as empresas fizeram acordo com a ANTT (Agência Nacional De Transportes Terrestres) para devolver os trechos.

A ABPF, que já opera em nove trens no país, pretende resgatar essa quilometragem subaproveitada. o processo, porém, não é fácil. “A gente nunca terá condições de cuidar de tudo porque não são só linhas, são vagões abandonados, sem falar nos prédios, nas estações e nos depósitos de carga. Temos uma longa missão pela frente”. A expectativa é de que os próximos trens a serem implementados sejam os de Cruzeiro (SP), Curitiba (PR) e Poços de Caldas (MG). mas, todas as ideias ainda estão em fase de projeto.

Revista CNT – Dezembro 2015
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